Minha vida (com Francisco Bezerra Cavalcante)
03/07/2023 | Por Izabela Kodaka
Em 1984, Moacir Gonçalves Nogueira Neto fazia estágio de Direito com seu tio, Dr. Almengo Echeverria Medeiros, juiz aposentado em Porto Alegre, quando entrou de sócio do escritório de advocacia do Dr. Mauro Maranhão, com quem eu trabalhava de manhã, das 8h às 11h30. Naquele ano, foi aberto concurso de promotor substituto no Ministério Público e o Moacir fez inscrição e obteve aprovação.
Durante a inscrição, que era eu que recebia, bem como dava orientações a todos os candidatos, apareceu um advogado baixinho e magrinho, muito humilde até na maneira de se vestir, com uma pasta de documentos, dizendo que havia chegado do Nordeste naquela manhã e pediu-me que eu indicasse alguma hospedaria que ele pudesse ficar durante o concurso. Foi no ano em que teve maior número candidatos aprovados e nomeados. Ocasião em que cuidei das escolhas de comarcas, por ordem de classificação. Ao solicitar a ele quem seria seu padrinho, ele disse que seria sua esposa e que teria que voltar à sua terra natal para buscar sua família. Para tanto, ele teve que pedir antecipação de empréstimo da Associação Paranaense do Ministério Público, que permitia fazer frente às despesas de posse, bem como confeccionar suas becas. Após todas as formalidades de posse e em seguida de uma semana de práticas junto às Varas Cíveis e Criminais, ele assumiu a Seção Judiciária de Umuarama, em 22 de abril de 1986.
Mesmo distante, a nossa amizade continuou, como mãe e filho, até o final da vida dele. E no mesmo ano, foi designado para atender cumulativamente as comarcas de entrâncias iniciais de Curiúva e Ortigueira, radicando sua residência em Curiúva (bem próximo de Vila Santa Bárbara, que pertencia à comarca de São Jerônimo da Serra, onde meus parentes estavam radicados).
No dia 14 de junho de 1989, eu permanecia sozinha no Gabinete Geral, devido a deslocamento de classe ministerial em comemoração ao aniversário do Ministério Público paranaense, para reunião do Grupo de Estudos, na Comarca de Maringá, desde o dia anterior.
De repente, recebi ligação do juízo da comarca de Ortigueira, solicitando designação de um membro do MP para fazer parte do concurso de cartorário de Ortigueira. Diante da emergência do assunto, parti em busca de alguns promotores daquelas regiões e só consegui encontrar o Francisco Bezerra Cavalcante trabalhando em Curiúva, um tanto distante para onde seria designado.
Então, explicando ser caso emergencial de urgência e da importância na participação de agente ministerial para tal concurso, implorei que ele fosse atender no dia seguinte, que eu deixaria pronta a portaria de sua designação específica para aquele concurso. No fatídico dia 15 de junho de 19891, pela manhã, ele me telefonou, dizendo que estava saindo aquela hora para atender o meu pedido. Nessa época, já trabalhava com gratificação de tempo integral e dedicação exclusiva de 24 horas e já tinha deixado de trabalhar pela manhã no escritório de advocacia, continuando nos serviços de Gabinete Geral.
Quase na hora final de expediente, recebi ligação da esposa do Dr. Francisco, desesperada e em prantos, gritando: “acudam-me, que mataram meu marido à queima-roupa, pelo juiz que estava no concurso”. Apavorada e perplexa fiquei no momento, mas tive que tentar falar com o Dr. Luiz Chemim Guimarães e liguei inúmeras vezes aos Juízos de Maringá, mas ninguém atendia, até que uma pessoa, não sei se do Cartório, atendeu e disse não ser possível interromper a reunião, que estavam a portas fechadas. Diante da resposta daquela pessoa ser terminantemente proibida, embraveci de tal maneira que eu mesma nem me reconheci, o homem foi chamar o Dr. Chemim.
A espera foi eterna, até o procurador dizer “o que houve de tão urgente?” Expliquei e implorei que fosse atender ocorrência de assassinato que houve contra o promotor Cavalcante, e que o corpo dele ainda estava no local do concurso que iria ser realizado. Aguardei naquela noite, até por volta das 3h30 da manhã, quando toda a equipe do Gabinete chegou. Só então tomei conhecimento de que o atirador tinha sido o juiz Luiz Setembrino Von Holleben, que tinha o interesse particular em aprovar um candidato ao concurso, do que discordou o promotor Francisco. Eu já tinha conhecimento de que o juiz era pessoa de má índole, isso era comentado por muitos agentes ministeriais.
Nunca quis ter formação em Direito, porque durante minhas jornadas de trabalho de longas datas, sabia que na Casa da Justiça sempre havia irregularidades, injustiças diversas. Quando soube que o juiz assassino foi premiado pouco tempo depois com promoção a juiz titular de Ponta Grossa, fiquei pasma, indignada, revoltada.
Nota
1. Aniversário do Ministério Público do Paraná, que foi criado pelo Decreto nº 1, de 15 de junho de 1891, editado pelo então presidente do Paraná Generoso Marques dos Santos.