A tragédia do frango cigano
Rui Cavallin Pinto
Publicação: 27/10/2022
Antônio Evaristo de Morais ainda hoje é lembrado como um dos nossos maiores advogados criminais. Rui Barbosa já o distinguira em vida como o primeiro tribunal criminal do Brasil. Porém, Evaristo começou no foro como rábula, ainda bastante jovem, e só veio a se bacharelar em Direito aos 45 anos.
Suas “Reminiscências de um Rábula...” compõem um painel vivo e colorido de sua presença constante nos Tribunais do foro criminal do Rio de Janeiro, no exercício do direito de defesa que pôs a serviço de grandes e pequenos, sem nunca trair seu compromisso de fidelidade à Justiça.
Entre suas lembranças há uma, porém, bem divertida do começo de sua rabularia, que vale recordar. Foi uma briga de vizinhos, em que duas famílias se desavieram por causa de um frango, que escapou do quintal de um e foi mariscar no do outro. Foi então que, ao surpreender o forasteiro, o proprietário prendeu o frango no galinheiro do seu terreiro. Pois isso foi bastante para o vizinho se sentir lesado e se armasse uma guerra entre eles, que envolveu as duas famílias e foi desaguar na polícia.
O frango acabou apreendido e devolvido a seu dono que, para estadear seu júbilo, colocou o andejo numa gaiola e à vista e embandeira com um dístico flamejante: Vitória!...
O outro, porém, não se deu por vencido e levou a questão por diante, entregando a causa a Evaristo de Morais, pois não queria passar por ladrão de frango. O jovem rábula, porém, por artes ou empenho acabou reunindo de que o frangalhote não era o mesmo buscado, conseguindo um outro mandado que fazia seu cliente simples depositário do frango, que, por equívoco, não se fez consignar essa condição na expedição da nova ordem. Mas então, mesmo diante disso, Evaristo deu por decidido que o galináceo cigano fora entregue em plena propriedade. Daí, então, para festejar o sucesso da demanda, a parte mandou fazer um ensopado do frango, à la cocote, para servir a todos os participantes de sua causa.
Estavam, porém, em meio à celebração, quando chegou esbaforido um oficial da pretoria (havia pretor nesse tempo...), trazendo um contramandado, corrigindo parte do anterior e determinando que o frango deveria permanecer em simples depósito, até a prova da sua propriedade em juízo. Criou-se assim um impasse... Como cumprir o mandado?
Diante disso, foi o próprio Evaristo que ajudou o oficial a redigir a certidão respectiva, informando que a ordem deixava de ser cumprida porque, no dizer da própria parte, tendo recebido o frango em plena propriedade, fizera dele um ensopado, que comia por ocasião da diligência.