Das coxias do Ministério Público – IV
03/04/2023 | Por Rui Cavallin Pinto
OS DOIS LADOS DO APARTE
Para o advogado Alfredo Tranjan não é o orador eloquente que costuma ganhar o júri, mas aquele que sabe argumentar com mais lucidez de raciocínio e força de persuasão. Para ele, entre as armas do duelo do júri, o discurso é o elegante florete e o aparte o temido punhal. Às vezes, uma única frase de dez segundos, ou o dito fulminante de um segundo, pode alterar o rumo de um julgamento e revertê-lo a nosso favor. Mas é preciso estar atento à recomendação de Roberto Lyra de que escolher o momento do aparte é muito importante, pois não há nada mais contraproducente que um aparte inoportuno, mal formulado e sem vida. Exemplo de um contraparte que fulminou de morte um aparte infeliz foi o que ocorreu na Câmara dos Deputados entre Ivete Vargas e Carlos Lacerda. A deputada Ivete era sobrinha de Getúlio Vargas e sua intransigente defensora. Lacerda o mais cáustico e ferrenho dos seus adversários. Num desses confrontos no Congresso, Ivete interrompeu o discurso de Lacerda e atirou:
– Vossa Excelência é um purgante! ...
– E Vossa Excelência o efeito... retrucou Lacerda na mesma hora...
Doutra feita, o exemplo do aparte de bom efeito parece ter sido o do promotor Rufino de Loy, do Tribunal do Júri do Rio de Janeiro. O cenário do crime fora o da zona do Mangue, da cidade do Rio e a vítima conhecido rufião. O rol de testemunhas era composto só de cafetinas, prostitutas e pederastas, sobre cujos depoimentos o promotor sustentava a acusação. O advogado de defesa, o mais que fez foi se mostrar espantado com o qualidade da prova oferecida e se empenhou em desconsiderá-la, louvando-se até em tratados científicos, para mostrar que esta espécie de gente é particularmente mitômana igual criança. E levou assim até a peroração, ocasião em que considerou uma afronta do promotor à inteligência dos jurados pedir a condenação de um réu primário com base no depoimento de prostitutas, pederastas passivos e de pessoas desse baixo jaez.
E, nessa altura, então, o promotor golpeou com desdém e um certo ar de irritação:
– E Vossa Excelência queria que, num crime do bairro do Mangue eu arrolasse como testemunhas as alunas do Colégio Sion?! ...
E foi isso só o quanto bastou para decidir a causa contra o réu...
QUANDO QUIÇÁ VIRA GENTE
O promotor quis colaborar com a instrução e forneceu as informações de que dispunha e que favorecessem a localização das testemunhas. Assim, quanto a uma delas, deu o endereço do seu domicílio, mas fez constar que, caso não fosse localizada ali, poderia, quiçá, ser encontrada noutro endereço, que repassou igualmente.
Dias depois, porém, viu que a diligência só foi cumprida em parte, porque a testemunha “Quiçá” não foi encontrada no endereço mencionado, nem dela se obteve qualquer informação.
O GAGO TOTAL
Sabemos por experiência das dificuldades de se colher as declarações de um gago. Quase sempre esses depoimentos são obtidos com algumas dificuldades e precisam da ajuda e da paciência do juiz. E, mesmo assim, eles costumam sair aos pedaços a aos arrancos.
Pois foi o que aconteceu com um magistrado no seu tempo e no esforço de colher a assinatura de um gago, durante uma audiência. Foi, então, que, ao dar por findo seu trabalho, o juiz se voltou para a testemunha a fim de colher sua assinatura no termo respectivo. Mas, ao tentar fazê-lo, logo viu que o tartamudo tinha na escrita a mesma dificuldade da fala, fazendo esforço igual para completar o sobrenome. Então, saiu assim: Ca.. Ca... Carlos, fazendo o mesmo esforço para garatujar todo seu sobrenome. O juiz ficou então espantado de ver, para concluir que o homem não era só gago na fala, era gago também na escrita. Era assim um gago total, como nunca imaginara...