Parecer sobre documento intitulado "Memórias do Ministério Público"
20/01/2002 | Por Rui Cavallin Pinto
Dr. Nilton Marcos Carias de Oliveira, presidente da comissão do Memorial do Ministério Público do Paraná nos incumbiu de proceder à leitura e estudo prévio do trabalho inédito "Memórias do Ministério Público", de autoria da historiadora Dra. Maria Eunice Rodrigues Silva, com vistas a oferecer parecer sobre a propriedade e conveniência de sua publicação pela Procuradoria-Geral de Justiça, para que possa se incorporar ao acervo da memória do nosso Parquet, que esta comissão foi incumbida de reunir e preservar.
A Dra. Maria Eunice Rodrigues Silva é membro integrante do Memorial do Ministério Publico desde sua constituição pela resolução n°41, de janeiro de 1996, da iniciativa do então procurador-geral Dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, e até recentemente tem registrado participação ativa em todas as suas principais atividades de resgate da memória da Instituição, seja com relação ao levantamento de suas fontes primárias e secundárias, tanto como o registro oral, das imagens e depoimentos de várias dezenas de personalidades. A Dra. Maria Eunice é licenciada em História (1974) e bacharel em Direito (1975), ambos os cursos da Universidade Federal do Paraná. Como bacharel em Direito atua na Secretaria Integrada da Execução, da Justiça do Trabalho, em nossa capital; como historiadora, é autora da "História do Poder Judiciário no Paraná" (1982), obra pioneira realizada sob patrocínio da Secretaria de Estado e Cultura e do Esporte em colaboração com o Tribunal de Justiça do Estado.
Como diz o próprio título, a "Memória do Ministério Público" não se propõe fazer a história oficial e completa da instituição no nosso Estado. Nem poderia fazê-lo pela limitação que o trabalho impôs a alguns dos seus segmentos. Aliás, esse compromisso já está descartado na nota preliminar da obra, onde a autora define seu propósito de contribuir apenas para o levantamento histórico da corporação ministerial, mediante etapas que visam se somar ao esforço maior que a comissão vem empreendendo. Outrossim, embora o espaço histórico pretendido seja vasto, pois assume o período que vai da criação da Província, em 1853, "até a época atual", o tratamento adotado se confina, na verdade, a uma abordagem muito mais reduzida, embora confesse que a história institucional, nas suas relações de poder e atuação social, exigiram, na verdade, um maior e mais amplo aprofundamento.
O texto é desdobrado em cinco capítulos, dos quais o primeiro deles faz simples menção da origem do Ministério Público, creditada como instituição a partir da Ordenança de 1302, do rei francês Felipe IV, o Belo. Registra também a opinião professada por tantos de que foi a Revolução Francesa que lhe deu maior estrutura, acrescida dos textos napoleônicos, que iriam completar o modelo institucional que, a partir de então, passou a se difundir entre outros países; modelo que a própria França conserva até hoje. Mas, no principal, o capítulo se reserva a focalizar o surgimento do Ministério Público em Portugal e no Brasil Colônia, por efeito das Ordenações Afonsinas, depois Manuelinas e Filipinas. Relativamente ao Brasil independente, o texto acompanha sua lenta evolução no Império, através da Constituição de 1824, o Código Criminal de 1830 e legislação avulsa, que estabeleceram os requisitos de nomeação do promotor e definiram suas atribuições, cargo então de nomeação e demissão ad nutum.
Para a autora, foi a República que pela primeira vez fala do Ministério Público, projeta-o como instituição e prenuncia sua independência, através do Decreto nº 848/1890, ao tempo de Campos Sales no Ministério da Justiça. Mas só a Constituição de 1934 situa o Ministério Público em capítulo próprio, como um dos "órgãos de cooperação nas atividades governamentais". Já a Carta de 1946 confere a instituição título próprio e reserva à lei ordinária a atribuição de dispor sobre sua organização em carreira e admissão de seus membros mediante concurso. Por sua vez, a Emenda Constitucional n°. 1/69, restituiu o Ministério Público ao capítulo do Poder Executivo e manteve sua estrutura e atribuições anteriores, enquanto que a Emenda n°. 7/77 prevê a edição de lei complementar destinada a consolidar normas gerais e serem adotadas pelo Ministério Público dos estados, propósito alcançado pela Lei Complementar n°. 40/81 (a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). Na sequência, o capítulo registra o novo perfil que a instituição vai assumir na Constituição de 1988, antecipado pela Lei de Ação Civil Pública (1985) e os avanços institucionais augurados pela "Carta de Curitiba" (1986), cujo novo status constitucional vai ensejar a edição da Lei n°. 8.625/93, correspondente à vigente Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Afinal, o trabalho encerra sua resenha exaltando, em particular, o desenvolvimento institucional conquistado pelo Ministério Público paranaense, que, em etapas sucessivas criou as Coordenadorias das Promotorias e de Recursos Extraordinários, as Promotorias de Comunidade, os Centros de Apoio Operacional, ampliando e consolidando sua atuação em favor dos direitos difusos, coletivos e individuais, e, com geral empenho, a setores como meio ambiente, patrimônio histórico, direito do consumidor, proteção de crianças e adolescentes, saúde, e quanto mais foram confiados à tutela do Ministério Público.
