Minha vida no Ministério Público

25/03/2020 | Por Izabela Kodaka

Izabela Kodaka, 1962
Izabela Kodaka, 1962.

Minha vida no Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) teve início em março de 1960, época em que a instituição ainda era denominada Procuradoria do Estado do Paraná (PGE). Vim do Município de Assaí, saindo da lavoura desbravada e formada pelos meus pais na Seção Bálsamo. Cheguei em Curitiba sem nenhum recurso – não tinha dinheiro para pagar um curso de datilografia, que era obrigatório para quem quisesse trabalhar no MPPR.

Naquele tempo, a PGE integrava o Poder Executivo e seu quadro era formado pelos procuradores de Justiça Ary Florêncio Guimarães, Manoel Linhares de Lacerda, Moisés de Oliveira, José Hosken de Novaes, Octacílio Vieira Arcoverde, Guilherme de Albuquerque Maranhão e João Cid de Macedo Portugal; pelos promotores de Justiça convocados Athos Moraes de Castro Vellozo, Manoel Magalhães de Abreu e Pedro Ibrain Marques; e pelos funcionários Eduardo Pires Ferreira (protocolo), Odilon Estival (chefe do setor de Gabinete Geral), Rosi Bocheneki (chefe do setor de Datilografia), Mari Teresinha Ramos Kotaka, Marly Casella, Atir Nardelli (estas do Conselho), Nair Chemiko Pacheco (cedida da Consultoria Geral do Estado, atualmente denominada Procuradoria Geral do Estado, secretariava no Conselho), Maria Pirkel (cafezinho) e um motorista, que era policial civil à disposição do MPPR. O Procurador-Geral era o Doutor Antônio Chalbaud Biscaia.


A repartição era constituída de seis cômodos pequeninos e ficava na Rua Cruz Machado, no Edifício Caetano Munhoz da Rocha, na esquina da Rua Dr. Muricy. A fim de estudar datilografia, eu acompanhava a Mari Kotaka diariamente. Quando ela desocupava a máquina de escrever, lá ia eu começar a “catar milho”, como se dizia, e datilografar com o auxílio do livro “Aprenda  Datilografia Sem Mestre”, que minha prima Kazuko havia me emprestado.

Assim, em 25 de outubro de 1960, no final do Governo Moysés Lupion, fui nomeada para atuar na Secretaria de Justiça, Assistência Social e do Trabalho. Porém, com a ajuda do Dr. João Cid de Macedo Portugal, acabei ficando à disposição da Procuradoria-Geral desde o primeiro dia de trabalho. Aliás, havia trabalho, mas como o Governo estava quebrado, fiquei sem receber salário durante quatro meses. Como nossa família era composta por servidores estaduais e estávamos sem pagamento, meu irmão, Paulino Kotaka, foi aprovado no vestibular de Medicina, mas não tinha dinheiro sequer para adquirir livros.    Neste momento, surgiu o Promotor convocado Dr. Athos Moraes de Castro Vellozo, que ao se inteirar da situação resolveu custear nossa família até que tudo se normalizasse.

Naquela época, eu não tinha experiência nenhuma além do trabalho na lavoura. Frequentei até o primeiro ano do ensino primário, com pouca instrução na língua portuguesa, eu era “cabocla do mato”, ingênua, ignorante, inocente. Para decifrar os garranchos que os procuradores escreviam nos pareceres (ainda mais em linguagem jurídica!) eu sofria muito. Alguns procuradores ficavam raivosos e os colegas também me desprezavam, principalmente por eu ser pobre na instrução e descendente de japoneses, etnia que ainda sofria muitas restrições no Brasil por conta da Segunda Guerra Mundial.

