Minha vida (um dia de trabalho)

22/06/2023 | Por Izabela Kodaka (escrito em 19/12/1977)

Mais um dia que se inicia. Ô que vida agitada! Sinto-me tão sem vontade, após passar a noite, aguentando este maldito estômago reclamando; renegando a se colaborar comigo.

Espreguiço, levanto, tomo banho (é um bom calmante e revigorante), tomo chá com quê? Tem tantas coisas e, ao mesmo tempo, nada com que eu possa satisfazer o bendito do estômago preguiçoso. Deixa pra lá. Um dia nós nos acertamos.

Vou ao ponto do ônibus, depois de me preparar e ver o que a mãe precisa, então, encontro as mesmas caras de todas as manhãs. Até onde há troca de cumprimentos, gratuitamente. É o único meio de manter contatos com os vizinhos. Por falar nisso, faz tempão que não vejo os amigos, mais de duas semanas. São dois amigos de viagem até ao centro da cidade. Será que aconteceu alguma coisa? Não, deve ser apenas desencontro de horários.

Descendo do ônibus, encontro outros companheiros com os quais vou até ao local do trabalho.

Chegando ao escritório, abro a porta, vejo e rego as plantas e digo: bom dia minhas plantinhas e flores amigos! Eles ficam felizes e alegres! Boto água para ferver pro café. Café... ufa! que é a minha penitência diária!

Vejo as mesas dos homens todas bagunçadas. Tem dia em que perco a vontade de por um pouco em ordem, mas, como não tem quem faça, enfim vamos lá. Passo aspirador, tiro pó, arrumo as mesas, digo melhor, ordeno os papeis, petições, livros, etc. Tudo pronto. Limpinho e o café também pronto. Lá vou eu meter o nariz, que já nem tenho, e correr os olhos nos jornais. Dizer jornais é uma modéstia, porque são Diários da Justiça e do Estado, que são uma verdadeira chatice. Depois dessa dose vêm as brigas com os garranchos para datilografar petições, cartas, memoriais, etc.

De repente, Dr. Mauro João Sales de Albuquerque Maranhão me chama:

– Izabela, você providencia cartões de agradecimento?

– Tá bom, de que tipo?

– Você sabendo e gostando está bem.

Como é chato escolher cartões para outra pessoa, com dizeres já impressos para não perder tempo e que ele goste; e que sejam adequados às pessoas a quem vai ser enviado, enfim, vamos lá. Vejo cartões recebidos e vou escolher na papelaria mais próxima. Procuro mais ou menos convenientes e taco nomes e endereços e mando ele assinar. Ele olha os cartões, para quem vai e assina sem uma observação. Incrível como pode aceitar tudo! Pensei que quisesse modificar, ou mesmo trocar, mas, nada!

Em meio a essa tramoia, o Dr. Aníbal Khury Júnior me chama e vou ver o que é.

– Escuta, já chegou na Procuradoria o processo do Manoel?

E diante a minha afirmação ele exclama:

– Ô não! Não podia ter ido já. Preciso pedir vista dos autos. Será que ele é rápido?

– O processo nas mãos dele não para! Você não tinha pressa? Já não bastou o que consegui; que fosse nas mãos do relator desejado? Ainda por cima, escolhi um dos melhores Procuradores existentes no setor, e não posso fazer milagre.

– Sei que não resta dúvida quanto a isso, mas, acontece que, se o processo retornar durante as férias forenses, eles me disseram que vão sortear para C. Especial, automaticamente, e se acontecer isso, estou frito, porque, o cliente, um velhinho com mais de 60 anos, acabará sendo obrigado a cumprir pena na prisão.

