Nota Técnica Nº 02/2007
PA nº 126/07 (PA nº 1/05 - Comarca de Barracão)
I. O presente caderno ministerial constitui-se de cópias de investigação intentada pelo Ministério Público da Comarca de Barracão e se refere à existência de eventuais irregularidades no sistema de saúde municipal, identificadas pelo serviço de auditoria da Controladoria-Geral da União, destacadamente no que se refere ao contrato de prestação de serviços (autorizado pela LM n.º1546/06, de fls.123/124) firmado entre aquela municipalidade e "Maran, Watte, Acosta & Cia. Ltda.", sociedade administradora do Hospital e Maternidade Vera Cruz.
Os problemas aludidos (fls.14) foram: a) falta de controle da dispensação de medicamentos; b) pagamentos do aluguel do hospital com recursos do PAB; c) insuficiência de medicamentos; d) diretoria do hospital ausente; e) cobrança de consultas para pacientes do SUS; f) falta de profissionais e equipamentos; g) prontuários médicos irregulares; e h) falta de exames complementares para os pacientes internados.
Diante disso, no que se referia ao controle de dispensação de medicamentos, o ilustre agente ministerial local à época expediu, ao senhor Prefeito Municipal, Recomendação Administrativa indicando as providências a serem adotadas para regularização daquele item (fls.68/71).
Tal iniciativa originou o expediente de fls.83, em que o Prefeito afirmou estar cumprindo com o recomendado.
Posteriormente inquirido, o Executivo Municipal declarou que o aluguel do imóvel em que estava instalado o hospital havia sido pago com recursos do PAB em razão de um "descuido do Departamento Financeiro" (fls.90/96). Apontando estar autorizado pela LM n.º1406/02, que legitimava o aluguel do imóvel "com todos os móveis e equipamentos existentes e que venham ou possam ser utilizados, destinado (sic) ao funcionamento de um hospital (...)" (fls.97).
Frente a este cenário, a d. Promotora de Justiça, atualmente responsável pela investigação original, fez contato com este CAO de Proteção à Saúde de Curitiba em busca de orientação.
II. O aspecto inicial diz respeito à utilização de recursos oriundos do PAB para o pagamento de alugueres do imóvel sede do Hospital e Maternidade Vera Cruz.
Como é sabido, esses recursos são oriundos do governo federal e visam, entre outras ações, a promoção da atenção básica em saúde.
Assim, ao lançar mão dessa verba para que, através do pagamento de aluguéis, terceiro preste os serviços em seu nome, está o poder público desviando irregularmente a finalidade do dinheiro e omitindo-se na sua obrigação de ofertar, diretamente, as ações e serviços de saúde no município (este aspecto será melhor abordado adiante).
É verdade que tal conduta foi prevista pela Lei n° 1546/06, do Município de Barracão, que permite ao Poder Executivo a prática dessa determinada conduta. Porém, observe-se que seu texto autoriza (i) um sujeito determinado (o chefe do Poder Executivo local) a (ii) praticar um ato determinado (celebrar contrato de aluguel) (iii) com outro sujeito determinado ("Maran, Watte, Acosta & Cia. Ltda.").
Vale dizer, então, que o diploma contestado não se reveste de caráter normativo, eis que não constitui regra de natureza geral, abstrata e imperativa. Cuida-se, aí, de disposição que regula situação concreta, despida que está, não custa repisar, do carater de generalidade, abstração e impessoalidade.
Integra a classe dos atos de efeito concreto, ainda que se apresentem sob a forma de leis. Como atos de efeito concreto entendem-se aqueles não dotados de generalidade, abstração e impessoalidade; os que não estabelecem uma norma genérica de conduta apta a vincular pessoas indeterminadas, mas, sim, aqueles que provêm uma situação específica e concreta. Ou seja, é um ato administrativo com forma de lei.
"Um problema prévio e fundamental é o de se saber em que consiste uma norma ou acto normativo para efeitos de controle da constitucionalidade. Como topói orientadores desta complexa questão mencionar-se-ão os seguintes.
(1) a qualificação como norma não depende, no direito constitucional português, de qualquer forma (lei,regulamento) especjfica, mas de sua qualidade jurídica, ou seja, de sua natureza material;
(2) este requisito ou qualidade jurídico-material reconduz-se fundamentalmente à idéia de norma como: (1) padrão de comportamentos (ii) acto criador de regras jurídicas para a decisão de conflitos ((José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª edição, Coimbra, Almedina, 1993, p. 990-1, grifos no original – sublinhei ao transcrever)
"A noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além de sua autonomia jurídica, a constatação do seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. elementos que lhe conferem aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamento, estatais ou individuais futuros.(STF, Rel.Min. celso de Mello, RTJ 138/436).
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA
CONGRESSOONAL À PROPOSTA ORÇAMENTÁRiA DO PODER EXECUTIVO. ATO CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. 1
No controle abstrato de normas, em cujo ámbito instauram-se relações processuais objetivas, visa-se a uma só finalidade: a tutela da ordem constitucional, sem vinculações quaisquer a situações jurídicas de caráter individual ou concretol A açào direta de inconstitucionalidade não é sede adequada para o controle da validade jurídico—constitucional de atos concretos, destituídos de qualquer piormatividade.
Não se tipificam como normativos os atos estatais sem qualquer coeficiente de abstração, generalidade e impessoalidade. (STF, Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade nº 203- DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 20/4/90, p.3048)
Há que se observar, também, que a LM em referência tem sua eficácia relativizada porque o seu objetivo (firmar contrato de locação) já foi alcançado.
Logo, trata-se de discutir, em tese, a anulação dos efeitos dela decorrentes, sem perder de perspectiva que, ao que indica o documento de fls.121/122, o assunto específico da utilização de recursos do PAB já está sob investigação do Ministério Público Federal, o que, portanto, não recomenda o aprofundamento da mesma indagação em nível local, a fim de evitar duplicidade.
III. No contrato que foi firmado, a cláusula primeira, alínea ‘a’, aponta que "as consultas serão prestadas pela CONTRATADA aos indivíduos que sejam encaminhados pela Secretaria de Saúde do Município, sendo os demais procedimentos médico/hospitalares atendidos pelo Sistema Único de Saúde" (fls.27).
A par da equívoca redação, é possível inferir que o munícipe que, após consultar na unidade de saúde municipal, através do Sistema Único de Saúde, fosse encaminhado ao Hospital Vera Cruz, lá não continuaria a ser atendido pelo SUS.
Por outro lado, o parágrafo único, da mesma cláusula, indica que "os pacientes atendidos no Pronto Socorro urgência/emergência pagarão o valor de R$30,00 (trinta reais) por consulta".
Pode-se, portanto, concluir do imbroglio obrigacional que o paciente que, diretamente, acorre ao hospital, sem estar em situação de urgência/emergência, é atendido pelo SUS. Se for caso de urgência/emergência, deverá pagar o valor de R$30,00 pela consulta. E se for encaminhado pela unidade básica de saúde, não será atendido pelo SUS.
Posteriormente, em termo aditivo (fls.25), as partes excluíram a cobrança de R$30,00 por consulta sem, no entanto, cancelar outra regra dela consectária, constante no § único da cláusula décima primeira (fls. 29): "a CONTRATADA responsabilizar-se-á por qualquer cobrança feita ao paciente ou seu representante, por profissionais empregados ou preposto, em razão da execução deste contrato", o que, obviamente, deveria ter sido feito.
Na atual contratualização, não está definido quem cobre as despesas com aqueles pacientes encaminhados pelas unidades de saúde municipais nem, tampouco, após o termo aditivo, com aqueles que recorram diretamente ao hospital em casos de urgência/emergência, já que, em tese, não seriam atendidos pelo SUS e, também, não seriam "taxados" nos R$ 30,00.
Como referido pela d. agente ministerial local: "o Município pode estar pagando o que não deve, além da possibilidade do hospital cobrar também do paciente" (fls.140).
Apesar de tudo, como se sabe, o SUS, através do gestor municipal, é que deve ofertar tais prestações (atenção básica) gratuitamente e não mediante a contratualização onerosa que foi estabelecida.
