O Memorial Paranista João Turin
14/10/2021 | Por Rui Cavallin Pinto
Dias atrás fui conhecer o Memorial João Turin, no Parque São Lourenço, da nossa cidade de Curitiba. Soube que foi criado como espaço cultural e artístico reservado à memória do escultor e designer paranaense João Turin, mas aberto a receber todos os artistas do movimento paranista. A sua inauguração ocorreu neste ano (2021), em 14 de março, presidida pelo prefeito Rafael Greca. A obra foi projetada pelo arquiteto Guilherme Klock, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da Prefeitura de Curitiba.
Ao que se vê, trata-se de um belo espaço urbano de mais de 8.000 m², constituindo o maior jardim de esculturas do Brasil. São 100 delas em bronze, das quais 74 são obras do próprio Turin e 12 estão espalhadas em espaço aberto, no entorno, entre as quais uma delas merece atenção, pelas suas proporções e por representar a imagem de duas onças de grande porte perfeitamente reproduzidas anatomicamente (3 metros de altura e cerca de 700 kg), envolvidas numa luta furiosa, que, constituem, na interpretação alegórica de Turin, o maciço do Marumbi, no sopé da Serra do Mar, vizinho de Porto de Cima, criando uma representação simbólica de grande força e beleza.
Ora, quando Turin foi para Bruxelas, tinha 27 anos, cumpriu o tempo da bolsa e tirou outros dez anos procurando fazer arte própria, com convívios importantes e até participando da produção artística local, quando ganhou menção honrosa com sua obra “Exílio”, no “Salon des Artistes Français”. Mas, embora tenha vivido em um período histórico com novas propostas de arte, como aquelas do Simbolismo1, da Art Nouveau2 e da Art Décor3, tem sido visto como artista impermeável e até hostil às novas estéticas, para se manter reproduzindo as figuras tradicionais do selvagem e do animal, só que procurando reproduzir mais que a imagem, como o seu sentido simbólico, como fez com o seu Marumbi. Outra face é que sua arte não tem mulheres e no seu esforço de procurar reproduzir os movimentos do animal vivo e em luta, se dispunha até a visitar à noite os cemitérios e zoológicos de Curitiba, para observar e tentar reproduzir a postura e os movimentos dos animais.
Porém, apesar de ser reconhecido no meio artístico do Paraná e de ter participado e recebido premiação do Salão Nacional de Belas Artes, na verdade, João Turin não teve o reconhecimento que merecia no plano nacional.
Voltando ao nosso belo Memorial, merece admiração o espaço que ele reservou ao teatro, à dança e a outras formas de produção cultural. Falo do teatro Cleon Jacques, nome que presta homenagem ao professor e diretor de teatro falecido aos 31 anos4. O espaço cênico foge ao modelo clássico tradicional italiano, com área própria para 100 pessoas para a produção de todo tipo de manifestação cultural. Doutra parte, o Memorial foi provido de fundição e fornos de cerâmica, que, por serem considerados obsoletos, foram substituídos por fornos elétricos modernos e seguros, para que continue a ser o maior e o melhor atelier particular do Brasil.
Essas, assim, as impressões que se colhe de uma visita ao Memorial, mas muitas outras são oferecidas com mais presenças. É um mosaico de arte, com mais de 100 esculturas, 78 delas de Turin, de animais e indígenas, doadas em comodato pela família de Samuel Ferreira Lago, detentora de seu acervo. Além delas, exibe bustos e também outros 42 baixos-relevos, de imagens de amigos, personagens históricos e figuras do seu tempo. Enfim, é um rico cartão-postal aberto à memória paranista.
Porém, João Turin não é só a estatuária, os bustos e outras manifestações das artes plásticas. Ele, por si, é a memória de um dos maiores expoentes do movimento regional paranista de construção do imaginário da nossa identidade, criado a partir dos anos 20 e que se diz ter alcançado seu ápice nos poucos anos seguintes.
O nome Paranismo foi adotado por Domingos Virgílio Nascimento5 em viagem ao Norte do Paraná, para distinguir os habitantes locais dos de procedência paulista, que então ocupavam em maior número o território setentrional paranaense, em obra de intensa ocupação e exploração econômica. O movimento surgiu com o Manifesto Paranista, divulgado pelo Centro Paranista, fundado pelo político, historiador e jornalista Alfredo Romário Martins6 a que se incorporaram grande número de intelectuais e artista, como João Zaco Paraná7, João Ghelfi8, Frederico Lange de Morretes9, Estanislau Traple10, Arthur Nísio11, Theodoro De Bona12 e, com destaque Turin13, empenhados na criação de símbolos de uma arte regional e representativa de nossa própria identidade, encontrada, principalmente, na imagem e estilização do pinheiro e seu porte fidalgo, além de outros símbolos menores como o do pinhão e da pinha, ou da erva mate, que a criatividade de Turin fez que alcançasse até a arquitetura e seus ornamentos, como os móveis oferecendo até sugestões à moda.
