As mulheres promotoras e procuradoras de Justiça no Ministério Público do Paraná
08/03/2016 | Por Rui Cavallin Pinto
Antes da República, não há registro da presença da mulher nas funções do Ministério Público paranaense. Prevalecia o preconceito geral de que os confrontos da litigância forense, o vezo das baixas paixões e a natural fragilidade da mulher tornavam-na inapta para o exercício da advocacia e suas sequelas. Quando, na segunda metade do século XIX, a bacharel Mirtes de Campos pleiteou sua inscrição como membro do então Instituto dos Advogados do Brasil, seu pedido foi indeferido e melhor sorte não alcançou nos tribunais a que recorreu. A advocacia era vista como um officium masculum, uma tarefa só para os homens. Porém, essa convicção cedeu em 1906, com a inscrição profissional das primeiras mulheres.
Mesmo assim, porém, o baluarte do Ministério Público demorou a revelar seu lado feminino, e só em 1930 identificou-se a primeira delas: a promotora Walkíria Moreira da Silva Naked, nomeada pelo decreto nº 93, de 13 de outubro daquele ano. Depois dela, aparece outra representante do sexo feminino, na figura de Iraci Queiroz, promotora de Ribeirão Claro (decreto nº 14 de 3 de janeiro de 1933), cuja presença vai reaparecer em 1956, como advogada chefe da Divisão Jurídica do DAP do Estado e autora do anteprojeto do Código Tributário do Estado do Paraná. Foi seguida por Maria Alexandrina Ferreira das Chaves (1934) e finalmente, em dezembro de 1937, Ilnah Pacheco Secundino de Oliveira ocupou, entre outros cargos, o da 1ª Promotoria Criminal da capital. Era, também, poetiza e autora de inúmeras obras literárias, dentre as quais “A Mulher”, “Quando o sol surge no oriente”, “Vozes da cidade” e “Missanga”.
Todas elas atuaram interinamente e em breve tempo. Não logrou-se, entretanto, colher maiores dados sobre todas elas, mas, com certeza, participaram dos primeiros tempos da presença da mulher à frente do Ministério Publico do Paraná.
De uns tempos em diante, porém, as mulheres passaram a participar em maior número das atividades escolares e áreas de formação profissional superior, passando a concorrer com os homens em todos os setores de atividade, mesmo naqueles de maior tradição masculina. A Constituição de 1934 impôs o acesso aos cargos públicos mediante concurso de provas ou títulos, mas cujas alternativas os governos locais raramente obedeciam (ar. 170, § 2º). A exigência foi confirmada pela de 1946 (art. 186) e repetidas em todas as demais Constituições que se seguiram. O primeiro concurso do Ministério Público do Paraná foi realizado em janeiro de 1951, para o preenchimento de 25 comarcas vagas. Quarenta e quatro candidatos se inscreveram, mas nenhum deles contou com a companhia de uma mulher. Do mesmo jeito se realizaram os concursos de 1952 e 1953 e nenhuma mulher esteve presente.
Em 1956 aparece a primeira delas, Zaíra Marques Muniz, que se classificou, mas não foi nomeada. Ela voltaria já no ano seguinte (1957), ao lado de Maria Dias Figueiredo, cuja companheira, no entanto, foi quem então se classificou e se viu nomeada, assumindo a “benemerência” de ser a primeira mulher a integrar, por concurso, o quadro efetivo do Ministério Público paranaense. Depois disso, só em 1959 Celita Teixeira Alvarenga viria a se incorporar à instituição e ostentar, posteriormente, a primazia de ser a primeira procuradora de Justiça.
Em 1965 o Ministério Público pôde contar com a promotora Joselita Becker de Araújo e, em 1966, com Florisbela Corrêa Góis Gennare e Josyra Costa Ferreira. Nos concursos dos anos subsequentes, 1970, 1971 e 1974, a participação da mulher foi ainda discreta, reduzida às nomeação de uma ou duas delas em cada concurso (Neide Menarin, Lídia Bastos, Irecê Maria Marques, Marlene Jordão da Motta, Sônia Maria Bardelli).
O curioso é que esse rendimento, embora baixo, se interrompeu em 1978, pois em dois dos concursos seguintes nenhuma mulher se classificou. Ausência que foi contrariada em 1985, com a aprovação de 9 delas. Daí em diante o contingente feminino só fez crescer, para em 1996 alcançar a proporção de 17 mulheres dentre os candidatos 53 aprovados. E sem contar que a disputa contou com 1.700 candidatos.
O quadro do Parquet paranaense em 2015 era representado por um contingente de 722 agentes, atuando em 144 comarcas, dezenas de varas e junto aos 120 desembargadores do Tribunal de Justiça. Havia 614 Promotores de Justiça, dos quais 364 homens e 250 mulheres, além de 108 Procuradores de Justiça, dos quais 83 homens e 25 mulheres.
Os promotores foram a princípio os gens du roi1, da Ordennance de 1302, do rei francês Felipe, o Belo. Tinham função meramente fiscalizadora, a serviço do rei. A instituição, porém, foi se formando lenta e paulatinamente, ampliando seu papel para só assumir as atribuições do processo penal muitos anos depois, no século XIX. Atualmente, o Ministério Público desempenha um amplo leque de relevantes funções no plano criminal e social, cumpridos indistintamente por homens e mulheres. São homens e mulheres exercendo funções semelhantes, mas muitas delas tidas, anteriormente, como incompatíveis com a natureza e a sensibilidade da mulher.
Assim, na área criminal, e, sobretudo, no Júri, o confronto é sempre pessoal e a política penal atribui ao agente ministerial, a função de pleitear a supressão da própria liberdade do acusado e sua exclusão social. Hoje a mulher atua no Júri e no GAECO2, que é um grupo de elite do MP, em comum com a polícia civil e criminal, que promove investigações e o combate da criminalidade e suas organizações. E, nesse combate, somem-se às dificuldades naturais as garantias constitucionais e processuais concedidas ao criminoso durante todo o procedimento e na composição da própria sentença. Assim, a mulher de hoje, ao lado do homem, tem espaço próprio, amplo e independente, em todas as áreas de atividade e conhecimento. É uma conquista feita por ela, em milênios de submissão.
Enfim, como diz o historiador: a reflexão sobre o passado é sempre uma lição necessária, para medir a distância percorrida e procurar evitar que sejam cometidos os mesmos erros.
Notas do Memorial
1. Funcionários do rei.
2. Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado.