O retrato de Itaciano Teixeira
dez/2006 | Por Rui Cavallin Pinto
Bento Fernandes de Barros e Francisco Itaciano Teixeira foram os dois primeiros Procuradores-Gerais do Estado, após o fim da Monarquia e a adoção do regime federalista da República. Bento em 1891 e Itaciano de 1892 a 1894. Os dois eram então juízes de direito e logo depois seriam desembargadores, critério de preferência pela Magistratura que prevaleceu durante os primeiros tempos na escolha da chefia do Ministério Público, adotado depois pela lei judiciária nº 15/92. Ocorre, porém, que apesar de todo o trabalho de pesquisa desenvolvido pelo nosso Judiciário e pelo Ministério Público, nunca qualquer destas duas instituições logrou reconstituir a imagem de nenhum deles dois.
Quanto ao Bento ainda foi possível levantar alguns dados pessoais, como os de sua origem de Sobral, no Ceará e o fato de se ter unido pelo casamento com tradicional família do Estado. Assim se soube que exerceu múltiplos cargos na educação, na administração e sobretudo na justiça do Estado, culminando por ascender ao Tribunal de Justiça, apesar do desfecho político que o sacrificou logo depois.
De Itaciano, porém, além de autor, em 1895, do “Plano de Reorganização da Justiça do Estado do Paraná”, restou muito pouca lembrança, em parte talvez por ter vivido apenas 36 anos e ter permanecido no Tribunal de Justiça por apenas um ano. Ao tentarmos reconstituir a passagem de Itaciano Teixeira pela Procuradoria-Geral exploramos toda sorte de informações e contatos, à procura de seus descendentes e conhecidos. A certa altura, entretanto, nos chegou a notícia de que ainda havia um neto seu na cidade de São Paulo. Tentamos contato e, com o tempo e à custo, chegamos a uma vizinha sua, que se propôs a nos ajudar e até se incumbiu de promover nossa aproximação.
Dias depois, nos confirmou que se tratava realmente de um neto de Francisco Itaciano Teixeira, um homem de mais de 90 anos, mas aparentemente lúcido e que se gabava de saber tudo sobre seu avô e ainda de conservar papéis e muitos guardados seus. Diante disso tentamos nos aproximar e marcar entrevista, intermediados pela boa senhora. Durou pouco, porém, esta mediação quando ela nos rogou que a dispensássemos do seu valimento, porque, à medida que tocava no assunto e sugeria a entrevista, mais ele desconversava e se mostrava irritado, até o ponto em que interrompeu definitivamente o diálogo, alegando que o que queriam dele era ganhar dinheiro à sua custa; e embora soubesse tudo sobre seu avô, já não diria mais nada.
Mesmo com essa advertência, tentamos enfrentar uma aproximação com ele, com a esperança de não perdermos o valioso informante. E, aproveitando a oportunidade de um outro compromisso, fomos a São Paulo à procura do herdeiro das lembranças de Itaciano Teixeira. Já tínhamos o endereço e com pouca dificuldade chegamos à sua casa. Uma construção antiga, modelo 1930 ou 40, muito mal conservada, com um pequeno jardim à frente, tomado de mato. Para nos atender surgiu dos fundos um senhor idoso, de chinelos e enrolado num velho roupão. Já do portão ensaiamos um breve discurso da missão que trazíamos do Tribunal de Justiça e da Procuradoria-Geral do Paraná, para prestar homenagem a seu avô. Vínhamos buscar as lembranças e os registros de sua memória que sabíamos que possuía, sobretudo seu retrato, para preencher o espaço vazio que lhe estava reservado na bela galeria dos ex-desembargadores do Tribunal paranaense.
E então ele nos acolheu interessado, confessou se chamar Dâmaso Bittencourt e nos fez entrar no modesto vestíbulo de sua casa. E, posto ai, depois de mencionar algumas generalidades sobre seu avô (que na verdade nem conheceu), confessou com aparente desapontamento e resignação que, embora tivesse guardado muitas lembranças, retrato e documentos pessoais do seu progenitor, perdera tudo num incêndio que destruiu o local onde eram conservados. Não deu maiores explicações sobre o fogo, mas fez algumas incursões sobre suas velhas lembranças de Curitiba, e, para nos confortar da frustração da viagem e suas promessas, garantiu que, em compensação, iria pintar seu retrato, tão bem que iria se parecer com uma fotografia. Exaltou seus dotes artísticos e garantiu que o retrato do seu progenitor seria tão bonito como o de qualquer das telas a óleo da galeria do Tribunal. E nesse dia estaríamos juntos para inaugurá-lo.
Foi assim que, de mãos vazias voltei da viagem, mas chegado aqui, de propósito insisti que deveríamos cobrá-lo seguidamente da promessa do tal retrato. Imaginava que ele nunca o faria... De repente, porém, o serviço do Correio nos fez entrega de um desenho a creiom, com uma nota do velho Dâmaso garantindo que era do seu avô, feito de memória.
Para mim o desenho é um esboço ingênuo do que me pareceu a figura de um adolescente. Longe do procurador-geral e do desembargador que eu tinha na imaginação. Porém, se não lhe posso dar autenticidade, quis ao menos conferir-lhe alguma dignidade através de uma moldura clássica virtual, como a que está aí. Assim, quem quiser que o julgue, porque, como se diz em todas as rodas artísticas, a arte comporta qualquer juízo, por mais estranho que pareça.
* Texto originalmente publicado na revista MP Notícias – Especial Memorial, de dezembro de 2006.
** Para saber mais sobre Francisco Itaciano Teixeira, clique aqui.