Como eu havia saído de Assaí brigada com meu pai, que me proibiu de pisar de volta em sua casa enquanto ele estivesse vivo, aquele emprego era minha vida e eu não podia perdê-lo. Eu tinha vergonha de ser funcionária pública, porque naquela época ser servidor público era serviço de “cabide”, como diziam, muito mal visto. Então, falei mentalmente comigo mesma e estabeleci o firme propósito de mostrar a todos que nós trabalhávamos muito!

No ano seguinte, quando o governador Ney [Aminthas de Barros] Braga assumiu a gestão estadual, a funcionária Genyr Pessini Swiecki, que estava à disposição em outro órgão, retornou à PGE. Ela ingressou na instituição em 1949, era uma funcionária que fazia tudo sozinha e era exímia datilógrafa. Ela era o meu desafio, porque, mesmo ela estando ausente, todos os procuradores aguardavam ansiosos pelo retorno dela, dizendo: “Ela sim, uma datilógrafa competente!”. Como a elogiavam constantemente por sua rapidez nos trabalhos, reforcei minha promessa secreta: eu mostraria a todos que eu era igual ou melhor que a Genyr, que eu valia muito mais do que eles pensavam.

Então, em menos de um ano, consegui reverter as opiniões daqueles que me menosprezavam, conquistando a admiração de alguns procuradores. O Dr. Ary Florêncio Guimarães, por exemplo, que tinha por hábito elaborar seus pareceres mentalmente e ditá-los a quem estivesse encarregado de escrevê-los, passou a fazer questão de que apenas eu datilografasse suas peças. Com paciência e excelente didática, ele explicava para mim as regras de redação enquanto ditava seus pareceres, além de me ensinar muitas outras coisas. Aprendi muito do português com ele.

Quando o governador Ney Braga começou sua gestão, foi nomeado o Dr. Alcino de Carvalho e Souza para o cargo de procurador geral do Estado. Porém, dois anos depois ele foi nomeado a desembargador do Tribunal de Justiça, vindo chefiar a Procuradoria o Dr. Ruy Ferraz de Carvalho, que era advogado na região de Londrina.

Em meados de 1963, as equipes da Procuradoria-Geral e da Corregedoria-Geral foram ocupar metade do 3º andar do atual Tribunal de Justiça. A previsão inicial era de que o prédio teria trinta andares e abrigaria diversas secretarias estaduais, mas o projeto foi alterado e seu destino também, transformando-se em Palácio da Justiça, com doze pavimentos. Então, ocupamos apenas a metade do 3º andar, dividindo-o com o Tribunal de Justiça.

Assim que mudamos, o Dr. Ruy Ferraz de Carvalho resolveu criar cargos em comissão e me nomeou Chefe do Setor de Datilografia. O Departamento Administrativo ficou por conta do Ernesto Ferreira, recém-vindo de outra Secretaria.

Logo em seguida, o Odilon Estival e a Rosi Cordeiro Boquenek, que tinham assumido as chefias do Departamento Judiciário e Seção de Controle de Processo, convocaram-me para que eu organizasse o fichário de todos os processos em trânsito na Procuradoria. Para minha sorte, minha amiga Maria Aparecida Munhoz da Rocha, que era Chefe do Departamento Judiciário do Tribunal de Justiça, foi quem me orientou, explicando como a organização era feita naquele Tribunal.

No mesmo ano, repentinamente, o Odilon Estival faleceu. Então, o Dr. Ruy Ferraz quis me dar o cargo de Chefe do Departamento Judiciário da Procuradoria-Geral da Justiça, porém o Dr. Ary Florêncio se opôs, dizendo que era preciso respeitar a antiguidade dos servidores. Assim, o cargo foi dado para o Eduardo Pires Ferreira, mas quem fazia todo o serviço era eu. Assumi oficialmente o Departamento por ocasião da aposentadoria do Eduardo. O Protocolo Geral ficou por conta da Marly Casella.