Enfim, o Paranismo foi um momento glorioso de nossa afirmação identitária, e avançou assim até os anos 40, perdendo daí em diante parte de sua força, diante da política do governo de Getúlio Vargas avessa a toda forma de regionalismo. Mas, se tem perdido, realmente, grande parte de sua projeção geral externa, a imagem simbólica do paranaense ainda se conserva viva no imaginário de todos nós.14
Notas do Memorial
1. O Simbolismo é um movimento artístico surgido na França no final do século XIX. As obras apresentam elementos do místico, da subjetividade, imaginário, abstrato e transcendental, figuras de linguagem e a estética se aproxima da musicalidade. O Simbolismo se apresentou como oposição ao Realismo, Naturalismo e Positivismo. Na literatura destacam-se Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud e o paranaense Emiliano David Perneta. Nas artes plásticas aparecem Paul Gauguin, o ítalo-brasileiro Eliseu d'Angelo Visconti e o baiano Rodolfo Amoedo.
2. Art Nouveau ou Arte Nova é um movimento nascido na Bélgica no final do século XIX. A Art Nouveau influenciou o surgimento do design, sobretudo o design de interiores. Um exemplo da manifestação deste movimento está nas linhas do Templo Expiatório da Sagrada Família desenhadas pelo arquiteto Antoni Gaudí em Barcelona, na Espanha.
3. Art Décor, também Art Deco, é uma expressão francesa abreviada de Arts Décoratifs ou Arte Decorativa. Surgido na Europa na primeira metade do século XX, viveu o seu apogeu entre as décadas de 1920 e 1950. Influenciou, principalmente, a moda, arquitetura, cinema e o design de interiores. Sua arte é projetada, principalmente, para decorações de prédios, praças e salões, não sendo portanto, material de exposição de museus, por exemplo. Uma obra famosa de Art Décor é o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, do escultor francês Paul Landowski.
4. Cleon Jacques foi um importante ator e diretor paranaense, fundador do Grupo Ânima (1987). Nascido em Ponta Grossa no dia 4 de maio de 1965, faleceu precocemente em 28 de janeiro de 1997. Em sua homenagem, a Fundação Cultural de Curitiba inaugurou, em 1998, o Teatro Cleon Jacques.
5. Nascido em 31 de maio de 1862, no vilarejo de Cerco Grande em Guaraqueçaba. Fez carreira militar, promovido à patente de Major (1911), defendeu a baía de Paranaguá contra o desembarque das tropas revolucionárias federalistas (1893–1895). Eleito Deputado Estadual em diversas ocasiões. Também foi escritor, considerado um dos precursores do Simbolismo brasileiro e um dos fundadores da Academia de Letras, sendo o Patrono da Cadeira nº 27 da Academia Paranaense de Letras. Seus contos, poemas e crônicas exaltam o Paraná, Domingos é um dos fundadores do movimento Paranista. Faleceu em Curitiba no dia 30 de agosto de 1915, a rua que leva o seu nome na capital paranaense começa na esquina da rua Des. Benvindo Valente, bem de frente para o Cemitério Municipal, e termina na rua Nilo Peçanha.
6. Nascido em 8 de dezembro de 1874, foi um importante historiador e jornalista paranaense, diretor do Museu Paranaense por 25 anos, nomeado em 1902. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e fundador do IHG paranaense, participou também da constituição da Universidade do Paraná, atual UFPR. Como Deputado Estadual, criou a bandeira e brasão do Paraná, brasão e as armas de Curitiba e propôs o nascimento de Curitiba como 29 de março de 1693. Faleceu em 10 de setembro de 1948. Seu nome batiza uma rua no bairro Jardim Social – e em várias outras cidades do Estado –, uma escola municipal no bairro Cachoeira e tem um busto erguido na praça Santos Dumont, no Centro, com os seguintes dizeres: Romário Martins, notável historiador paranaense, exemplo de fé e dedicação a esta terra. Nesta praça por ele doada à cidade em 1910, plantou estes pinheiros. Em VIII-XII-MCMLI (8-12-1951).
