Maria Tereza, uma líder do MP
16/07/2020 | Por Rui Cavallin Pinto
A liderança aludida é a do Ministério Público, ao qual pertenço e onde, por igual, ocorrem as transformações da condição social da mulher nos últimos tempos. Só para lembrar, na antiga Roma (do nosso calendário) a mulher era tratada como pueri1, sob jus potestatis2 do pai e do marido. O direito era um ofício masculum3. Porém, essa transformação teve etapas, como a da advogada Hortênsia, rival de Cícero, e suas coevas Amásia e Sentia, de cujo ofício cível e público foram porém excluídas pelo imperador Justiniano. Já bem para cá, em 1875, o juiz Edward Ryan, da corte de Wisconsin, negou o direito de advogar a Lavínia Goodell, sob o argumento de que “the law of nature destines and qualifies the female sex for the bearing and nurture of the children...” 4.
Os tempos modernos, entretanto, ofereceram à mulher a oportunidade de revelarem seus dotes e disputarem com o homem toda sorte de desafios, mesmo aqueles de sua aparente inaptidão. Como ocorreu já num tempo mais recente, com a carreira do Ministério Público paranaense, em que só a partir da metade do último século a presença feminina passou a ser notada em seus quadros. Primeiro timidamente, com a presença de Maria Dias Figueiredo, admitida por concurso, mas que se houve pouco tempo entre nós. Morreu cedo, de parto.
Porém, depois dessa iniciação vieram outras, em pouco número, mas logo ganharam força e acentuaram sua presença. Hoje o Ministério Público do Paraná congrega 772 membros ativos, dos quais 480 são homens e 292 mulheres. Desses 480, 398 são promotores e 82 procuradores. Quanto ao sexo feminino 256 são promotoras e 26 procuradoras. O quadro total tem, portanto, um componente proporcional de 62,2% de homens e 37,8% de mulheres. Entre os procuradores, 76% são homens e 24% mulheres, mas esse é um quadro de composição mais antiga, conservando remanescentes do patriarcado anterior. Todavia, em 3 de setembro de 2019, pela primeira vez na história, o Conselho Superior do MPPR foi composto por maioria feminina: além dos membros natos Ivonei Sfoggia (procurador-geral de Justiça) e Moacir Gonçalves Nogueira Neto (corregedor-geral), tomaram posse os eleitos Francisco José Albuquerque de Siqueira Branco, Alfredo Nelson da Silva Baki, Samia Saad Gallotti Bonavides, Maria Lúcia Figueiredo Moreira, Luciane Maria Duda, Gildelena Alves da Silva e Mônica Louise de Azevedo.
Mas, enfim, o que conta afinal não é só a importância do número, mas o relevo do desempenho funcional desse expressivo contingente feminino, no fito institucional, social e político da corporação, que é o que aqui nos leva a pôr destaque à presença e ao desempenho de nossa colega Maria Tereza Uille Gomes, procuradora hoje aposentada, após 30 anos de uma bela e profícua carreira nas funções do Ministério Público, na representação da categoria e em seu exercício constitucional. Em princípio, foi a primeira mulher a exercer a presidência de sua associação de classe, em quatro mandatos quase sucessivos e, embora ao tempo promotora de primeira instância, foi, no plano nacional, a primeira delas a assumir a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado, na chefia da própria instituição, durante os anos de 2002-2004. Nessa função, ganhou então destaque especial, não só cumprindo o papel ideológico e constitucional da corporação, como no aperfeiçoamento do seu sistema de ação jurídica e social, promovendo também a extinção do nepotismo dos seus quadros internos, mediante a adequação dos cargos e funções, com o remanejo das atribuições e a realização de concursos públicos. E, nesse particular, sua iniciativa pioneira antecipando de 3 anos as recomendações dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, incluindo também a antecipação de 6 anos da própria Súmula Vinculante nº 13, do STF.