Para além da análise feita, outras inconsistências do contrato merecem apontamento:
i) a clausula 4.ª (fls.28 – "fica o CONTRATANTE isento de responsabilidade por atos profissionais realizados pelos membros do corpo clínico da CONTRATADA e de seus funcionários"), reputa-se não escrita. Subsidiária ou até conjuntamente com o prestador o município responderá pelos atos ilícitos eventualmente praticados pelos membros do corpo clínico da casa de saúde e maternidade Vera Cruz. É o que aponta o art.37, § 6º, CF ("as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa").
ii) da mesma forma, o § único, da cláusula 5.ª (fls.28 – "o CONTRATANTE assume ainda o compromisso de repasse de no mínimo de 50 (setenta) (sic) AIH´s por mês", constitui compromisso que reage à mais elementar lógica de gestão sanitária, pois as AIHs devem ser repassadas em função da necessidade dos usuários do SUS serem atendidos na Casa de Saúde e, não, sob o critério de "piso" mensal, ou seja, uma cota mínima de AIHs a serem remetidas à prestadora, independentemente de indicação médica de internamento.
IV. Sob outro ponto de vista, diz o §1º do artigo 199, da Constituição Federal, que "as instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas sem fins lucrativos".
Assim, a saúde é um "dever do Estado", conforme o artigo 196 da Carta Magna, com a ressalva mencionada.
Não obstante isso, o Município deve manejar preferencial e diretamente a saúde no nível de gestão que lhe corresponde, no caso de Barracão, a gestão plena da atenção básica .
"A atividade própria da Secretaria de Saúde é aquela inerente à sua Instituição, aquela que faz parte da sua natureza, aquela que explica a sua existência, aquela que é indispensável e necessária a sua permanência. Em outras palavras, a Secretaria de Saúde deve manter serviços de saúde e, basicamente deve prestá-los com pessoal, equipamentos e recursos próprios" .
A regra geral é, portanto, a prestação imediata e completa dos serviços de saúde por órgão da Administração Direta.
Apenas quando as disponibilidades da Administração Pública forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde - SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada, conforme os artigos 199, §1.º, da Constituição Federal , e 24, da Lei Federal nº8080/90 , o que deve restar previamente demonstrado.
É o que refere o Ministério da Saúde quando expressa que "caso não haja, em sua base territorial, suficiência na rede pública (municipal ou vinculada a outros níveis de governo) para o atendimento à sua população, o gestor municipal deverá contratar serviços privados de saúde. Prioritariamente, devem ser contratados serviços de saúde de entidades filantrópicas e das sem fins lucrativos (conforme Constituição da República, art. 199, §1.º e Lei 8080, arts. 24 e 25)".
No mesmo sentido vai a Constituição Estadual que, em seu art.39, refere que "é vedada a contratação de serviços de terceiros para a realização de atividades que possam ser regularmente exercidas por servidores públicos, bem como para cobrança de débitos tributários do Estado e dos Municípios".
Na espécie, o que se percebe é que não se trata propriamente de complementação do serviço pelo Hospital e Maternidade Vera Cruz, como diz a Constituição Federal, mas sim de virtual substituição do gestor, exercendo aquela instituição, quase integralmente, as ações de saúde pública cabíveis ao município de Barracão, conforme se verifica da cláusula terceira, do contrato de prestação de serviços, aonde consta ser obrigação do hospital "manter convênio com o SUS e prestar atendimento à população de acordo com as normas vigentes" (fls.27), e da cláusula quinta, que estabelece o valor a ser repassado "pela prestação do serviço de pronto socorro e plantão médico 24 (vinte e quatro) horas", bem como, o "compromisso de repasse no mínimo de 50 (setenta) (sic) AIH´s por mês" (fls.28).
Neste quadro, a Municipalidade responde pelo aluguel do imóvel, fornece móveis e equipamentos, além de pagar valores mensais à sociedade contratada para a administração do hospital, sendo que a sua responsabilidade geral, enquanto gestora da atenção básica, e segundo a Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS/2002 (item 54, "responsabilidades"), se compõe de:
"a) Elaboração do Plano Municipal de Saúde, a ser submetido à aprovação do Conselho Municipal de Saúde, que deve contemplar a Agenda de Saúde Municipal, harmonizada com as agendas nacional e estadual, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual será efetuado o acompanhamento dos Relatórios de Gestão.
b) Integração e articulação do município na rede estadual e respectivas responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programação de ações e serviços que compõem o sistema municipal.
c) Gerência de unidades ambulatoriais próprias.
d) Gerência de unidades ambulatoriais transferidas pelo estado ou pela União.
e) Organização da rede de atenção básica, incluída a gestão de prestadores privados, quando excepcionalmente houver prestadores privados nesse nível de atenção.
(...)
