A margem da memória do MPPR

2008 | Por Rui Cavallin Pinto

Através da Resolução n° 41 , de janeiro de 1996, o Procurador-Geral Olympio de Sá Sotto Maior Neto instituiu uma comissão, constituída de procuradores, promotores e de uma historiadora, incumbida de promover o resgate da memória histórica do Ministério Público e a constituição de um futuro memorial da instituição. Membros do MP da ativa e inativa, um deles escritor laureado da Academia Paranaense de Letras: Noel Nascimento; e Maria Eunice Rodrigues de Oliveira, que além de advogada, é autora da "História do Poder Judiciário do Paraná", obra de edição ainda recente e que tem merecido elogios acolhidos. A equipe iniciou os trabalhos sob a presidência do Procurador Nilton Marcos Carias de Oliveira e se orientou em duas direções: de um lado promovendo o levantamento das fontes primárias e secundárias da vida da corporação, e, de outro, - armada de equipamentos de vídeo e áudio, procurando compor sua história oral, através do testemunho de diferentes gerações que, de uma ou outra forma, estiveram comprometidas diretamente com o destino da instituição. Assim é que, inventariando as atividades do primeiro semestre do Memorial, apurou-se que foram feitas 26 entrevistas, cinco delas no interior (Londrina, Maringá e em Foz do Iguaçu), e consumidas 25 fitas de vídeo e 44 de áudio. Foram entrevistas com oito ex-Procuradores-Gerais, oito ex-Corregedores, Procuradores e Promotores, alguns deles (felizmente alguns), injustamente atingidos pela repressão político-militar de 1964 – cicatrizes que ainda não se apagaram de todo, sinalizando a trajetória que a instituição teve que superar para chegar até aqui.

Mas, o importante é que tudo isso constitui um panorama vivo e amplo, enriquecido pelas imagens e sons de seus próprios protagonistas, importando-se em preservar todo um patrimônio para visão e desfrute desta e das gerações que advierem. Trata-se, assim, de uma realização realmente meritória, cujo valor será cada vez maior, com o passar do tempo. Entretanto é difícil resumi-la no espaço destas notas, pelas suas proporções. Podemos, porém, respigar aqui e ali algum detalhe mais expressivo, uma frase ou circunstâncias que merecem ser destacadas.

Assim, do diálogo com o ex-Procurador-Geral Brasil Pinheiro Machado (1940-45), ficou a preocupação de sua gestão de fazer com que os agentes do MP se atualizassem diante da nova legislação penal então adotada (Código Penal e de Processo Penal), que passou a viger a partir do início de 1942. Ainda, embora não pertencesse ao quadro do MP, quando escolhido para sua chefia, foi ele que na condição de Procurador-Geral representou o Paraná no 1º Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em São Paulo, em 1942, tendo participado inclusive como um dos conferencistas do evento.

Outra revelação importante foi feita pelo ex-Procurador Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (1946-47), de que dotou a Procuradoria-Geral de uma primeira estrutura administrativa compatível com a importância de suas funções, além de, durante sua gestão, terem sido criados os cargos de Subprocurador (hoje Procurador).

De João Cid de Macedo Portugal (1956-58), ficou a imagem do primeiro Procurador-Geral escolhido dentre membros da classe, além do seu empenho no sentido de que o ingresso na carreira só fosse possível mediante aprovação em concurso público.

Guilherme de Albuquerque Maranhão, por exemplo, nos legou o retrato de um homem realmente identificado com a Instituição, que serviu e veio presidir por largo tempo (1975-79). A se ver bem, traduz a imagem correta do Promotor, pelos dotes de sua inteligência vivaz e bem cultivada, além de dignidade pessoal que sempre imprimiu a todo seu desempenho. No plano institucional seu nome está ligado ao estatuto estadual do MP, documento inteiramente mutilado, mas que ainda subsiste, no aguardo de outro que incorpore as transformações que a instituição tem recebido desde a Constituição de 1988.

Há outros, porém, de igual jaez, tais como Henrique Lenz César, figura de grande sedução pessoal e carga humana. Dele também ficaram as lembranças dos seminários e jornadas de trabalho que promoveu durante sua liderança (1979-82), na capital e todo o interior, para aprimorar o desempenho dos agentes de Parquet.

Não se pode deixar de inserir nesta resenha, que o Procurador Luciano Branco de Lacerda foi quem desfez a dúvida relativa à primeira mulher que integrou a carreira do MP PR, esclarecendo que foi Maria Dias Figueredo, nomeada mediante concurso, em 1957, mas falecida pouco tempo depois, ainda no início da carreira.

Outro particular que merece destaque surge dos testemunhos do ex-Corregedor Jorge Brasil Pinheiro Machado e Milton Riquelme de Macedo, ex-presidente da APMP e da própria CONAMP. Ambos confirmaram que o Ministério Público do Paraná foi pioneiro na implantação das reformas conquistadas na Constituição de 1988, relativas à autonomia funcional e administrativa, providência corajosamente adotada pelo Procurador-Geral Jerônimo Maranhão através da Resolução n° 597. Na realidade, porém, essa iniciativa lhe custou o cargo. E ele sabia disso de antemão, pois confiou essa prevenção a Jorge Brasil (então Corregedor), durante memorável sessão de 14.12.1988, do Conselho Superior do Ministério Público (que considerou essas prerrogativas autoaplicáveis), quando lhe passou discretamente um bilhete manuscrito (que ainda ele conserva), que reproduz um belo, mas amargo pensamento do padre Antônio Vieira, que conclui por dizer que "um grande débito por vezes encontra piedade, mas o merecimento jamais".

E Jerônimo tinha inteira razão. O preço do seu descortino foi pago com o cargo, que perdeu em seguida, embora o governo logo depois se compenetrasse da legitimidade de sua iniciativa de implantar na Procuradoria-Geral seu próprio regime de provimento de cargos e de administração financeira, como veio a ocorrer. Mas ai os tempos já eram outros...

Assim, de imagem a imagem, vem-se colhendo detalhes deixados pelas entrevistas, as quais, se bem atinadas, podem constituir referenciais importantes para a composição de todo o quadro. Certamente não se pode dizer tudo o que se viu e ouviu. É tarefa que incumbe aos historiadores do futuro e reclama muito vagar.

Mas observa-se que o trabalho do Memorial MP PR criou um rico manancial de vida, de ideias e fatos capazes de abastecer a maior parte do esforço de fazer a história do Ministério Público, pelo menos na sua parte mais recente e talvez mais importante. E mais ainda se fará, pois esse gênero de trabalho nunca prevê seu término.

Portanto, é seguro dizer que, mesmo no plano nacional, se trata de um trabalho inédito, que, por certo, há de ter outros ou muitos seguidores, pois, como se diz, é a história que dá consistência e unidade à comunidade, revela seus valores espirituais e nexos sociais, e, enfim, transmite força de coesão que motiva a servi-la e a vê-la engrandecida.

E se é assim, que prossiga o trabalho do Memorial.