Quando os advogados apareciam na Porta do Judiciário, eu já sabia o que cada pessoa procurava, sem que eles dissessem os números dos respectivos processos. Tive o privilégio de guardar na memória os números dos processos e fazer ligações com os advogados. Naquela época, o Relatório e Balanço Geral do Ano da Procuradoria-Geral era feito na Secretaria de Estado da Justiça, pelo contador Nahor Ribeiro de Macedo. Como ele não tinha ninguém para datilografar os trabalhos manuscritos ao longo do ano, o Dr. Ruy Ferraz mandou-me ir prestar serviços naquela Secretaria, até o fechamento do relatório, que durou cerca de dois meses.

Maquete do Edifício das Secretarias, 1953 ¹
Maquete do Edifício das Secretarias, 1953¹.

Na Imprensa Oficial, sempre que a Procuradoria-Geral necessitava de trabalhos sigilosos, (como questões das provas escritas para promotores substitutos), por não existir na casa uma máquina de mimeografar², lá ia eu datilografar e tirar tantas cópias quantas eram necessárias.

O Dr. Eros Nascimento Gradowski, mesmo sabedor de que eu não pertencia ao setor de datilografia, sempre levava os processos, a máquina de datilografia, com pareceres rascunhados, até minha casa para eu realizar seus trabalhos. Então eu datilografava nos fins de semana. Com o passar dos anos, foram surgindo vários procuradores, promotores, até advogados e estudantes que começaram a pedir que eu datilografasse os trabalhos deles.

Assim, trabalhei diuturnamente em prol do progresso do Ministério Público e do Departamento Judiciário até meados de 1985, ocasião em que a Mari Kotaka se aposentou e o Gabinete Geral ficou sem chefe. Então, o Dr. Jerônimo de Albuquerque Maranhão convocou-me para chefiar o Gabinete Geral. Eu trabalhava em tempo integral e com dedicação exclusiva, fazendo de tudo. Inclusive, quando era realizado concurso para ingresso ao Ministério Público, cuidei desde o recebimento das inscrições até a assunção e posse de todos os promotores de Justiça substitutos, ficando até de madrugada, durante as provas orais.

Quando assumi a chefia do Gabinete Geral, como tive que passar para alguém do Departamento Judiciário o cargo que ocupava, e por ordem do Dr. Jerônimo, após consultadas algumas pessoas que não quiseram assumir as responsabilidades, mesmo propondo que eu continuaria orientando (apenas queriam o cargo em comissão, mas não as responsabilidades), tive que conversar com o Rafael Kotaka (recém-nomeado). Expliquei a situação a ele e o convenci a assumir o cargo.

 

Motoristas Augusto Tadeu Bueno (em pé) e Osmar Luiz Souto, sem data ³ | Acervo da autora
Motoristas Augusto Tadeu Bueno (em pé) e Osmar Luiz Souto, sem data ³ | Acervo da autora.

 

 

Em 1987, no início dos meus trabalhos junto ao Gabinete Geral, como fiquei sozinha para realizar todos os trabalhos de Gabinete, em razão das aposentadorias da Marisa Cavanha e do Diretor Secretário Dr. José Carlos Albuquerque do Amaral, o Dr. Jerônimo, na sua segunda gestão, resolveu requisitar alguns servidores do Poder Executivo. Naquela ocasião, vieram a Selma Rosa de Mello Freitas e Giselle Guimarães Pereira para me auxiliarem. A Selma tornou-se uma amiga, irmã, filha, confidente, uma amizade que perdura até a presente data.

Primeiramente, quando as duas iniciaram, necessitei questionar quais eram as atividades de cada uma delas, com a finalidade de atribuir e dividir as tarefas diárias, ocasião em que tomei conhecimento de que a Selma, além de acadêmica de Direito, era professora de Língua Portuguesa. Assim sendo, ela ficou com a responsabilidade de fazer as correspondências oficiais do Procurador-Geral.

