Nilo Prince Paraná: uma biografia com correção
04/11/2020 | Por Rui Cavallin Pinto
Em meados de fevereiro de 2008 faleceu Nilo Prince Paraná, depois uma carreira de mais de 43 anos devotada ao Ministério Público do Paraná. Deixou a esposa Clélia, sua companheira de 58 anos e os filhos Ana Zélia, Nilo e Paulo. Nada melhor defini-lo como pessoa que pelo próprio cognome, para reproduzir a imagem de nobreza e afabilidade que deixou na lembrança de todos os seus colegas, partes e amigos. Já, a meu tempo, Nilo era representante do antigo Ministério Público, digo anterior à Constituição de 1946, quando nossa instituição ocupava apenas três pequenas salas do edifício do Ipê, na esquina das ruas Dr. Murici e Cruz Machado.
O Procurador-Geral dispunha apenas de um secretário, o velho Pedro Lago Marques, dois oficiais e duas datilógrafas.
Talento precoce, Nilo se bacharelou aos 21 anos na UFPR (1940) e, depois de uma breve iniciação no interior de São Catarina, vamos encontrá-lo em Ponta Grossa (1944), ocupando uma promotoria interina, na disputa entre dois promotores pela vaga da comarca. E daí seguiu avante, como adjunto em diversas outras comarcas do Estado. Com o advento da Constituição de 1946, foi realizado o primeiro concurso de ingresso na carreira e, aprovado, passou a fazer seu intercurso por diferentes comarcas do Estado, sejam Tomazina, Clevelândia, Joaquim Távora, Rolândia e Siqueira Campos, até alcançar sua promoção para a capital. Em Curitiba, assumiu a direção da Prisão Provisória (1964), foi diretor do Instituto de Terras e Cartografia do Estado e, após, eleito corregedor-geral do MP, para o biênio 1976/1977.
Homem de hábitos sóbrios e modestos, revelou extremo zelo no desempenho dessas funções. E, a propósito se conta que, durante sua passagem como advogado de ofício da Defensoria do Ministério Público (função que já não existe mais), ao ser inesperadamente intimado a assumir a defesa do acusado, mas impedido de dispor de tempo hábil para se inteirar do processo e articular a defesa, simplesmente afrontou a decisão e, em postura alta, se negou a assumir o ofício, revelando assim o grau de sua consciência e firmeza que punha no desempenho do seu ofício. E tem mais exemplos dessa postura e do modelo que, como corregedor-geral, deixou e procurou transmitir à figura e aos arroubos da função, repetindo tantas vezes: “os senhores são simplesmente promotores e se atenham aos limites de suas funções.”
Com isso não diminuía o papel do promotor, nem reduzia o alcance da Instituição. Diante do largo e forte perfil que o Ministério Público vem assumindo no nosso tempo, desde a Constituição de 1988, é justo recomendar a seus agentes que não percam de vista sua condição orgânica, seu papel básico, e que, a pretexto de tudo, não exorbitem, nem transponham os limites legais de suas funções. Essa lição podia parecer simples, mas hoje guarda sentido muito maior.
Foi assim Nilo Prince Paraná, uma vida inteira votada ao Ministério Público, marcada sim pela modéstia, porque era assim seu caráter e acreditou ser esta a melhor forma de servi-la com dignidade e superioridade.
Ao que se sabia Prince não deixou obra, nem outra publicação. Foi homem do seu ofício, simplesmente, como fez questão de constar.
Ocorre, porém, que, às tantas, me surpreendi no computador com a presença de um homônimo seu, mas lançado só como Nilo Paraná (sem o Prince), residente em Alcobaça (pequena cidade do sul da Bahia, com pouco mais de 20 mil habitantes), em que figurava como autor de mais de 30 textos, contos, E-livros, crônicas, poesias e trabalhos acadêmicos, lançados pela Editora Recanto das Letras, de Sorocaba, São Paulo.
Identificava-se como Nilo Paraná, simplesmente. Mas, o que me pareceu mais surpreendente é que o tal homólogo de Nilo incluía na sua produção literária textos relativos à família Prince, com uma relação dos seus membros e o relato de episódios da história e sua convivência com a cidade da Lapa, do nosso Estado, assumindo até o papel de historiador local, oferecendo até relato inédito da história do monge, figura lendária da história da cidade.
A importância desse legado nos levou até a atribuir o achado ao nosso próprio descuido, ou, quando não, à hipótese de que alguém teria se servido dele por falta de quem assumisse sua rica autoria. São versões que, por nossa insistência, acabaram nos levando à praia de Alcobaça, na Bahia e ao encontro do próprio Nilo Paraná, médico local e um dos filhos desgarrado do nosso Nilo Prince Paraná, que então nos deu o mesmo acolhimento generoso do pai e confirmou ser o autor de todo legado literário em seu nome.
E, sendo assim, foi desfeito até de forma agradável o literary affair1: Nilo Prince Paraná, procurador de Justiça, toda a vida devotada à dignidade do seu ofício e sem deixar herança literária, e, por outro lado, Nilo, só Paraná, seu filho, autor de toda a obra literária então revelada.
Causa finita2.
Notas do Memorial
1. Caso literário.
2. Caso encerrado.