Nota Técnica Nº 01/2011

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Nº. 0046.11.001135-3

 

Assunto: Doação de órgãos e tecidos nas situações em que não se tem conhecimento da existência de qualquer parente consangüíneo. Autorização para doação é pelo (a) companheiro(a) do(a) de cujus que vivia em união estável, sem meios para provar a situação.

A Coordenadora das Políticas Estaduais de Transplantes e da Central Estadual de Transplantes do Paraná, doutora Arlene Terezinha Cagol Garcia Badoch, por meio do Ofício nº 0072/2011 CET-PR, solicita "parecer" da Promotoria de Proteção à Saúde Pública de Curitiba acerca "da validade da autorização de doação de órgãos e tecidos nas situações em que não se tem conhecimento da existência de qualquer ente consangüíneo e a única pessoa capaz de realizar a autorização para doação é o(a) companheiro(a) do(a) de cujus que vivia em união estável, porém não possui meios para provar essa situação", assim como informação sobre "qual seria o meio legal, aceitável nesses casos, como prova da convivência em união estável que por sua vez serviria como base para validar a autorização da doação".

 

Inicialmente, cumpre destacar que a presente manifestação não consiste em consultoria jurídica a entidade pública, o que é vedado ao Ministério Público pelo artigo 129, inciso IX, da Constituição Federal. Além disso, as considerações a seguir feitas não implicam na regulação da matéria, que deve ser feita pelos meios legais adequados.

 

A questão levantada diz respeito à aparente lacuna existente na Lei Federal nº 9.434/97 que, em seu artigo 4º, dispôs que "a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas, para transplante ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte".

 

A hipótese de a única pessoa capaz de realizar a doação ser o(a) companheiro(a) do de cujus não se acha expressamente contemplada na regra antes citada.

 

Pelo princípio da razoabilidade que deve reger a aplicação do Direito não é possível sustentar-se justo e plausível o descarte da possibilidade de transplante, em circunstâncias como a ora descrita, desde que obedecidos os demais trâmites e exigências legais a respeito, por parte da Central de Transplantes e do serviço hospitalar encarregado.

 

Há imanente na situação não apenas o interesse juridicamente relevante e indisponível de todos aqueles que aguardam oportunidade de recepção de órgão ou tecido, que, no mais das vezes, poderá vir a salvar-lhes a vida, mas da própria sociedade, tomada no seu conjunto; não se tolera que pessoas possam vir a perecer ou a permanecer aguardando indevidamente um transplante, demora que implica no consumo de substanciais recursos, principalmente públicos, no custeio de sua manutenção clínica, afora, evidentemente, a grande dor e sofrimento, individual e familiar que se acarreta.

 

A hipótese aventada, por outro lado, a princípio, não conforma conduta criminal, como, v.g., aquela descrita no art. 14, da LF n° 9434/97, posto que ali o que está contemplado é "remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei".

 

Cuida-se aqui não de autorizar desrespeito ao diploma em tela, mas antes de suprir-lhe lacuna, colmatando-a com o interesse público prevalente, que é o de acautelar os bens jurídicos saúde e vida.

 

Segundo consigna Alaércio Cardoso , "...o bom senso induz que se deve obter o consentimento do parente ou pessoa mais próxima do falecido, embora a regra jurídica insculpida na citada Medida Provisória não tenha estabelecido qualquer hierarquia. Nessa ordem de idéias, a consulta deve ser feita também ao companheiro ou companheira do falecido, que se situam na mesma posição do cônjuge".

 

A prova da união estável, em situações como a colocada deve ser feita com a necessária agilidade, de modo a não inviabilizar os procedimentos médicos em questão. Em situações extremas, seria admissível ser elaborada, v.g., declaração do(a) companheiro(a) do de cujus, firmada por duas testemunhas, sob as penas da lei. Quanto ao mais, a incidência da Lei Federal nº 9.434/97, é de rigor.

 

Ademais, acrescente-se, a remoção de órgãos e tecidos no caso em tela não traria nenhum prejuízo, nem ofensa aos bens jurídicos tutelados pelo referido diploma legal, neles incluído o respeito devido à memória do(a) extinto(a).

 

Ante o exposto, oficie-se com cópia da presente manifestação à Coordenadora da Central Estadual de Transplantes do Paraná para ciência, solicitando-se, no prazo de até 30 dias, informações sobre providências tomadas por aquele órgão, no sentido de proceder à regulação da hipótese posta, não contemplada em lei.

 

Curitiba, 18 de março de 2011.

 

LUCIANE MARIA DUDA
Promotora de Justiça

 

FERNANDA NAGL GARCEZ
Promotora de Justiça

 

MARCO ANTONIO TEIXEIRA
Procurador de Justiça

 

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