Mário Faraco: modelo de dignidade e justiça
29/03/2021 | Por Rui Cavallin Pinto
Mário Faraco morreu em 14 de janeiro de 2011, aos 96 anos. Logo, nos anos seguintes, completaria seu centenário, que passou, porém, sem merecer qualquer homenagem oficial da instituição do Ministério Público, a que serviu por toda vida, com a mais alta devoção e modelar exemplo de dignidade e visão superior.
Foi menino pobre, filho de imigrantes italianos de Sapri, da província de Salerno, e fez a pé descalço o primeiro caminho da escola, a três quilômetros de sua casa na Lagoa Grande, de Araucária. Com bolsa de estudo chegou à Faculdade de Direito e, ainda no 5º ano, em 1937, foi nomeado adjunto de promotor do termo de Reserva do Tibagi, então uma pequena cidade em que o fórum ficava na prefeitura e não havia luz elétrica, serviço regular de correio nem açougue. Morava com a família do escrivão.
Iniciou uma longa carreira no Ministério Público como titular de Guarapuava, Campo Largo e Curitiba, até ser eleito o primeiro corregedor-geral do Ministério Público e alcançar sua promoção para 2º sub-procurador geral da instituição estadual. Porém, com a redemocratização do país e licença do parquet, se elegeu deputado estadual por três legislaturas, além de manter participação direta na administração superior do Paraná, embora tanta vezes se confessasse mal dotado para a vida política. Na verdade, Mário Faraco se revelou deputado profícuo e competente secretário de Estado, provido de natural vocação para a vida pública, aliado a um forte sentimento paranista, cujo amor à sua terra deu demonstração, não só pela constante vigilância do erário estadual, como pelo esforço de tentar conter os abusos comuns que o exercício do poder geralmente facilita.
Nesse sentido, foi autor de inúmeros projetos legislativos impondo a estrita obediência à classificação dos candidatos aprovados nos concursos do emprego público; como também foi de sua autoria a antecipação do pagamento dos quinquênios da chamada quarta parte ou gratificação por tempo de serviço. Proibia, ainda, o acúmulo de proventos de aposentadoria com a soma de vantagens indevidas, bem como coibia as despesas públicas com propaganda do governo ou individual, incluindo o pagamento de viagens e de correspondência pessoal. Foi, assim, intransigente na fiscalização da lei e no controle dos gastos públicos, como também não sabia conter seu forte sentimento paranista, a exemplo do que ocorreu na posse do interventor federal general Mário Gomes no governo do Estado, a que deixou de comparecer por se tratar de político natural da Bahia.
Enfim, esse mesmo sentimento de exação funcional e respeito ao patrimônio público, ele já antecipara durante a carreira do Ministério Público, tanto no exercício do ofício como nas instruções que baixou em 1946, como corregedor-geral, que ainda norteiam a conduta e o desempenho dos agentes da instituição.
A propósito, dessa austera e independente consciência funcional, Faraco deixou particular exemplo do seu caráter no seguinte episódio da carreira. Durante sua permanência em Campo Largo, denunciou um engenheiro do estado por crime culposo, pelo desabamento de uma ponte da Estrada do Cerne. Porém, quando o interventor Manuel Ribas soube disso, ficou exasperado: “pode um promotor processar um funcionário do seu Estado?”. Não conseguia atinar com isso. Diz-se que primeiro ameaçou demiti-lo, depois optou por convocá-lo para que fosse trazido ao Palácio. Quando a ordem chegou, Faraco pensou: “não vou, não. Não vou aceitar ser insultado sem reagir com dignidade”. “Seu Ribas” tinha esse vezo de insultar funcionários ao menor propósito. Criado o impasse, Ribas foi então recorrer ao seu amigo, desembargador Hugo Simas, na presidência do Tribunal de Justiça. Chegando lá, foi logo disparando a pergunta, mesmo da porta do gabinete:
– Hugo Simas, pode um promotor processar um funcionário do Estado?
Hugo devolveu a pergunta dali de sua mesa mesmo, tranquilamente:
– Claro que pode, Ribas. Até de você pode, se cometer algum crime.
– Era o que eu queria saber! – disse secamente, rodando sobre o calcanhar e saindo com o mesmo ímpeto com que entrou.
E, desde então, nunca mais se falou no assunto.
Enfim, morto, Mário passou a receber toda sorte de homenagem de sua cidade e seu povo, donde é cidadão honorário e nome de escola e instituições culturais. Mereceu livro biográfico do escritor Túlio Vargas, da Academia Paranaense de Letras (“Radiografia da Ética”), e foi louvado em versos pelo poeta Horácio Ferreira Portela, da Academia Paranaense de Poesia, e pelo poeta argentino Miguel Angel Almada, então morador da cidade, onde foi fundador e primeiro presidente da Academia Campo-larguense de Poesia.
Concluindo, Mário Faraco deixa lembrança imperecível de sua presença entre nós e de sua devoção ao Direito e aos ideais da Justiça, aos quais serviu com dignidade, alta nobreza e vocação quase sacerdotal.
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