Ao longo dos 40 anos de minha minha carreira, assumiram a Procuradoria-Geral de Justiça os Doutores Antônio Chalbaud Biscaia (1959-1961), Alcino de Carvalho e Souza (1961-1963), Ruy Ferraz de Carvalho (1963-1964), Joaquim de Oliveira Sobrinho (1964-1964), Alcides Munhoz Netto (1964-1966), Ary Florêncio Guimarães (1966-1971), Ivan Ordine Righi (1971-1971), Eddie Santos Ribas (1971-1973), Acyr Saldanha de Loyola (1973-1974), Guilherme de Albuquerque Maranhão (1975-1979), Eros Nascimento Gradowski (1979-1979), Henrique Chesneau Lenz César (1979-1982), Murilo Rodrigues Cordeiro (1982-1983), Josaphat Porto Lona Cleto (1983-1985), Jerônimo de Albuquerque Maranhão (1985-1989), Luiz Chemim Guimarães (1989-1992), Luiz Carlos Delazari (1992-1994), Olympio de Sá Sotto Maior Neto (1994-1998), Gilberto Giacoia (1998-2000), Marco Antonio Teixeira (2000-2002) e Maria Tereza Uille Gomes (2002-2004). O Dr. Ary Florêncio Guimarães, na qualidade de mais antigo Procurador de Justiça da carreira, atuou como substituto legal de muitos desses procuradores-gerais, até se aposentar em 1974.

O Dr. Ivan Ordine Righi foi procurador geral da Justiça enquanto ainda era promotor. Como já nos conhecíamos antes de ele entrar na carreira no MP, Dr. Ivan tinha o costume de me chamar pelo apelido com que ele me batizou, “Italiana ou Polaca”, em razão de que eu mantinha meus cabelos descoloridos para cobrir os fios brancos e com coloração ruiva. Ele foi, se não me falha a memória, um dos primeiros estagiários do Concurso da Escola do Ministério Público, que começou a funcionar ocupando a sala de reunião do Conselho Superior do Ministério Público.

Durante a gestão do Dr. Henrique Chesneau Lenz César, em 1980, a Mari Kotaka pediu para que eu cuidasse dos meus sobrinhos, porque eles não estudavam em casa e no Gabinete Geral não havia espaço para os meninos ficarem. Resultado: Iwane, Rafael e Carlos Henrique passavam a tarde toda comigo, até a hora de a mãe deles ir para casa. Depois de estudarem e terminadas as lições de casa, ficavam entediados de permanecerem entre quatro paredes. Como naquela época a quantidade de funcionários do MPPR era insuficiente, pois o aumento do quadro de promotores e procuradores era muito maior e desproporcional em relação à contratação de servidores, resolvi ensinar meus sobrinhos a me ajudarem nos meus serviços. Em contrapartida, como forma de incentivo, pagava a cada um uns trocadinhos, sob minhas expensas.

Vendo o que eu praticava, outros colegas começaram a pedir que eu ensinasse os filhos deles. Assim, foi crescendo a meninada dos colegas, como Silvestre e Catarina Schinda e a “Moranguinho” (Sueli), a qual fez o concurso do TJ e foi embora. Paulino Iwane Kotaka Junior coloquei-o para trabalhar no Tribunal de Alçada, durante a gestão do presidente Dr. Francisco Ferreira Muniz. Rafael Kotaka e Silvestre Schinda foram criações minhas dentro do Ministério Público e até hoje são alicerces desta instituição. Certo dia, essa história toda acabou chegando aos ouvidos do Secretário Dr. José Carlos Albuquerque do Amaral. Então, o procurador-geral de Justiça Murilo Rodrigues Cordeiro resolveu contratar os menores estudantes. Vieram Lucia Keretch, Cláudia Kleina da Silva e outras tantas. Depois, as contratações iniciaram-se através de Guardas Mirins que passaram durante minhas jornadas dentro do MP. Ainda na gestão do Dr. Murilo, foram contratadas várias pessoas que trabalhavam temporariamente; hoje, alguns deles continuam no MP, após terem sido aprovados nos testes de seleções.