Requisitos
a) Comprovar a operação do Fundo Municipal de Saúde;
b) Comprovar o funcionamento do CMS.
(...)
d) Comprovar, formalmente, capacidade técnica e administrativa para o desempenho das atividades de controle, e avaliação, através da definição de estrutura física e administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de comunicação.
(...)
3. Disponibilidade de serviços (estrutura física e recursos humanos) em seu território, para executar as ações estratégicas mínimas;
(...)
Prerrogativas
(...)
b) Gestão municipal de todas as unidades básicas de saúde, públicas ou privadas (lucrativas e filantrópicas) integrantes do SUS, localizadas no território municipal.
(...)"
A mesma norma organizacional, ao se referir à "alta complexidade", indica, no item 25.1, que "a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações".
Ou seja, quando o município de Barracão (que opera em gestão plena da atenção básica) tenta ofertar serviços de média/alta complexidade, como ocorre nos procedimentos hospitalares contratados, o faz extrapolando a sua obrigação legal mínima. Tal só teria cabimento após cumprida sua obrigação estatuída na legislação, qual seja, a de ofertar de maneira adequada os serviços de atenção básica aos usuários do SUS.
Por outro lado, embora se deva atender ao princípio da discricionariedade do Administrador, na escolha de meios para a satisfação do interesse público, ressalta-se que ele próprio se subordina aos princípios legais que norteiam o Sistema Único de Saúde (LF n.º 8080/90, art.7.º), e que condicionam o seu poder de eleição de meios para atender suas obrigações legais (isto é, o poder discricionário do gestor não se conforma com a prática de atos à revelia da regulação sanitária).
O primeiro dever de atenção e gestão que o Município tem para com seus cidadãos, é a saúde, aliás, considerada pela Constituição Federal como serviço de "relevância pública" (art. 197), tanto que é vedado, segundo Maria Sylvia di Pietro, "transferir a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de saúde prestada por um hospital ou por um centro de saúde" , como antes frisado.
V. Além do que já se disse, não há informações no presente caderno quanto à necessária ciência e manifestação prévias do Conselho Municipal de Saúde sobre a sistemática de atendimento e respectiva contratualização em exame, nem, tampouco, sobre a celebração do contrato de prestação de serviços, o que, de regra, é devido, impondo-se provocação àquele órgão para tal fim, a qual deverá, ulteriormente, se agregar ao procedimento ministerial.
Veja-se, dentre vários indicativos legais a respeito, o §2º, do artigo 1º, da Lei Federal nº8142/1990:
"O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo".
VI. Outro ponto ainda a ser observado é a indicação de que os recursos do Fundo Municipal de Saúde não estariam sendo geridos pela Secretaria Municipal de Saúde, gestor municipal do SUS (por "descuido do Departamento Financeiro" - fls.90/96).
Dentro da idéia de participação da comunidade no SUS, os fundos de saúde, como se sabe, foram criados com a intenção de permitir, de forma facilitada, através de uma conta exclusiva, o controle social dos recursos destinados à Saúde.
O §3.º, do art.77, do ADCT, refere que "os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal" .
Por sua vez, o art. 33, caput, da LF n.º8080/90 , expressa que os recursos da Saúde serão depositados em "conta especial", e a sua movimentação, fiscalizada pelos Conselhos de Saúde. Isto significa dizer que, se a conta é especial, tais verbas não podem ser depositadas na conta comum da Prefeitura, dificultando e, quem sabe, impossibilitando a atuação dos conselhos.
Os recursos do SUS devem ser depositados e movimentados através de uma conta específica para essa função, isto é, vinculada ao FMS.
Se o município não possui essa(s) conta(s) exclusiva(s), em tese, está impossibilitando o exercício do controle social por parte do Conselho Municipal de Saúde e, em vista disso, está desobedecendo preceitos legais.
Então, repisando, todos os recursos do SUS hão que ser geridos pela Secretaria Municipal de Saúde e devem ser movimentados pelo Secretário Municipal de Saúde (art.32, §2.º , da LF n.º8080/90), através dessa conta específica.
A gestão compartilhada dos recursos do SUS com outras Pastas do governo municipal como, por exemplo, Secretaria de Finanças, implica em atividade irregular e contrária à lei, também passível de apuração. Pode, entretanto, o Secretário de Finanças/Fazenda assinar, junto com o Secretário de Saúde, ordens de pagamento, o que não significará, tecnicamente, gestão do sistema.
Importante, neste momento, recordar o mandamento constante do art.4.º, da LF n.º8142/90:
"Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
(...)
Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União".
VII. Em decorrência do exposto, sugere-se:
i) a partição da investigação dos fatos de forma individualizada, em procedimentos distintos;
ii) a expedição de Recomendação Administrativa, na qual deverá ficar definido que em todos os postos de atendimento do SUS no município de Barracão (principalmente na Casa de Saúde) existam cartazes, VISÍVEIS para o usuário, informando da gratuidade dos serviços ali prestados (segue em anexo, TAC que trata do assunto), mencionando os telefones ou locais para reclamações (a d. Promotora de Justiça, em face das circunstâncias presentes, deve avaliar a conveniência do telefone do MP também ser divulgado);
iii) a verificação da possibilidade de celebração de TAC, tendente a compelir a Municipalidade a cumprir diretamente a sua obrigação de prestação da saúde (1), dele constando a restituição dos valores pagos, com recursos destinados à atenção básica, por procedimentos médico-hospitalares (2) que extrapolem a atribuição do município. Da mesma forma, deverão ser restituídos os montantes utilizados em pagamento de atendimentos (3) que não foram realizados pelo Sistema Único de Saúde, já que o contrato prevê hipóteses em que o cidadão encaminhado pela unidade básica, ou aquele, em situação de urgência/emergência, que busque diretamente o atendimento hospitalar, não será atendido pelo SUS; bem como, a restituição dos recursos usados para quitação (4) de aluguéis de imóveis (hospital);
iv) observando-se o que foi dito a respeito da existência e manejo do Fundo Municipal de Saúde e observância das atividades do Controle Social (Conselho Municipal de Saúde), sopesar a pertinência de ACP(s) para garantir a regularidade desses instrumentos de gestão sanitária, bem como a efetividade do TAC;
v) a consideração da propositura de ação de improbidade administrativa contra o Prefeito e outros eventuais envolvidos, com suporte nos dados (referentes à utilização irregular de recursos do FMS) constantes da presente investigação e eventuais complementos obtidos junto ao Tribunal de Contas e ao CAO de Proteção ao Patrimônio Público;
vi) apurados indícios em concreto da prática de crimes relativos às cobranças indevidas pela realização de procedimentos médicos cobertos pelo SUS (estelionato/concussão, conforme a situação concreta se apresentar), sugere-se a remessa de cópias do presente à Regional de Saúde (que instaurará procedimento administrativo), requisitando-se, também com cópias e em paralelo, a instauração de inquérito policial;
vii) o aprofundamento da investigação relativa à utilização irregular de recursos públicos, pelo Prefeito Municipal, no que concerne aos procedimentos que, conforme o contrato, não seriam cobertos pelo SUS e, portanto, ao que tudo indica, foram pagos à parte (Quem pagou? De que forma foi efetuado o pagamento?). Sendo comprovada a prática ilegal, e conforme o caso, necessária se fará a remessa dos documentos à Procuradoria-Geral de Justiça, visando a apuração nos termos do DL n.º201/67 (crimes de responsabilidade dos Prefeitos);
viii) como subsídio às medidas administrativas/judiciais a serem adotadas, há de ser solicitada cópia do Plano Municipal de Saúde, ora em execução no município, para se observar se a prestação de serviços hospitalares, tal como executada, nele está prevista, já que, como antes referido, Barracão atua apenas na prestação de serviços para a atenção básica, na qual não se insere o rol de atividades de média complexidade contratados (LF 8080/90, art.36, § 2º: "é vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde"). Tal hipótese, se positivada, pode agregar-se à ação de improbidade administrativa antes mencionada;
VIII. No que concerne à existência de plantonista de sobreaviso e à falta de UTI e especialidades como radiologia e psiquiatria, v. análise técnica elaborada pelo médico sanitarista Marcelo Bittencourt Belleza (em anexo), bem como, material produzido pelos Conselhos Federal e Regional de Medicina.
IX. Isto posto, tornem os autos a exame da doutora Promotora de Justiça da Comarca de Barracão (em anexo disquete com modelos de peças processuais mais relevantes na espécie), sem prejuízo de seu eventual retorno ao CAO, para ulterior complementação, se necessário.
Curitiba, 12 de julho de 2007.
MARCO ANTONIO TEIXEIRA
Procurador de Justiça