O capítulo seguinte traça o perfil dos agentes históricos do Ministério Público: o promotor público, o adjunto de promotor e o promotor interino, e, em seguida passa a fazer menção ao povoamento do Paraná, cujo foco inicial foi São Vicente, donde se expandiu para o Sul, ocupando o litoral e alcançando o planalto. Paranaguá foi nosso primeiro núcleo litorâneo, e, em 1688, Curitiba ganha seu pelourinho, então um simples povoado com o nome de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Em 1724, Paranaguá passa a sediar a Ouvidoria-Geral para todo o Sul de Brasil até o Prata, mas em 1812 essa sede é transferida para a Vila de Curitiba. Com a promulgação do Código de Processo Criminal de 1832, a Ouvidoria foi extinta, do que resultou a criação da 5ª Comarca de São Paulo, conservando sua sede em Curitiba. Com a obtenção de nossa autonomia em 1853, toda a área da comarca se converteu em território da Província do Paraná, com a capital em Curitiba. No ano seguinte, por providência da administração local, o território paranaense é então dividido em três comarcas: Paranaguá, Curitiba e Castro, mas, à medida que a Província é ocupada e o governo tem papel mais efetivo, a administração da justiça também se desdobra em novas comarcas que, em 1878 já somam oito: Capital, São José dos Pinhais, Campo Largo, Lapa, Paranaguá, Antonina, Castro e Guarapuava. Mais tarde, com a proclamação da República e a promulgação da Constituição estadual de 1892, o Paraná já ostenta 14 comarcas, cifra que, pela Lei nº. 9688, de 1940, se converte em 33 delas, e, ainda dentro dos limites do trabalho, em 1949 são 56 e, 107 pela organização judiciária de 1962.
Em seguida a obra se fixa em torno da organização judiciária do Estado, desde sua emancipação em 1853 até 1950, relacionando nominalmente 61 comarcas e seus promotores. A bem de ver, porém, nesse particular, delimitar o trabalho ao período da criação da Província até apenas a data de 1950, embora represente cerca de 100 anos de história, reduz, lamentavelmente, seu merecimento, pois, de modo geral, a obra se propõe a apresentar uma visão abrangente da instituição, com maior importância, nesse ponto, porque a ascendência jurídica e social atingida pelo Ministério Público no plano nacional, vai ocorrer a partir de 1950, ou para focalizar melhor, durante as três últimas décadas do século. Por outro lado, procurar nominar os promotores que a esse tempo ocuparam os cargos das respectivas Comarcas, é tarefa realmente ingente e fatalmente incompleta, pelo esforço de lograr acesso e poder manusear um grande acervo de informações desordenadas, grande parte de difícil recuperação: e o trabalho demonstra isso claramente. A nosso ver, essa tarefa obteria melhores resultados se fosse reservada para um trabalho exclusivo, específico, em obra à parte, como ocorreu com "Os Juízes do Paraná", de autoria de Milton Miró Vernalha, comemorativa do centenário de Tribunal de Justiça.
Quanto ao capítulo relativo à realização do concurso de ingresso na carreira do Ministério Público e seus resultados, dessa vez durante anos sucessivos de 1950 a 1998, a nosso ver resgata apenas registros de interesse informativo e pessoal, embora sirva para revelar a motivação interesse crescente que a carreira do Ministério Público tem despertado entre os jovens, pois se em 1952 o concurso atraiu apenas 23 candidatos, esse numero chegou a 1076, em 1992, e a 2141 em 1996. Há, porém, outras observações que nos ocorrem, como a divulgação tanto do rol dos aprovados como, entre estes, dos que lograram ser nomeados nos concursos de 1951 e 1959. A nosso ver essa dupla publicidade parece supérflua e, de certo modo, pode ser constrangedora para alguns dos que foi mal sorteado, situação que já não ocorre com a divulgação relativa aos demais concursos (mais de 44 deles), em que o concorrente só figura no elenco dos nomeados. Outra passagem que merece ser completada diz respeito ao concurso de 1953, em que a resenha só contém a relação dos candidatos aprovados, sem notícia de quem, entre eles, foi afinal nomeado e veio a integrar a Instituição. Merece correção, também, a menção ao Decreto n°. 7992, referido como de 29 de janeiro de 1953, que revogou as quatro nomeações do Decreto n°. 3368, de quatro de julho de 1956(?). Seria inverter a ordem do tempo...