Falando em velhinho me toca o coração, então toca eu a funcionar a massa cinzenta. E agora? Quê fazer? Recurso é apelar para Dr. Carlos Augusto Hoffmann. É isso que vou fazer. Corro ao catálogo telefônico e vejo 2 nºs diferentes. Não estou afim de experimentar. Vou pedir na Procuradoria. Ligo pensando que a Marí estivesse doutro lado da linha, entretanto, quem me atende é a adorável Mariza. Que ironia... Peço o nº e puft, desligo. Ligo para Dr. Hoffmann, e enquanto espero ser atendida, penso no que dizer. Tenho que usar uma técnica, charme e badalar. Ô que vida cruel, ter que dizer e fazer aquilo que não sente e penso por dentro. Enfim, são cavacos do ofício, então engulo e:

– Alô! Como vai? Tudo bem? Perdoe-me incomodá-lo a esta hora.

– Ora! Que isso menina! Você não incomoda.

– Obrigada por menina, é bondade sua, porque reconheço que incomodo muita gente, mas, lembra daquele processo do qual pedi estudo com carinho especial?

– Sei, sei, estou justamente trabalhando nele.

– Já? Não dá para deixar para próximo ano?

– Mas por quê?

Lá vou seu gastar saliva para explicar os motivos e ver se convenço.

Depois de um bate-papo, vejo que é melhor esclarecer pessoalmente, após a resposta dele de que soltaria no início do ano. Dei a resposta animadora para acalmar o Biba, apesar de não me ter satisfeito, porque, com este homem nervoso do lado não há condição na continuidade dos trabalhos. Resto vejo à tarde.

– Nilson, não durma aí por favor, e vá fazer as compras que pedi, levar correspondências; pagar as contas e descontar estes cheques, e cuidado com o dinheiro!

Nem acabo um, vem outro. É o Dr. Rogério Distéfano quem pede petição para hoje. Isto significa que tenho que terminar até a hora de sair.

Não, não é possível. Não há condição deste jeito! Será possível ter um dia em que esses telefones não toquem e não tenha gente batendo na porta para serem atendidos? Como existem pessoas impacientes! Não vejo a hora em que arranjem alguém específico para esse fim. Do contrário, logo, logo estarei indo ao hospício. Quem sabe lá é melhor do que aqui!

Enquanto meus dedos percorrem os teclados, vou pensando nos presentes, fazendo cálculos. Como é duro ter que esticar mais do que um elástico comporta. Todo ano essa mesma porcaria! Todo ano fico na ilusão do que possa fazer no ano seguinte, mas...

Credo! Não devo pensar assim. Veja como tem pessoas que nem têm direito ao luxo de poder sonhar. Meus pensamentos voam e são interrompidos à cada tilintar dos telefones, batidas na porta, ou então dos chamados. Dr. Rogério é observador. Pega-me muitas vezes em meio aos meus pensamentos e goza de mim. Ainda bem que pelo menos existe um espirituoso para alegrar o ambiente.

Nossa! Ia esquecendo.

– Dr. Mauro, por acaso já fez pedido de adiamento no caso do Fernando? É hoje o julgamento.

– Não, e ainda bem que você me lembrou.

– Quem vai levar? Aníbal já saiu e pode até esquecer disso.

– Rogério, você leva?

– Eu não! Nem quero saber disso.

– Izabela, é melhor você levar e se o Aníbal não aparece lá antes de 13:15 horas, você mesma leve e fale com o Relator.

É sempre a mesma melodia. A bomba acaba estourando em minhas mãos. Quando acham chato eles mesmo resolverem, arranjam mil e um pretextos e, no fim, escolhem-me como vítima para quebrar galho!

Pô! E este Nilson que não chega! Preciso sair mas ele foi retirar dinheiro no banco e não posso ir sem isso. Amanhã okassan1 necessita para abastecer a casa e pagar a Inês.

– Arre! Enfim você chegou. Pensei em ir te procurar. Dá-me depressa o dinheiro. Preciso ir voando para outro serviço. Obrigada e tchau!

Como demora este elevador! Todo dia é um drama conseguir chegar até o térreo.

