Hugo Simas, o maior jurista do Paraná
21/10/2003 | Por Rui Cavallin Pinto
Hugo Gutierrez Simas foi nomeado Procurador-Geral em 11 de junho de 1932, substituindo Isaías Beviláqua na chefia do Ministério Público do Paraná. Sua permanência no cargo durou menos de 10 meses, pois a 31 de março seguinte foi nomeado Desembargador do então Superior Tribunal de Justiça.
Nascido em Paranaguá em 1883, Hugo Simas tinha nessa época pouco mais de 48 anos e deixava o Rio de Janeiro, onde tinha banca de advogado de grande atividade e reputação, especializada na área de seguros e direito marítimo, atuando inclusive com consultoria do Lloyd Brasileiro1 e exercendo, às vezes, as funções de Procurador da República. No ano anterior ao seu retorno, passara a compor a comissão legislativa, integrando a 7ª Subcomissão de Direito Marítimo, responsável pela redação dos Livros II e III do projeto do Código Marítimo.
Filho de farmacêutico da antiga vila de Gabriel de Lara, seu pai, Fernando Simas, foi editor da folha republicana “Livre Paraná” e integrou a bancada paranaense da Constituinte de 1891, figurando como um dos subscritores da nossa primeira Carta Republicana. O lar paterno era, porém, modesto, e só com a ajuda do seu ganho como escriturário da Central do Brasil e como auxiliar do Colégio D. Pedro II foi que Hugo Simas logrou completar sua educação na capital federal, onde se formou tanto no curso de Direito como no de Farmácia, este com o propósito de ajudar seu pai no seu comércio.
De volta à terra natal, foi inicialmente Promotor de Antonina, para depois começar a se impor à admiração de sua geração na regência de Lógica, no Ginásio Paranaense, além de Português e Pedagogia na Escola Normal de Curitiba, mediante concurso. Ao mesmo tempo, passou a militar na imprensa diária, chegando à direção do “Diário da Tarde” e do “Correio do Paraná”.
No foro, logo ganhou também renome como profissional do Direito de rara competência e tino de verdadeiro jurista. Fez defesas de grande repercussão, como a do crime do Hotel Biella, em Ponta Grossa, cujas razões densas e lúcidas receberam pronta acolhida, com a impronúncia da acusada. Incursionou também pelo terreno agreste da política, feito deputado estadual.
Integra a galeria dos fundadores da Universidade do Paraná, responsável pelas disciplinas de Economia Política e depois Direito Constitucional, emprestando também sua colaboração como bibliotecário da instituição.
Porém, em 1921 decidiu voltar ao Rio de Janeiro, onde, fiel à sua vocação jurídica, reinaugurou sua próspera banca de advogado. Pois foi aí que, em 1932, o interventor Manoel Ribas foi buscá-lo para lhe confiar a chefia do Ministério Público do seu Estado. A despeito de sua permanência relativamente curta no cargo, Hugo Simas deixou valioso cabedal para a história da instituição, por força de sua singular personalidade e ampla visão das atribuições conferidas ao Ministério Público, embora sem toda a extensão que tem hoje, sobretudo no campo social. Assim, se bem que o Parquet privilegiasse o campo da persecução penal, sua atuação incluía a curadoria cível, a falência, a infortunística e a proteção do assalariado, além do que a Procuradoria-Geral constituía órgão de consultoria da administração estadual, atividade que, pelos dados que temos, absorvia a maior parte dos seus encargos, pois nesses breves 10 meses de exercício, Hugo Simas proferiu cerca de 500 pareceres, 30% dos quais correspondiam, aproximadamente, a consultas dos órgãos do próprio governo, somando quantidade superior à das apelações criminais e cíveis.
Seus pareceres são sempre peças concisas, mas incisivas, pois têm o dom de ferir diretamente o nodus da questão. Mas, mesmo assim, pede escusas por ter que dar “excessivo desenvolvimento ao seu parecer” – e, realmente, há os longos e eruditos. Mas o estilo é sempre cool, embora terso e seguro, como é próprio de quem está afeito a enfrentar os desafios, como diz, “oceano de dúvidas”, que é a ciência do Direito.
Entre outras considerações, Hugo Simas deixou assinalado que o cargo de Procurador-Geral era, a seu ver, o mais penoso do Estado, além do gravame de sofrer injustificada inferioridade de vencimentos, em comparação com os demais secretários de qualquer outro órgão do governo. Anote-se, também, o zelo de Hugo Simas em combater, àquele tempo, os Promotores que se aventuravam a patrocinar causas em que a instituição tinha intervenção obrigatória, além de insistir sobre o dever dos seus agentes de residirem na sede das Comarcas.
Fez sugestões práticas em favor da correção de alguns exageros do júri, objetivando simplificar seu formalismo e evitar “divagações impertinentes” ou “exibição de simples oratória acadêmica”, bem como para impedir o abuso de expedientes como os de procrastinar os julgamentos do tribunal. Fez propostas para a alteração das leis do processo e defendeu a adoção de uma codificação única para todo o país. Para atender o reclamo geral por “justiça pronta” tinha uma receita simples: redução dos prazos, principalmente dos recursos; só isso bastaria para acabar com o mal da chicana.
Enfim, na Procuradoria-Geral, Hugo Simas deixou um rastro luminoso de sua inteligência e operosidade. Da chefia do Ministério Público logo passou para o Superior Tribunal de Justiça onde, como Desembargador, foi luzeiro e centro de gravitação da vida judiciária do Estado, pois além do primor dos seus acórdãos e de seus votos vencidos, todos florões de cultura jurídica, Hugo Simas seduzia pela irradiação natural de seu espírito ecumênico, pelo trato fidalgo que dispensava a todos, advogados e partes, como ainda pela encantadora bonomia e graça de espírito que deixava luzir nas rodas de amigos.
Sua consagração nacional se deve, em parte, às obras jurídicas que deixou, sempre atuais e inovadoras. Assim, seu “Compêndio de Direito Marítimo” (1938) foi saudado por Aguiar Dias como um dos nossos melhores trabalhos de direito comercial marítimo. O “Código Brasileiro do Ar anotado” (1939) veio contribuir para dar ao transporte aéreo instituições e relações jurídicas com autonomia de estudo, além de um corpo de doutrina. Os comentários do seu “Processos Acessórios”, da coleção clássica da Forense, foram, para Haroldo Valadão, uma realização notável: um marco no direito processual então vigente. Acrescente-se ainda que, um mês antes de morrer, Hugo Simas fez entrega ao governo do seu anteprojeto do Código de Transportes, missão que lhe fora confiada pelo ministro Francisco Campos. Mas seu legado fu insieme versatile e profondo2, pois incluiu outros tantos trabalhos como “Agricultura na Escola Primária”, “O Romance de Amor do Poeta”, além de conferências e discursos.
Enfim, Hugo Simas foi, sem dúvida, nosso maior jurista. Uma figura emblemática, digna da admiração e orgulho de sua terra. E desse sentimento geral, com maior razão deve compartilhar o Ministério Público, que ele ajudou a construir e que lhe deve, com certeza, boa parte do prestígio que a instituição hoje desfruta, na defesa dos valores sociais e promoção da justiça em nossa terra.
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Notas do Memorial
1. Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro.
2. Era versátil e profundo.