E, nesse passo, embora tendo recebido a maior votação de sua classe, na oportunidade da renovação do seu mandato, Maria Tereza não foi reconduzida pelo governo ao comando da corporação, mas as circunstâncias favoreceram, no entanto, que voltasse à presidência do grêmio social, participando de uma nova escolha eleitoral (2005-2007), que venceu e viu renovada para um outro biênio ainda (2007-2009), ambos voltados para uma ativa administração da associação e consolidação do seu patrimônio social, a maior parte creditada às suas administrações anteriores, que incluem o prédio da sede social e suas subsedes do litoral e interior, representadas, principalmente, por dois edifícios modernos e de ampla arquitetura, a serviço da direção da entidade e proveito dos seus associados.
Vencido, porém, esse duplo período, em 2011 Maria Tereza recebeu do governador Beto Richa o convite para assumir a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, que exerceu por 4 anos, até 2015, enfrentando uma população carcerária de 30 mil presos, superlotando presídios, delegacias e prisões comuns, além de 20 rebeliões e 5 motins e um refém assassinado em Cascavel.
Além das políticas públicas de direitos humanos e a preocupação de criar colônias industriais, a nova Secretaria procurou prover sua desfalcada Defensoria Pública de melhor assistência jurídica mediante a admissão de maior número de defensores, além de criar um sistema unificado de controle e repressão da execução penal, que reduziu expressivamente a superlotação carcerária. E, com esse propósito, a secretária Maria Tereza coordenou o processo de elaboração e aprovação da Lei Orgânica da Defensoria do Estado (Lei Complementar nº 136, de 19.5.2011), para, antes mesmo de deixar a Secretaria, ver aprovado também o Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado (Lei nº 18.419, de 7.1.2015).
Cumprido seu mandato e entregue a Secretaria, Tereza se aposentou em 2016, para, na sequência, passar a se ver indicada pela Câmara dos Deputados para a vaga de Conselheira do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, para o período de 2017-2019. E, cumpre anotar, a esse tempo, mereceu até indicação para ocupar o próprio Ministério de Justiça do governo Temer, por sugestão do então senador Aécio Neves.
Ora, o Conselho Nacional de Justiça constitui o órgão central de maior destaque no controle constitucional, administrativo e financeiro dos tribunais do país, com amplo espectro de atuação sobre os poderes e funções do Estado, da própria nacionalidade, direitos humanos e tantos mais, diante de cujo desempenho e por ocasião da renovação do seu mandato, Tereza mereceu louvor pessoal do próprio presidente Dias Tofolli.
Assim, embora nem tudo se saiba, sua atuação no Conselho nos tem dado, na verdade, uma ampla visão das dificuldades que reprimem hoje o passo da justiça brasileira, como o desfalque dos seus quadros jurisdicionais e de servidores, e, igualmente grave, o seu excesso de judicialização, que reclamam urgentes intervenções de uma gestão inovadora, que possibilite a criação de novos e maiores espaços horizontais para diálogo e composição dos interesses em confronto.
Enfim, diante desse cenário crescente de sororidade e empoderamento feminino, já não se pode dizer que Maria Tereza representou apenas a ala de liderança feminina da instituição, porque, na verdade, acabou compondo a representação da liderança de toda a categoria funcional.
O grêmio habitualmente foi visto como uma atividade secundária e complementar da instituição, e, de consequência, própria para ser confiada à mulher, em homenagem à sua recente incorporação aos quadros da instituição. Pois suponho que foi essa delegação que animou sua natural habilidade política, de traços discretos e feição feminina, que facilitaram o caminho particular e destacado que ela seguiu na administração superior e no desempenho político e constitucional reservado à instituição, não só no espaço estadual como no seu alcance nacional.
E certamente conseguiu, pois não!
Isto tudo talvez justifique melhor o título que dei e encima este artigo...
Notas do Memorial
1. Garoto.
2. Poder da lei.
3. Masculino.
4. A lei da natureza destina e qualifica o sexo feminino para dar à luz e nutrir os filhos.