Uma vez na rua, sinto-me como um passarinho libertado da gaiola. Meio estonteante do barulho, claridade, movimento e o vento formando alvoroço, gentes carregadas de pacotes e mais pacotes, característicos cenários do fim de ano, onde todo mundo anda com uma dose elevadíssima de neurose.

Vou caminhando, olhando tudo para ver se acho algo de interessante e a todos, até chegar ao ponto de costume, digo, do ônibus, em entendido.

Chegando ao Tribunal, novamente o elevador para enfrentar. Deviam esses elevadores serem mais rápidos, pois, a gente perde tanto tempo...

Chego à porta da minha sala e encontro-a cerrada. Pensando que não tem ninguém, abro a porta e dou de encontro com as duas carinhas queridas de Dona Cecília e Jureminha, com aqueles ares tão cansados (e com razão, pois, dão tudo de si por esta repartição) que dá-me uma peninha... Não vejo a hora em que me deem mais colaboradores para poder aliviar as sobrecargas de toda essa gente querida, de mim também.

O que ainda ameniza um pouco as durezas do ofício é essa união que há entre nós (com algumas exceções), que com os cumprimentos efusivos e fraternos demonstram que realmente gostam uma da outra.

Desde o momento em que piso neste baú de processos, mal dá para comer e entro em ação. Às vezes lamento e até invejo aqueles que ficam batendo papo.

Ufa! Como tenho coisas para fazer! Tomara que o Eduardo chegue logo, senão terei que ir despachar com o Procurador-Geral, daí perco a hora de entrar em contato com desembargadores.

Enquanto espero por Edu, vou preparando processos, ordenando o meu programa, de modos que não me perca em meio às tarefas.

Puxa! AINDA BEM QUE ELE VEIO. Já é uma coisa a menos a me preocupar. Nisso chega o Dr. Aristeu dos Santos Ribas e me chama.

– Iza, preciso de um favor seu. Vou à sessão e à noite viajo para Londrina e tenho que levar fotocópia do contrato de locação que está anexado no processo em trâmite na Quarta Vara...

Eu não quero que me dê satisfação, mas, o homem vai explicando para quê e o que aconteceu e eu com uma pressa danada.

– Está bem. Pode deixar que providenciarei antes que o Senhor volte da sessão.

Chegando no 2º andar, encontro os funcionários que são conhecidos mas que não sei os nomes de maioria, o que é uma vergonha, então vou dizendo “oi, oi”, ou “tudo bem?” E dirigindo para um deles:

– Escuta, o Des. Xavier já se encontra na casa?

– Não ainda, mas não deve demorar.

– Então fico de plantão aqui com vocês.

Enquanto espero conversando com eles, vão chegando vários desembargadores, entre eles os mais conhecidos, os Des. Marino, Acyr, Costa Lima, Reback, Seixas, etc.

E, como sabem muito bem que sempre que apareço por lá quero falar com algum deles, vão me dando as mãos, abraços e beijinhos e perguntando:

– É comigo?

– Não, hoje não é com o senhor.

E entre sorrisos (meio forçados, bem digo, amarelos – como Des. Acyr sempre dizia), vou respondendo às perguntas que me fazem. E o Des. Acyr então, já aproveita para reclamar que amanhã, na última sessão, não tem nada para julgar, porque, a Procuradoria não manda de volta os processos. Então, apesar de que ele sabe como está a nossa situação, vou na defesa dos meus companheiros de labuta, quero dizer, dos Procuradores, Promotores e colegas, dando desculpa de que o nosso trabalho é geral, não são só aqueles que eles recebem.

Fico de papo, mas, como faltam apenas minutos para iniciar a sessão, por dentro fico morrendo de medo que o homem que espero tenha passado sem que eu percebesse. Mais uma vez abre a porta do elevador e quem chega é o Dr. Aristeu e sabendo a quem espero, ele mesmo foi para sala verificar se não tinha entrado por outra parte e quando ele voltou a me avisar que não tinha vindo, apareceu a tão esperada pessoa, então cerco-o cumprimentando.

