A Revolução de 64 e o Ministério Público do Estado do Paraná

29/01/2015 | Por Rui Cavallin Pinto

Mesmo diante da influência crescente do grupo político de esquerda, nos últimos tempos do governo João Goulart, ainda à última hora não seria seguro antecipar que fosse declarado, de súbito, um golpe militar para depô-lo. O general Mourão já havia posto a tropa no rumo do Rio de Janeiro, quando Castelo Branco tentou contê-lo, através do governador Magalhães Pinto, a pretexto de que sua precipitação podia comprometer o sentido do levante militar.

Posteriormente, o militar confessaria que a palavra do presidente bastava para dissuadi-lo, mesmo em marcha de estrada. E havia ainda o precedente de 1961, de solução de meio gosto, do parlamentarismo.

Ocorre que o presidente se recusou a promover o enfrentamento com os rebeldes ou sufocar o golpe. Deixou o poder e o país.

A junta militar assumiu e promulgou o Ato Institucional nº 1, mantendo a Constituição e promovendo a eleição indireta do presidente Castelo Branco e seu vice, para o fito de completar o mandato que vinha de Jânio Quadros, desde 1961, depois do que o país voltaria à normalidade democrática.

As garantias constitucionais foram interrompidas por seis meses e abertos centenas de inquéritos policiais militares. Na primeira tomada foram cassados 40 mandatos. Quando a cassada acabou eram 4.454.

Juscelino foi cassado por improbidade financeira e os demais foram perdendo sustentação junto aos setores mais intransigentes da revolução, enquanto o mandato do presidente era prorrogado para março de 67, protelando a volta à normalidade democrática.

Nas eleições estaduais de outubro o povo mostrou insatisfação e foi preciso acalmar as reações provocadas nos setores mais radicais das Forças Armadas.

Então novos atos foram editados, como o AI-2, que aboliu os partidos políticos, converteu em indireta as eleições para a presidência da República e interveio na composição do Supremo Tribunal Federal, retomando a prática dos expurgos e cassações.

Novas medidas foram tomadas em fevereiro de 1966, com o AI-3, aprofundando a ditadura e tornando indireta a eleição dos governos estaduais. Teve origem, também, o bipartidarismo, com os do governo articulados na Aliança Renovadora Nacional e a oposição no Movimento Democrático Brasileiro. Depois do episódio da Frente Ampla, da morte do estudante Edson Luis e da marcha dos cem mil, a cassação de Márcio Moreira Alves foi o pivô do AI-5.

Em 13 de dezembro de 1968 foi então anunciado o AI-5, fechando o Congresso por dez meses e suspendendo todos os direitos civis e constitucionais. Os veículos de comunicação passaram à vigilância militar e o Poder Judiciário sofreu redução e passou à órbita do executivo. Foram centenas as prisões, cassações e expurgos do serviço público. O mandado de segurança e o habeas corpus foram restringidos. Consolidava-se a institucionalização da ditadura e vigorava a ideologia do Estado de Segurança Nacional.

O Ministério Público não ficou livre disso tudo.

A Constituição de 1967 o situou no Poder Judiciário, mas a Emenda de 1969 o relocou no capítulo do Poder Executivo, acentuando sua subordinação ao Presidente da República e ao Governador do Estado.

De modo geral não parece, porém, ter exercido maior intervenção nas atividades dos seus agentes. Visto à distância a instituição até cresceu, acompanhando o progresso e o aumento da população.

No todo, conservou-se neutra e as exceções foram pontuais, mesmo que conte prisões, interrogatórios, aposentadorias compulsórias e injustiças no acesso da carreira. Houve dois procuradores-gerais cassados. Mas, entre os 7.367 réus denunciados na Justiça Militar não há menção a promotor. Tampouco entre as 43 organizações esquerdistas e de resistência, não há nenhuma no Paraná.

Alguns, ditos dos nossos, foram surpreendidos em pleno exercício funcional e aposentados. O único cassado foi Athos Abilhoa, nas primeiras levas do grupo apontado como político.

Noel Nascimento foi poeta e historiador social premiado, com rica herança literária. Quando aposentado contava com mais de quinze anos de carreira exemplar. Seus poemas “Alta Sociedade” e “Plebe”, são um grito primal de um jovem comovido com nossa desigualdade social, que, com o tempo, converteu num poema do evangelho cristão. Seus testamentos ideológicos são “Escola Humanista” e “Nova Estética”.

Alvim Messias foi promotor nos primeiros tempos (1936-51), na revolução era juiz. Ganhou proventos de desembargador. Athos tinha 23 anos ao ingressar no Ministério Público, classificado em primeiro lugar. Foi cassado oito anos depois e se fez advogado e próspero empresário no ramo de reflorestamento e silvicultura. Inocentado, tornou-se procurador. Mostrou talento literário precoce, estreando com contos. Atividade que retomou nos últimos anos, deixando obras inéditas.

Quanto a Alcino Leme Esselin, foi vítima do primeiro impulso da revolução, como sempre. A inconsistência da denúncia mostra isso. Paulo Carrilho talvez tenha sido a maior injustiça à sua devoção à instituição e ao Direito, que serviu à la lettre.

À época (1965), os setores mais radicais da revolução cobraram de Castelo Branco a edição do AI-2 que, entre outros imperativos, transferia os crimes políticos para a alçada da Justiça Militar Federal. O Ministério Público ficava com a criminalidade convencional. A corriqueira, fora do establichment político. E assim foi e ficou, por uns bons tempos...