A parte que trata de alguns órgãos de Ministério Público aborda inicialmente o cargo e o quadro de Procuradores de Justiça e relaciona todos os que exerceram e atuam, desde a instalação da 1ª Subprocuradoria em 1946, até 1999. A Corregedoria-Geral merece, também, menção breve, que versa sobre sua instalação em 1963 e a natureza de suas atribuições. Completa a referência oferecendo a relação de todos os que a exerceram, por ordem cronológica. Sobre o Conselho Superior do Ministério Público o trabalho menciona sua instituição em 1949, suas atribuições e funcionamento, bem como as alterações que sofreu desde então na sua composição. Traz ainda o nome de todos os que compuseram desde sua instalação. Por fim, encerrando o trabalho, o mais longo capítulo é reservado para a Procuradoria-Geral de Justiça, fazendo um rápido escorço do seu pavimento e atribuições, a partir do Decreto Estadual n°. 1/1981, que previa a escolha do procurador da justiça (sic) entre os bacharéis de Direito, com cinco anos, pelo menos, de prática do foro. Porém, embora a Constituição Estadual de sete de abril de 92 não reserve tratamento particular ao Ministério Público, visto apenas como integrante da estrutura do Poder Judiciário, a Lei nº 15, editada no mês de maio seguinte dispõe amplamente sobre os órgãos da instituição e suas funções, merecendo destaque que o cargo de Procurador Geral da Justiça (sic) era então da livre escolha do chefe do Poder Executivo, mas "dentre os Ministros do mesmo Tribunal". Essa particularidade é mantida também pela Lei Judiciária de 14/02/96, que, no seu art. 104 prevê a escolha do que chama "primeiro órgão e centro de ação perante o Superior Tribunal de Justiça" deve recair apenas dentre "desembargadores". Em seguida o relato noticia a desvinculação da chefia da Instituição do Poder Judiciário e acrescenta que, a partir de 1964 esse cargo passa a ser exercido exclusivamente por membros de seu quadro.
A seguir o relato menciona que, desde 1891, o cargo de Procurador-Geral teve 61 titulares, mas apenas enumera 57 deles, com dados bibliográficos e funcionais. Dos outros não há menção. Além desse desfalque, as dificuldades da pesquisa se revelam quando do trato pessoal de cada um deles. Há os que mereceram ampla notícia, rica de informações pessoais, como Ary Florêncio Guimarães, Eros Nascimento Gradowski, Henrique Chesneau Lenz César, Edmundo Mercer Júnior e outros; e aqueles cuja referência se reduz ao simples ato de nomeação, como Estácio Correia, Antônio Cardoso Gusmão, Líbero Badaró Nogueira Braga e Alípio Correia Leite Júnior.
O elenco de Procuradores-Gerais oferecido confere, no geral, com os levantamentos que têm sido realizados (embora não alcance o número 61, salvo se inclui repetições de mandatos), com a observação de que, embora não conste o nome do bacharel Arthur Heráclio Gomes, o livro do Centenário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, de Milton Miró Vernalha registra, às fls. 83 e 84 que, em novembro de 1929 o Secretário do Interior do Estado comunicou ao Tribunal que ele havia assumido o cargo de Procurador-Geral de Justiça, substituído, porém, em sete de março do ano seguinte pelo Des. Alcebíades de Almeida Faria.
Senhor Presidente, este Memorial responde ao propósito do atual Ministério Público do Paraná de resgatar e preservar tudo quanto possa contribuir para a construção de sua memória e a de todos os que, de algum modo, marcaram presença na vida da Corporação. E nesse sentido vimos empreendendo um trabalho permanente de pesquisa de fontes e documentos, bem como a realização de registros vivos, que permitam levantar o retrato coletivo da Instituição, bem como, e especialmente, conformá-lo à construção de sua própria identidade, que é, afinal, o propósito final de toda a memória. Infelizmente, porém, nesse caso, se pode repetir com os evangelhos que messis quidem multa, operarii autem paucis (MT. 9,37)1 além do que, o que mais constrange é que a quase totalidade de seu acervo se encontra disperso, relegado a condições precárias de conservação e sob risco permanente de deterioração irrecuperável, e, ainda mais, o que arremata esse constrangimento é ter de enfrentar certo sentimento difuso, mas vigente nesse país, de indiferença ou até menoscabo diante da preservação da memória de nossas instituições.
Assim, diante dessas circunstâncias e dos objetivos atribuídos a esta comissão, a nosso ver o trabalho da Dra. Maria Eunice Rodrigues Silva é uma contribuição valiosa e competente, fruto de um esforço inédito e bem sucedido, que merece acolhida e publicação da classe, independente das observações que ora suscitamos, as quais certamente deverão ser submetidas antecipadamente à autora para que oponha, esclareça ou as complemente, e assim possa tornar marco significativo da história do Ministério Público do nosso Estado, a que todos servimos.
É parecer, sob censura.
Curitiba, 20 de janeiro de 2002.
Rui Cavallin Pinto
Nota do Memorial
1. A seara a cultivar é muita, mas os operários são poucos.