– Como vai, minha filha?

– Tudo bem obrigada! Só que estou aqui para incomodá-lo. Existe um processo que está em pauta para hoje e que o senhor é o Relator. Porém, o Procurador que pretende fazer sustentação oral foi submetido a uma cirurgia da garganta e encontra-se ainda em convalescença. Não podendo, portanto, comparecer pessoalmente, pediu-me encarecidamente que entregasse este pedido de adiamento e para ser colocado na primeira sessão subsequente.

– Deixe-me ver na pauta. Venha para cá.

Entramos na sala de sessão para que ele pudesse constatar da realidade. De que constava na pauta. Fez anotação adiando e me disse:

– Olhe, pode ficar descansada que já está adiado.

– Muito obrigada, e desculpe-me se causo transtorno.

Se contasse quantas vezes peço desculpas e agradeço num dia, eu me perco.

Subindo pelas escadas, encontro vários conhecidos e amigos e passo com sorrisos cumprimentando-os. Chego no sétimo andar, na Quarta Vara Cível, cansada. Tomo fôlego e peço:

– Carlos, vê como está o andamento deste processo?

– Está com o contador.

– Contador? Quem é?

– O Sampaio.

– Tchau! E obrigada.

Chego ao distribuidor e pergunto pelo Sampaio. Conhecia-o só por Nilo.

– Nilo, preciso de seus préstimos. Necessito de uma fotocópia autenticada de um processo que encontra aqui para conta, pode ser?

– Espere um pouco que mando verificar.

Enquanto um fica localizando, o Nilo busca cadeira para eu sentar e bater papo. Depois de tudo pronto, despeço-me dele desejando bom Natal e oferecendo o nosso trabalho quando precisar.

Como estou no sétimo andar, vou agora apanhar processo no oitavo andar.

– Denis pode fazer carga dos autos do Pimpão?

– Para quem?

– Ora, você sabe para quem e fica de gozação!

– Não, só pra ver se é mesmo.

– Desculpe e obrigada. Tchau!

Já que estou no oitavo, vou até o nono e chegando lá vem chamados por todos os lados.

– Iza, saiu o que você quer.

– Já? E qual foi o resultado?

– Negativo.

– Então quero levar os autos, posso?

Nisso, vem o Luiz Calor:

– Você leva isto para mim?

– Mas claro!

– Preciso também do HC 173

– Esse já foi para arquivo.

Vou ao arquivo e quem me atende é a Alvina. Como ela me conhece há menos tempo, sabendo que quero levar processo fora, não só consultar ali, põe obstáculo. Ainda bem que o Rubens veio ao meu socorro, dizendo não ter problema; só para garantir melhor, é bom falar com o secretário.

Com Roberto não tem grilo, mas para formalizar lá vou eu e já aproveito dar o meu alô.

– Roberto, tudo bem?

– Tudo, e você? Como vai a PGJ e o que manda?

– Eu não mando, peço, isto sim. Preciso de um HC que está arquivado.

– Para você?

– Não, mas é como se fosse.

– Está bem. Sendo para você pode levar.

– Obrigada. E a família vai bem? As crianças estão eufóricas para o Natal? Queria cumprimentar seu pai também, mas ele está julgando e tão cedo não sai dali. Você transmite os meus abraços a ele? E felicidades a todos.

Agora preciso voltar ao quarto andar. Oh, Deus! Já estou quase uma hora fora de minha casa, entretanto, não terminei de ver tudo. Não faz mal. Se volto não consigo sair tão cedo.

Cheguei. Desta vez é ao Hamilton que vou incomodar por primeiro.

– Hamilton vê os MS 53/76, 75/77 e 90/77 para mim?

– O 90 foi concedida liminar.

– Mas que ótimo! Alguém vai ficar feliz.

– O 53 o Estado levou.

– E agora? O prazo é para nós também. Ô Jorge, como fica isso?

– Pode deixar que eles devolvem, e o prazo é de 10 dias para cada parte.

– Não me confio nisso não, pois acho que é com... Vou verificar.

– Vou tirar fotocópia do acórdão deste e já te devolvo, está bem?

Quando entro na distribuição, sempre quem me atende, é o Xavier.

– Polaca, o que você quer hoje?

– Eu quero descobrir o nº dos embargos da PROVEL.

– Não tem nada. Respondeu a menina do fichário, após verificar.

– Mas, será possível que demore tanto, se na Terceira Vara informaram que mandaram no dia 2?

– Deixa eu ver pelo livro. Disse o Xavier.

Nesse ínterim chegou um advogado querendo saber de uma apelação crime, então, o Xavier entregou outro livro ao homem, dizendo que fosse vendo, enquanto me atendia. Mas, como ele só me chama de Polaca, o homem ficou me olhando e fez uma cara de quem como pensa: “como polaca, se de polaca nada tem?”

– Olha Polaca, não tem nada.

– Está bem. Pode deixar. Vou tomar maiores informações e volto depois. Obrigada e desculpe, tá?

No corredor, encontro Lustosa, Francisco, Wolnir, Ivo, Dona Didi, Arley, etc. O que gasto saliva só em cumprimentar toda essa gente, não tem fim. Vou andando, verificando as anotações, lendo processos e quando parei na portaria para ver as correspondências, ouço outro chamando e antes mesmo de me virar já sei quem. É o Olavo.

– Oi, como vai? Quanto tempo!

– Poxa!, que figurinha difícil! Fui 4 vezes na sua sala e agora me disseram que talvez te encontraria neste andar, por isso vim, e acertaram.

– E por um triz, porque estou para ir ao quinto antes de voltar.

– Queria te dar meus abraços pro Natal.

– Que bom que elas lembraram em dizer e você desceu, e desculpe-me se te fiz esperar tanto. Saí para resolver problemas de tanta gente que não consegui terminar ainda.

– Tem um outro lá te esperando também!

– Não diga! Sabe quem? Ah já sei. Imagino quem seja. Mas me conte, você está fazendo vestibular?

– Claro que estou e fui bem. Foi fácil.

– Que bom! Estava doida para saber se estava firme na parada, pois você é tão imprevisível.

– Não, desta vez não mudo. Ou tudo ou nada, e nem fiz opção e vou passar.

– Poxa! Assim é que se fala, gostei paca!

Assim, conversa vai e vem, passaram mais alguns minutos. Depois despedimo-nos com beijinhos e abraços pelo bom Natal e sucesso nas provas dele.

Prosseguindo meu trabalho, vou incomodar o pessoal do quinto. Abrindo a porta do arquivo, dei de cara com a turma festejando aniversário da Ivone, então, mais abraços e beijinhos antes de pedir o processo.

– Este processo está na jurisprudência. Você espera que vou buscar?

– Acho que volto depois apanhar, porque faz tempão que estou fora da minha casa.

Mal cheguei na porta de entrada, o Aníbal veio ao meu encontro, já todo nervoso.

– Arre! A gente esperando aqui nervoso e nada de você!?

– Também pudera! Pedem-me para providenciar 1.500 coisas e eu aqui sou uma única. Não posso me dividir em tantos pedaços, senão me acabo. Mas, aquilo está tudo certo. Pode tranquilizar o homem.

– Ainda bem! Estava preocupado, porque não sabia se você tinha ido ver.

– Não só vi, resolvi e telefonei ao escritório, comunicando. Se você não passou ou não lhe avisaram, a culpa não é minha.

Ao entrar na sala, as meninas em coro: “Arre! Que chegou a mais procurada!” Nisso, a Dona Cecília entra e diz:

– Já falou com seu patrício? Aquele... (ela fez uma pose enchendo a bochecha, inflamando peito e abrindo os braços para mostrar que era entroncado, que não pude conter a gargalhada).

– Ah! Veio também o olho azul.

Quando ela diz isso já sei que é Olavo.

Vou cumprimentar as meninas que não tinham chegado, então a Ondina, a boneca beijoca da Procuradoria quer outro. O beijo dela estalado que quase me rebenta com meus tímpanos. Coitada da Cema, não veio à tarde. Disseram que ela tava ruim de manhã. Como a gente sente vazio, quando está ausente uma que seja, mesmo não conversando, daqueles que vivemos sempre juntos.

Antes que me esqueça tenho que telefonar para Drs. Silvio de Albuquerque Maranhão, Antonio Lopes de Noronha e Lineu Ordine Righi.

– Dr. Silvio, foi positivo, unânime o julgamento.

– Que bom! Quer dizer que acataram o meu parecer. Daí...

Quando ele começa a falar não tem fim, então já vou cortando, porque já sei de cor e salteada essa história.

– Tchau Dr. Silvio! Outra hora o senhor me conta, porque estou com um mundo de coisa por fazer.

Em seguida, liguei para o Dr. Noronha, mas, que decepção! Não tem ninguém na casa. Queria dar notícia joia para ele.

Liguei para Dr. Lineu e não o encontrei e nem souberam dizer-me onde havia ido.

Volto para a sala e continuo no trabalho. De repente, noto que ainda não vi a Sandra e pergunto para Jurema e ela disse-me que está com a Marly. Essas duas ficam se atrapalhando, sempre mutuamente, durante o expediente. Ainda, se resolvessem algo de bom valeria a pena. De repente, quando vejo, a Suelly parada perto de mim e me falando aos ouvidos meus que havia chegado o “PÃO” da Fazenda, Essas meninas não podem ver “homem”. Ao me virar, já dei de encontro com Dr. Lineu que havia entrado e se aproximava.

– Oi, acabei de telefonar, mas não souberam dizer se você estava vindo para cá, ou não. Ainda bem que chegou, pois tem o processo da Cooperativa e outro que vocês querem e está com o Dr. Silvio. Já falei por telefone com ele e disse-me que empresta. Só que, se tem urgência, terão que buscar na casa dele, porque não vem hoje aqui.

– Está bem, nós vamos lá, porque, o Dr. Ivan quer quanto antes.

– Da Cooperativa foi distribuído para o Dr. Osman e ele pegará os autos somente na segunda.

– Então venho nesse dia, pois, precisamos entrar em contato, pessoalmente, com quem dá o parecer.

– Quem ficou no lugar do Cláudio, pode me dizer?

– É ele, o Dr. Paulo (apontando para o companheiro que veio junto).

Enquanto converso, fico pensando se pergunto ou não e acabo não tendo coragem. Seria tão bom se lembrassem de me pagar os atrasados, neste fim de ano. Ainda mais que nosso não sai antes do Natal.

Não demora, chamam-me ao telefone. É o Dr. Francisco.

– Izabela, minha querida, como vai?

Quando me chama assim, pode contar que por trás disso vem algum pedido.

– Tudo bem!

– Preciso favor seu. Tenho pedido de uma que foi minha aluna na faculdade. Ela terminou o curso, mas não pode registrar aprovação aí no estágio, por uma falta somente, e como terei que viajar e não posso ir, gostaria que você conversasse com o Procurador para perdoar essa falta.

– Está bem, entendi. Vou tentar convencer, porque é o senhor quem me pede, pois, não cheguei a conhecê-la e nem sei de quem se trata.

– Ela já deu entrada com o requerimento e o Procurador vai despachar amanhã.

– Pode deixar. Vejo isso sem falta.