7. Jan Żak nasceu em Brzezany, na Polônia, em 3 de julho de 1884, imigrando, com sua família, para o Brasil em 1887. Aprende carpintaria com o pai e passa a esculpir em madeira santos e utensílios domésticos. Instala-se em Curitiba no ano de 1895. Estuda na Escola de Belas Artes e Indústria com uma bolsa do governo paranaense de 1898 a 1901 e convive com João Turin, época em que passou a assinar como João Zaco Paraná. Continua os seus estudos na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Estados Unidos e Europa, vivendo de 1908 até 1922 fora do país. Faleceu em 10 de julho de 1961 no Rio de Janeiro.
8. João Ghelfi nasceu no dia 29 de dezembro de 1890 em Curitiba. Foi aluno de Alfredo Andersen. Com recursos próprios, permaneceu seis meses na Europa estudando. Ao retornar para Curitiba, instalou uma tenda em um velho atelier de fotografia na rua Marechal Deodoro e este local passou a ser ponto de encontro de jovens artistas e intelectuais da capital. Dessas discussões é que surgiu a ideia de um estilo típico paranaense, do qual fez parte Lange de Morretes e João Turin. Faleceu no dia 28 de agosto de 1925, aos 34 anos de idade.
9. Frederico Lange nasceu na cidade de Morretes no dia 5 de maio de 1892. Assim como João Ghelfi, foi discípulo de Alfredo Andersen. Em 1910, viajou a estudos para a Alemanha, retornando em 1920, ano em que fundou uma escola de desenho e pintura. Ao lado de João Turin e Ghelfi, idealizaram o estilo paranista nas belas artes. Faleceu em 20 de janeiro de 1954 na capital paranaense.
10. Nasceu no dia 22 de julho de 1898, na capital paranaense. Assim como vários artistas de renome do movimento Paranista, Traple foi discípulo do mestre Alfredo Andersen. Se estabelece em Florianópolis em 1931, atuando como professor de desenho e pintura no Instituto de Educação, porém sem se desligar dos debates e do movimento cultural paranaense. Retorna para Curitiba em 1948 para lecionar na recém criada Faculdade de Belas Artes do Paraná, cargo que ocupou até o fim da vida em 11 de novembro de 1958.
11. Arthur Nísio nasceu em Curitiba no dia 15 de maio de 1906. Sua família se transferiu para Porto Alegre em 1918, local em que Nísio frequentou o Instituto de Belas Artes. Em 1924 retornou à Curitiba e se tornou aluno de Lange de Morretes, frequentou também o ateliê de João Turin. Em 1928, recebeu uma bolsa do governo do Paraná para completar os seus estudos na Alemanha. Em função da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), Nísio perdeu todo o seu patrimônio e viveu, nos anos finais da guerra, em um campo para refugiados na França. Voltou para o Brasil em 1946, participando da fundação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, naquele mesmo ano, lecionando em várias cadeiras na instituição. Faleceu no dia 26 de abril de 1974.
12. Nasceu no dia 11 de junho de 1904 em Morretes. Foi aluno de Alfredo Andersen e colega de Estanislau Traple e Waldemar Freyesleben. Parte para os estudos na Real Academia de Belas Artes de Veneza, na Itália, em 1927, após receber uma bolsa do governo paranaense. Foi professor e diretor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, entre os anos de 1960 e 1970. Em 1981, recebeu o título de cidadão honorário de Curitiba e a Comenda Honorífica da Ordem do Mérito da República Italiana no ano de 1983. Faleceu em 20 de setembro de 1990, na cidade de Curitiba.
13. João Zanin Turin nasceu em 21 de setembro de 1878, na cidade de Morretes. Em 1905, assim como o amigo Zaco Paraná, recebe uma bolsa de estudos do governo do Paraná e se matricula na Real Academia de Belas Artes de Bruxelas, na Bélgica. Na Europa conheceu e conviveu com diversos artistas famosos, como Isadora Duncan e Claude Debussy. Retorna ao Brasil em 1922 e se instala em Curitiba. Junto dos amigos Lange de Morretes e Zaco Paraná, são considerados precursores do paranismo, utilizando de características típicas do Paraná, como o pinhão, a araucária, animais, etc, em seus quadros, projetos arquitetônicos e esculturas. Suas esculturas estão espalhadas por diversas praças e localidades da capital paranaense. Faleceu deixando obras inacabadas no dia 9 de julho de 1949.
14. Recentemente, no dia 21 de setembro de 2021, o procurador-geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacoia, foi agraciado com a comenda da Ordem Municipal da Luz dos Pinhais. A comenda foi criada em 2018 pela Prefeitura de Curitiba e é o símbolo do reconhecimento da cidade àqueles que ajudam a engrandecer a capital paranaense. Os homenageados de 2021 são pessoas com atuação destacada e exemplar durante a pandemia da COVID-19. A medalha é inspirada na obra "Homem à Altura dos Pinheiros", de João Turin: