Ministério Público, um poder inerme?

2008 | Por Rui Cavallin Pinto

Nos meus primeiros tempos de vida acadêmica eu não tinha visão do papel do Ministério Público, nem tampouco me sentia atraído pela carreira que se oferecia aos novos egressos das Faculdades de Direito. Pelo contrário, só me via advogado, pois a imagem que construí do Direito e da Liberdade na minha iniciação, não se compadecia com a postura acusatória e inflexível do promotor e de sua proposta de purgar o crime com a supressão da liberdade e o confinamento do acusado. Porém, dessa ideia inicial passei a me desprender à medida que avançava no curso, e depois dele, ao me aproximar da instituição e acabar por me converter num dos seus membros.

Entretanto, na visão do tempo, a Instituição tem sofrido sucessivas transformações, lentas mas seguras, como o esforço para libertá-la da ingerência do Poder Executivo; promover a seleção dos seus quadros e garantir-lhe estabilidade funcional. A grande transformação, porém, proveio da Constituição de 1988, que além de lhe confiar a garantia da ordem jurídica e do regime democrático, lhe conferiu também a defesa dos interesses individuais e sociais em largo espectro. E nesses últimos anos a Instituição não tem senão alcançado tamanho prestígio, que o IBOPE a situa entre as quatro instituições nacionais de maior credibilidade pública, depois da Igreja Católica, as Forças Armadas e a Imprensa.

Hoje, o Ministério Público conta com o prestígio de mais de 80% da população que confia à instituição a iniciativa da repressão do crime e o combate à corrupção. E é tal a confiança que até recomendam lhe sejam atribuídos ainda maiores poderes. A despeito disso, porém, do outro lado, ainda medra neste país, lamentavelmente entre nossos homens públicos, uma visão vencida da Instituição ou, quando não, menos nobre, que se dispõe a reduzir o alcance de sua ação ou a imunizá-los de sua persecução. E esse proveito é sempre em favor daqueles que administram o patrimônio público ou, mais chegados a ele que os outros, ocupam posição política ou de influência que facilitam as manipulações criminosas e os jogos de interesse. Todo o promotor sabe que pode contar com o apoio da sociedade quando o réu é homem comum, mas que esse quadro costuma se transformar em censura e até em hostilidade quando o acusado já ocupa extratos mais elevados da sociedade ou detém qualquer soma de poder político-social. Todos nós conservamos duras lembranças dessa inversão, das pressões veladas, das hostilidades abertas e até dos amigos que se distanciam.

E, o que é ainda mais representativo nessa hora: provamos o preço da solidão do cargo. Instituições como a Magistratura e o Ministério Público são vítimas fáceis das investidas e insídias dos seus inimigos, sem que possam usar das mesmas armas para se defenderem (sobretudo o Ministério Público que é tão guerreiro). Estão impedidos de ir à rua e de frequentarem a mídia, para reagirem a esse confronto desigual, que, no caso, tem nítido caráter revanchista e retaliatório, contra uma Instituição que, reformulada pela Constituição, tornou-se o órgão postulatório mais eficiente e de maior crédito popular na luta contra a corrupção e na defesa dos direitos individuais e difusos.

Certamente, o Ministério Público tem sequelas de uma longa história de ingerência política e da tentativa de subjugá-lo aos interesses dos poderosos. Mas, sua maior fraqueza talvez resida na tentativa de qualificar seus agentes para as difíceis tarefas que hoje o Estado lhe confere. Enfim, após uma longa espera e o reconhecimento da relevância do seu papel jurídico-social, o Ministério Público ganhou tratamento nacional igual ao da Magistratura. E isso implica na igualdade de predicamentos e de vencimentos, que o governador deliberadamente omite pelo interesse pessoal de não se comprometer por sua condição de obstinado nepotista, perante o Poder que vai avaliar a procedência da acusação ministerial. Porém, seja qual for o resultado, isso não nos tira a consciência de que o filhotismo é vício histórico e estrutural da nossa formação oligárquica. E é prática que não se conforma com os valores primordiais da democracia, que supõe a igualdade de oportunidades e a seleção pelo mérito. Também aí se revela o conflito antidemocrático entre incluídos e excluídos, dos discursos oficiais.

Não é mesmo?...