Despeço dele e pergunto para Marí se o Sérgio se encontra na sala e ela me disse que sim; que estão com ele os Drs. Antero da Silveira, Luciano Branco Lacerda, Josaphat Porto Lona Cleto e Murilo Rodrigues Cordeiro. Logo quem. Com esse pessoal no meio não tem condição de entrar no assunto com o Procurador-Geral, então penso: vou deixar para amanhã no início do expediente.

De volta a minha sala, encontro o Dr. Hoffmann me esperando e já veio dizer que trouxe o processo, e antes que eu dissesse qualquer coisa:

– Deixa te explicar, disse. Da maneira como vocês querem, vendo o processo achei uma solução. Eu converto em diligência. Assim, indo já para Alçada, o Relator pode despachar antes de entrar em férias e o processo vai à Comarca. Com isso terão uns 2 ou 3 meses, até voltar, para fazer o que querem, porque o homem não cumpriu a determinação do Juiz. Você mesma bate para eu assinar? Interesse é todo seu, não é?

Depois dessa, apesar de estar abarrotada de coisas, não tem remédio senão eu datilografar e ainda tentar pegar o despacho do relator, ainda hoje, porque é último dia em que eles reúnem. Comuniquei-me com Biba, no que ele concordou.

Terminada a assinatura do Dr. Hoffmann, solicitei que Dr. Antero visasse pelo Procurador que havia saído, alegando que o relator estava pedindo e voei para Alçada. Não tinha ainda terminado a sessão e não podia ficar esperando. Apelei ao contínuo para comunicar, se podia despachar um processo e o Des. Abrahão, da sua mesa, sorriu para mim e meneou que sim. Graças! Pensei, uma coisa a menos. Pedi depois ao Marino que mandasse logo para Comarca.

De novo na minha caixa, vejo que a Cecília já preparou aquela pilha de processos que foram visados, para serem encaminhados aos Tribunais.

Por sorte tenho essa criatura fora de série. A Jureminha (que ninguém quis acreditar quando a pedi para me auxiliar) dedicada, que vale muito mais que maioria dos colegas; a Sandra, que é uma ótima colaboradora (só sinto por ela que não consegue se realizar para aproveitar o curso terminado de Direito), junto de mim, essas três maravilhas, nada me preocupa quanto a organização da Seção.

Distribuo os processos que chegaram, os quais causam-me desânimo, pois ninguém mais quer receber.

Outra vez o telefonema. Era o Aníbal querendo saber se eu tinha conseguido resultado positivo.

Para voltar à minha sala tem que passar obrigatoriamente na sala do Sr. Secretário. Como ia passar correndo, o Dr. José Carlos Albuquerque do Amaral me agarrou pelos braços e chamando-me. Ele está com um calhamaço de papeis nas mão e diz (alisando os cabelos, que é característico dele que, por sinal, está combinando bem com o terno azul):

– Izabela, você que faz essas coisas direitinho, faz-me o favor de fazer a capa disso para mim?

– Tudo bem. O Senhor manda. Trarei em seguida, prontinho.

A humildade é tanto neste homem para pedir, que não dá para dizer que estou cheia de coisas e não estou tão afim de ficar fazendo mais essa. Além disso, é questão de minutos para aprontar.

Continuo agora impugnação que iniciei ontem, e hoje nem tive tempo para pegar, até então.

Enquanto fico datilografando, ouço tantas loucuras de bobagens das meninas, que nada falam que se aproveite. Ainda bem que, quando não quero escutar, consigo me concentrar no serviço e desligo das bobagens.

Pouco depois, apontou na porta um vulto que é familiar. Era o Dr. Noronha. Homem a quem esperava que chegasse para dar boas novas.

– Pensei que não vinha mais. Telefonei para sua casa, mas, não encontrei ninguém.

– Ué, mas a que horas ligou?

– Não sei, nem vi. Olha, enfim saiu algo de concreto naquele processo.