Em 1984, ainda na gestão do Dr. Murilo, foi feito teste seletivo de alguns funcionários, inclusive cargo de telefonistas, serviços gerais, datilografia, etc. Nessa época, entraram Ana da Conceição de Jesus, Ana Cristina Mazzarotto, Atazir Ozik (“Simone”), Carlos Henrique Kotaka, Helio José Vicente, Iracema Bortolasso, José Augusto do Carmo Tambosi, Rafael Kotaka e outras tantas pessoas (não me recordo bem os nomes) que vieram reforçar o quadro de servidores, num adicional de aproximadamente 50 pessoas.

Lembro de quando foi criado o setor de telefonia, com aparelhos que permitiam passar as ligações para os setores solicitados, num pequenino espaço pertencente à sala do cafezinho. Sem dúvida, foi um avanço positivo da classe do Ministério Público.

Nas gestões do Dr. Luiz Chemim Guimarães (1989 a 1992), o Ministério Público do Paraná se tornou reconhecido internacionalmente, atingindo o ápice da instituição e servindo de exemplo para todo o Brasil. Naquela época, o MPPR conquistou a tão pretendida autonomia administrativa e financeira, crescendo vertiginosamente toda a classe ministerial e toda a equipe de servidores e as respectivas Divisões. Como o crescimento foi tão grande, tornou-se escasso o espaço físico necessário aos trabalhos. Outra consequência da rápida expansão e da transformação política da instituição, foi o acirramento da disputa dos cargos de gestão da Classe Ministerial, o que abalou em muito a união quase familiar antes existente.

 

Posse do promotor de Justiça substituto Octacílio Sacerdote Filho, 1991 | Acervo da autora
Posse do promotor de Justiça substituto Octacílio Sacerdote Filho, 1991 | Acervo da autora.

 

 

Na gestão do Dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, no ano de 1994, ele me chamou ao Gabinete e, mostrando os exemplares dos jornais que criticavam a atuação do Centro de Apoio Operacional, denegrindo a imagem do Ministério Público, disse-me:

– Estou encontrando dificuldade de encontrar uma pessoa que fosse organizar esse Centro de Apoio, porque todos querem o cargo, mas ninguém quer organizar aquilo. Mas os colegas são unânimes em dizer que você é a única pessoa com essa capacidade. Quero saber se você iria para fazer funcionar aquilo como um relógio.

– Por ocasião da campanha eleitoral para procurador-geral de Justiça, eu me havia negado a trabalhar em favor de qualquer candidato, devido ao cargo que ocupava e porque todos os procuradores candidatos são meus amigos. Mas prometi que se o senhor fosse eleito, poderia contar comigo para onde ou quaisquer setores necessitados. Agora chegou a hora de cumprir a promessa. Aceito uma vez mais esse desafio, se é para melhorar a imagem da Instituição.

– Então você vai amanhã mesmo e verifique o que é necessário para fazer funcionar aquilo, tinindo como um relógio.

Assim iniciei minha jornada no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Patrimônio Público Criminal, que ficava no 8º andar do Edifício do BADEP (Banco de Desenvolvimento do Paraná), na Rua Vicente  Machado, nº 445, espaço minúsculo cedido pela Secretaria de Estado da Fazenda, para acomodar tanta gente.

Nada do que continha ali pertencia ao Ministério Público! Tudo era cedido pela Secretaria. Só tinha uma escrivaninha pequena com uma máquina de datilografia e um computador, que o Promotor Carvílio da Silveira Filho utilizava, três armários entulhados de procedimentos que eram registrados apenas num Livro Protocolo e as entradas e saídas daquele Patrimônio Público. Além de tudo que era controlado pela Célia França de Barros, igualmente cedida pela Secretaria da Fazenda, havia ainda três auditores fiscais do Quadro da Secretaria na área de Sonegação.

