Moreira Garcez, o ícone urbano de Curitiba
22/05/2017 | Por Rui Cavallin Pinto
O patronímico Garcez é o diminutivo de Garcia e significa cortesão, na origem. Os primeiros membros da família brasileira chegaram ao Brasil com a corte portuguesa em 1808. Seu homônimo, João Moreira Garcez, era camareiro da corte real. O nosso nasceu em Curitiba em 1885 e foi engenheiro e político paranaense, com ampla atuação na administração pública do Estado, conquistando destaque nacional à frente da prefeitura de Curitiba, numa gestão de 10 anos, em dois períodos, de 1920-28 e 1938-40. Homem público de vocação empreendedora e ideias claras revelou-se administrador de ânimo pioneiro que procurou imprimir à cidade uma visão urbana aberta, moderna e acolhedora.
Engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo, durante os primeiros 3 anos foi engenheiro da Mogyana, e, após, incorporou-se aos fundadores da Universidade do Paraná (1912), passando a integrar seu corpo docente, até sua aposentadoria (1955). Durante sete anos foi diretor de Obras e Viação por escolha do governo Carlos Cavalcanti, ocasião em que promoveu a retificação da Estrada da Graciosa para o tráfego de automóveis e caminhões. Promoveu a inauguração do Teatro Guaíra, no seu antigo endereço; localizou a nova sede da cidade de União da Vitória, cumprindo o acordo de limites da Questão do Contestado; e, em coautoria com Ermelino de Leão, editou um mapa completo do Estado, constando, entre outras atividades que foi perito e árbitro na fixação dos limites do Paraná e o Estado de São Paulo, bem como participou como delegado do Paraná de diversos congressos nacionais de estrada de rodagem.
Em 1919 foi eleito prefeito de Curitiba e, sua presença na administração da cidade, vai dar curso a um projeto urbano de desenvolvimento, fundado na criação de espaços abertos e voltados para a construção de uma cidade moderna, aprazível e, confessa do progresso do seu tempo.
Assim, em meados de 1922 fez entrega à população de sua “Cidade Nova”, um conjunto de ruas e interligações, correspondentes às atuais 7 de setembro, Silva Jardim, Visconde de Guarapuava, Iguaçu e Getúlio Vargas, representando um conjunto de ruas com duas pistas de 30 metros cada, grandes calçadas e um canteiro central. Aparentemente um desperdício para uma cidade de pouco mais de 50 ou 60 mil habitantes e de pequeno tráfego de automóveis e carroças, mas que se transformou, afinal, na maior ampliação urbana desde então e numa segura antecipação do seu progresso.
Por outro lado, a rua XV de Novembro, mantinha estreito o trecho da Dr. Muricy com a Luiz Xavier, dificultando o fluxo normal do tráfego de veículos no centro, com número crescente deles. Após as primeiras tentativas de acordo, o trecho acabou desapropriado, refazendo o alinhamento com o recuo de 20 metros, comemorado com solenidade e festa de participação popular, além de receber sua primeira camada de cobertura asfáltica, betume importado da Alemanha, que ainda foi estendido pelas ruas Luiz Xavier, Ébano Pereira, Cândido Lopes, Visconde do Rio Branco, Cabral e Ermelino de Leão.
Outros trechos que também contaram com sua reforma foram a abertura da Ermelino de Leão e da Alameda Cabral, à custo de longa resistência administrativa e judicial.
Porém, o ícone da administração Moreira Garcez foi o Edifício Garcez, construído na esquina da Avenida Luiz Xavier com a rua Voluntários da Pátria, projetado para ser o terceiro “arranha-céu’ mais alto do país, na época, só superado pelo Martinelli de São Paulo e o Edifício da Noite, no Rio de Janeiro. A obra foi iniciada em 1927, e constituía de um prédio original de 5 andares, contratado com a Construtora Nacional, do Rio de Janeiro. Teria o ático aproveitável e uma cúpula ogival sobre a cobertura. O piso térreo e as escadarias eram revestidos de mármore e os corrimões, portas e janelas tinham detalhes de latão trabalhado. Na base da obra foram enterrados troncos de eucaliptos embebidos em óleo cru e trilhos de estrada de ferro. Com o tempo, a obra se converteu em prédio de 8 andares. O propósito inicial era fazer um hotel, mas acabou num prédio comercial. A obra levou 13 anos para ser concluída, em 1937, mas, assim mesmo, alguns detalhes só foram completados após sua morte.
Cumprido seu tempo de gestão municipal, em outubro de 1928 Moreira Garcez se elegeu Deputado Federal pelo Partido Republicano Paranaense. A presidência era de Washington Luiz em término de mandato. Embora tivesse assumido postura independente no desempenho do seu mandato, foi eleitor do paulista Júlio Prestes para a sucessão presidencial.
Vitorioso Getúlio Vargas, à testa da revolução de 30, Garcez manteve-se distante do poder, embora até aderisse a algumas das suas reivindicações. A despeito disso, porém, foi preso em Curitiba, e recolhido em quartel do exército e na sede da Sociedade Garibaldi. Fizeram devassas de sua vida privada e pública e foi acusado de enriquecimento ilícito pela Sindicância da Municipalidade por ter recebido os subsídios de prefeito, mesmo em viagem fora do Estado ou ter subvalorizado suas propriedades, além da acusação de ter promovido o desvio de trinta mil barricas de cimento no prédio Moreira Garcez. Apenas da ampla, vigorosa e obstinada defesa que ofereceu, em razões próprias e na imprensa, em maio de 1931 a Junta de Sanções aprovou o parecer da Comissão e o condenou a pagar, em três dias, o valor de Rs: 33:648$754, a pretexto de danos causados; além de sofrer privação dos direitos políticos e do exercício de qualquer função administrativa, por cinco anos.
Garcez opôs à sua condenação toda sorte de recursos e refutações, com amplas demonstrações e produção de prova, sustentando sua inocência, embora se ressentido da parcialidade dos seus juízes e da relutância da Junta em facultar sua defesa. Usou da intercessão dos ministros do próprio ditador, para que, só no final do 1933, o interventor Manoel Ribas fizesse encaminhar seu recurso à Comissão de Correição Administrativa, na capital federal, que, finalmente, pós fim ao processo, absolvendo-o de toda culpa.
Reconduzido à Prefeitura em 1938, ainda manteve outro episódio administrativo de enfrentamento pessoal com a Companhia Telefônica Paranaense Limitada (na verdade a internacional ITT), que havia de quebrar seus últimos ânimos e o levou a se demitir do cargo.
Morreu aos 72 anos, em 1957, de diabete; teve um pé amputado e era cego a um ano de sua morte.