– Qual?

– O do seu pai.

– É mesmo?

– Desta vez foi devolvido, porém, com a concessão da liminar e mandando solicitar informações às autoridades coatoras.

– Mas que ótimo! Papai vai ficar contente. Vou telefonar.

E os seus olhos azuis brilhavam, tornando-os mais lindos, dizendo:

– Enfim, você me dá algo diferente, que não seja processo para eu dar parecer, né?

Estas e outras demonstrações de gratidão, que a gente vê serem sinceras, é que compensam os cansaços, e ânimo na continuidade dos trabalhos e da luta cotidiana.

Já está chegando a hora de todos irem embora. Cada minuto que se passa, vai diminuindo gente na sala (todas despedem me dando beijinhos, uma a uma ), até que, isto aqui fica num silêncio absoluto e gostoso de sentir, após passar a tarde toda em meio ao zum-zum-zum das pessoas, misturados dos ruídos saltitantes dos teclados das máquinas de datilografia (semelhante a de estourar pipocas) e o motor irritante (que parece de um jato passando) do ventilador ligado.

Depois de uma pausa e meditação, continuo mais um pouquinho, na máquina, mas, ela já não está afim. Não, são os meus dedos é que não querem mais colaborar.

Não demora muito já estou fora das quatro paredes. Que estranho, sinto-me tão esquisita voltar para casa tão cedo!

Faz pouco menos de semana que acabaram as aulas, entanto estou com saudade do colégio, digo melhor, dos colegas e amigos, então, começo a pensar: será que a Tere conseguiu férias no serviço? Saab, a essa hora já deve estar agarrado nas saias das mãe, lá em Goiás. E, Sérgio então, deve estar deliciando as praias de Guaratuba. É o Jorge que me preocupa. Será que ele conseguiu vender a oficina para poder pagar o curso? Deus queira que sim, e que ele não invente de desistir agora.

João Maria, nada disse que faria nas férias. Ele e o Edilson são como eu, vítimas do trabalho. Qualquer dia sou capaz de fazer uma surpresa a essa gente, visitando-os onde trabalham.

No ponto do ônibus vi o Zeca, mas ele nem me viu e pegou outro ônibus.

Na linha de J. Mercês, encontrei alguns amigos, inclusive um colega do colégio. Ele já terminou o 3º. Apesar de ser vizinho, nunca tínhamos conversado, mas, como sentei ao lado dele, voltamos batendo papo. Foi muito legal. Soube que ele está tentando vestibular. Tomara que consiga.

Chegando em casa, como de costume, encontro otossan2 e okassan deitados no sofá, assistindo TV, isto é, novelas. Dou beijos e pergunto se estão bem e, diante das respostas positivas, vou para a cozinha preparar algo para comer, porque os velhinhos não me esperam para não perderem a novela. Coitados. Também são uma das únicas coisas que eles têm para distração. Então, vem à minha mente novamente: e este ano também não vai dar para comprar colorido. Paciência! Quem sabe no próximo consiga e que os dois ainda possam se deliciar.

Preparo prato e vou fazer companhia a eles e aproveito também para assistir enquanto como. Eles se compenetram tanto que nem me dão chance de conversar. Terminada a novela, eles continuam assistindo filme e eu me recolho ao quarto. Vivo com os pais, mas é como se vivesse só. Não tenho com quem conversar, nem desabafar. Meu SRS está longe. Vou ao banho, lavo-me para tirar um pouco da canseira. Entro debaixo da coberta, boto os pés nas paredes acima do corpo e tento descansar lendo romance de José de Alencar, mas nem isso tenho vontade, tampouco o sono vem, então penso vou escrever para praticar redação que tanto me racha a pestana, entretanto, não vinha à mente nenhum tema para abordar, a não ser este relato, do que fiz no dia de hoje.


Notas do Memorial

1. Mãe, em japonês.

2. Pai, em japonês.