Havia uma mesa pequena redonda, onde ficava o procurador de Justiça coordenador daquele Centro, mais os promotores da área de Sonegação Carvílio da Silveira Filho e Marcelo Alves de Souza, mais os promotores Eliezer Gomes da Silva e Ney Roberto Zanlorenzi, responsáveis pela área de Patrimônio Público. Era impraticável trabalhar em espaço tão pequeno, por isso eles trabalhavam em suas casas na maior parte do tempo, aparecendo apenas para levar ou devolver os procedimentos.

Levei quase uma semana toda para retirar dos armários, selecionar por assuntos e numerar a lápis, com a finalidade de saber o número de procedimentos existente naquele Centro de Apoio. Após relacionados os itens necessários para pedir aos Coordenadores Munir Gazal (Crime) e Lineu Walter Kirchner (Cível) a requisitarem ao procurador-geral o envio daqueles itens relacionados e poder criar fichário de cada procedimento. Demorei mais ou menos meio ano para conseguir cadastrar todos os procedimentos que ali se encontravam encalhados.

Após os devidos cadastros, foram convocados alguns promotores que desenvolveram as atividades equivalentes nas Comarcas de Entrâncias Finais do interior para fazer mutirão e colocar tudo em dia. Eu ficava penalizada vendo todos eles virem buscar os processos, estudar, emitir pareceres e devolver, tudo isso dentro de cada semana. Quando eles chegavam trazendo 20 a 30 procedimentos, eu já deixava separados outros tantos para levar. A parada foi dura, mas conseguimos vencer em dois anos e meio, para normalizar.

 

Equipe do CAOP Patrimônio Público
Equipe do CAOP de Proteção ao Patrimônio Público, 1995 | Acervo da autora. Da esq. para a dir.: não identificado, Dr. Marcelo Alves de Souza, Dr. Ney Roberto Zanlorenzi, Dr. Munir Gazal, Dra. Cristina Maria Suter Correia da Silva, Sonia Maria Rüppel, Dr. Elizer Gomes da Silva, Izabela Kodaka, Célia França de Barros Ferreira.

 

 

Durante 42 anos em que trabalhei, realizava de 12 a 14 horas diárias. Se usufrui minhas férias devidamente, uns 3 ou 4 anos, foi muito. Normalmente, não tinha como não permanecer na Procuradoria-Geral de Justiça, já que necessitavam de mim com frequência.

No tempo em que o expediente era somente no período da tarde, estudava pela manhã ou à noite e trabalhava de costureira numa alfaiataria, que posteriormente virou fábrica de ternos. Também trabalhei no caixa da farmácia do marido da Rosi Bocheneki durante a noite, até meia-noite. Vendi, dentro dos Tribunais e Ministério Público, produtos de perfumaria e de beleza, até que o Dr. Guilherme de Albuquerque Maranhão indagou-me se dava lucro, ao mesmo tempo em que convenceu-me para eu ir no escritório de advocacia do seu filho, Mauro Maranhão, que estava formado e o Dr. Guilherme não podia mais advogar. Assim, por longos 15 anos, trabalhei pela manhã no escritório dele, no centro. Cumpria das 5:00 às 7:00, extraordinárias na PGJ; voltava ao escritório às 7:30, trabalhava até 11:30 e então retornava à Procuradoria meio-dia, para expediente até as 18:30; depois, ia para as aulas e chegava em casa por volta da meia-noite e meia. Só então comia comida caseira, feita pela minha mãezinha (que Deus a tenha em bom lugar), que preparava e ficava à minha espera.

Enquanto meus pais e o irmão Francisco estavam com saúde, sempre participei e organizava as festas natalinas americanas e jantares em algum lugar. Todos participavam: funcionários, procuradores e promotores, inclusive seus familiares, para congraçamentos e descontrações.

