Das coxias do Ministério Público – V

18/04/2023 | Por Rui Cavallin Pinto

PERÍCIAS E IMPERÍCIAS

A justiça criminal volta e meia reclama da ineficiência dos laudos periciais, confiados muitas vezes a peritos sem a indispensável orientação técnica para oferecer descrições objetivas e respostas adequadas aos propósitos da instrução judicial. Por outro lado, os peritos lastimam a falta de normas gerais uniformes, sobretudo para certos casos, para que se orientem no procedimento pericial. Então, desses desencontros resultam, tantas vezes, passagens realmente pitorescas, senão até ridículas, que abastecem permanentemente o nosso anedotário forense. E assim, vale lembrar dois casos de estupro então ocorridos. O quesito era o mesmo para ambos, como então resultavam formulados: “Qual o instrumento usado?” De um deles veio a resposta: “Instrumento contundente rombudo”. Noutro, a resposta procurou ser ainda mais precisa: “Dedo indicador da mão direita”.

Para concluir, contou o colega Wilson Piazetta que, certa vez, na comarca de Bandeirantes um garoto caiu de uma árvore e morreu, pois quebrou o pescoço. Aberto o inquérito e submetido ao exame do médico legista, este simplesmente consignou como causa da morte: “Tombo da árvore”.

QUAL A MAIOR VANTAGEM?

O conselheiro Antônio Ferreira Viana foi uma das figuras políticas mais brilhantes do segundo reinado. Notável jurista e homem de grande religiosidade, Ferreira Viana ocupava uma das celas do convento de Santo Antônio, sempre que ficava na capital do Império.

Um certo dia, ao visitar a Casa de Detenção do Rio de Janeiro, como fazia com certa regularidade, se deparou com um preso que apelou ao conselheiro.

– Senhor, eu abusei da honestidade de uma menor, confiou humildemente o convicto.
– E, a quanto tempo foi então condenado? ...
– Quatro anos, excelência. Estou aqui há dois anos e só me faltam cumprir os outros dois. Mas, se Vossa Excelência me fizer mercê de me conceder indulto, juro que casarei com a moça.

Ora, acudiu o conselheiro, quer um bom conselho, conselho de amigo? Tire toda a pena... é muito mais vantagem...

PIOR A EMENDA QUE O SONETO

Um advogado reclamou nos autos as expressões injuriosas empregadas pelo defensor da outra parte, requerendo ao juiz que mandasse o escrivão riscá-las. O juiz proferiu o seguinte despacho: “Risque o senhor escrivão as palavras burro, cavalo, safado, canalha, etc., contidas no arrazoado do defensor e atribuídas ao defensor da outra parte, doutor fulano de tal, para que delas não fique o menor vestígio.

A LEI, ORA A LEI...

Conta-se de Hugo Simas que um rábula do nosso interior rebatia da tribuna do Júri a acusação do promotor, alongando-se em pomposo e vaníloquo discurso, estranho a toda prova dos autos e à própria lei. Pelas tantas, o promotor conveio em interromper sua farfalhante arenga1, para advertir a defesa e os jurados de que a acusação contra o réu tinha fundamento no texto estrito da lei.

O leguleio2 nem por isso se deu por achado, e se voltou para o promotor com gesto de desdém para retrucar: “Ora, a lei... bobagem da lei…”


Notas do Memorial

1. Discurso cansativo, fastidioso; lenga-lenga.

2. Aquele que observa rigorosamente as formalidades legais, interpretando a lei sem atentar para o espírito que a norteia; profissional formalista.