No Departamento Judiciário, montei uma salinha de lanche e descanso, comprando uma pequena geladeira, fogãozinho e rabo de gato, para que os funcionários pudessem esquentar marmitas, onde mantinha guloseimas e doces também, bem como um pequeno pronto-socorro de saúde e costura. Nada tinha na Procuradoria, e sempre surgia alguém com problema de saúde, dor de cabeça, ou perdia botão de seus ternos ou da beca. Funcionários que chegavam todos encharcados da chuva, eu tinha ferro para passar e secar.

Ainda no tempo da Procuradoria na Rua Cruz Machado, a Maria apenas fazia a faxina interna e nunca limpava os vidros das janelas. Eu e a Mari Kotaka começamos a fazer a limpeza dos vidros das janelas nos fins de semana.

Como eu tinha os horários de minhas jornadas totalmente diferenciados dos demais colegas e por não haver segurança alguma na Procuradoria-Geral, desde o momento em que as nossas dependências passaram para todo o 6º andar do Palácio da Justiça, acabei sendo obrigada a ficar com a chave de entrada da casa, até minha exoneração do cargo de Assessora do Gabinete Geral, lotada no Patrimônio Público Criminal, ocorrido no ano de 2002, quando Dra. Maria Tereza Uille Gomes assumiu a direção do Ministério Público do Paraná.

No sexto andar, para os serviços que necessitavam de concentração, deixava fazer durante o cumprimento de horário extraordinário das 5:00 Às 7:00 da manhã. Com passar do tempo, vários procuradores e promotores que deixavam seus filhos nas escolas começaram a seguir meus costumes. Como os funcionários terceirizados de faxina e copa chegavam depois das 9:00, resolvi preparar café para eles, mesmo eu odiando o aroma e muito menos conseguindo tomar.

Tudo que comprei para nossos consumos sempre foi sob minhas expensas, assim como quando havia falta de materiais como papéis, lápis, canetas, fitas. Os materiais para uso da repartição eram insuficientes e esperar até serem adquiridos demorava muito. As manutenções e limpezas de máquinas de datilografia era eu que fazia, entre todos os colegas.

A partir do momento em que começou minha jornada de trabalho no Gabinete Geral, iniciou a batalha em mentalizar todos os números dos telefones de todas as Comarcas do Paraná e, na medida em que foram acrescidas das Promotorias, anotava nas listas mantidas no Gabinete, passava para a Telefonia. Por isso, minha ligação com a Telefonia era diária. Principalmente a Iracema Bortolasso, com quem mantenho amizade incondicional até os dias de hoje.

Como tinha facilidade em gravar na memória, o pessoal da PGJ, por preguiça ou comodidade, tinham costume de perguntar para mim: “Iza, qual o número de telefone do fulano da comarca tal, do Juízo ou do Cartório?”. E eu já fornecia, sem precisar consultar a lista existente, até o dia da minha exoneração, em 2002, quando prometi a mim: “a partir de amanhã, vou deletar da memória tudo o que diga respeito ao trabalho no Ministério Público”.


Notas do Memorial

1. Castro, Elizabeth Amorim de. Edifícios Públicos de Curitiba - Ecletismo e Modernismo na Arquitetura Oficial. Curitiba: edição do autor, 2011.

2. O mimeógrafo era um equipamento muito utilizado para fazer cópias de papel escrito em grande escala.

3. Segundo o motorista Osmar Luiz Souto, que continua em atividade no MPPR até a data da publicação deste texto, os carros da fotografia são dois Chevrolet Opala, 4 cilindros. O da esquerda era movido à gasolina; o da direita era movido a álcool e rodou 100 mil km com os motoristas Augusto Tadeu Bueno e Domingos Benedito da Silva e mais 740 mil km com o Osmar: "foi entregue para doação com 840 mil km, sem mexer no motor, só fazendo manutenção", revelou o servidor.


* Em 25 de abril de 2018, a senhora Izabela Kodaka concedeu entrevista ao programa REConto, na qual relatou sua história de vida: