Das coxias do Ministério Público – II
01/02/2023 | Por Rui Cavallin Pinto
Em geral, a atuação do Ministério Público na justiça é ainda vista como uma função difícil de ser cumprida, principalmente por ter de acusar em público os suspeitos de uma ação criminosa, mesmo que seja a mais grave delas, ainda que para cumprir o dever do seu cargo.
Mas, tempos atrás, as pessoas costumavam alcunhar os promotores de forma grave, como advogados do diabo, igual ao nome de avvocatos del diavolo, dos tribunais da Inquisição do Santo Ofício, nos processos de beatificação dos santos da Igreja. Eram chamados, também, pelo apelido de Torquemadas, o frade dominicano da Inquisição espanhola. Músio, por exemplo, via neles a imagem do “maior flagelo”, ou foram tidos por “instrumentos fatalíssimos”, na opinião de Angelo Brofferio.
Hoje, já não se pensa assim. Pelo contrário, seu ofício até reproduz cenas e passagens que passam mais por pitorescas e que dão à função uma imagem muito mais amena ou até mesmo ridícula, num bom sentido.
Como esta:
O promotor gago
Por estranho que pareça, havia um promotor que era terrivelmente gago. Mas, não tartamudeava apenas, pois quando se punha nervoso, seu gaguejo virava um grasnido ininteligível.
Consta, então, que certa ocasião proferiu uma acusação no Júri e que o próprio juiz-presidente ficou sem saber que direção tinha seu discurso: se era a favor ou contra a condenação. Criou-se assim um ar de verdadeiro “suspense” no Tribunal, mas, mesmo assim, o juiz repassou a palavra ao defensor, que ocupou a tribuna, mantendo uma grande expectativa entre os presentes. E então, aconteceu que este, um atilado advogado, outra coisa não fez, para surpresa geral, que proferir um grande louvor ao promotor, elogiando sua determinação e sua coragem em reconhecer por si mesmo, a inocência completa do réu e pedir ao Júri sua definitiva absolvição.
Ora, frente a isso, o promotor saltou à tribuna, tartamudeando as palavras, num alarido de gagueiras e gritos, cujo verdadeiro sentido ninguém pôde atinar, mas resultou, afinal, na liberdade definitiva do réu, sem que ninguém pudesse enfim justificar se a absolvição foi resultado da malícia do advogado ou se foi para cumprir apenas o que o promotor se esforçou em convencer.
E ainda tem mais:
A política tem seus próprios caminhos
Dinarte Mariz foi figura de proa na vida política nacional da Segunda República. Começou como integrante da Aliança Liberal e do Movimento Liberalista, para se tornar prefeito de Caiacó, senador da República (duas vezes) e governador do Rio Grande do Norte, seu estado natal, embora se contasse que não tinha nem mesmo o primeiro grau completo.
Acontece, porém, que numa de suas rondas políticas de campanha chegou a Jurucutu, uma pequena cidade do interior do seu estado. O povo do lugar armou, então, uma grande recepção para homenageá-lo e foi entregue a um jovem promotor local a incumbência de saudá-lo.
Então, depois de uma exuberante arenga para exaltar o sucesso de sua carreira política, o jovem promotor perorou alto:
– E todos esses cargos superiores Vossa Excelência conquistou sem mesmo ter concluído o ensino primário. A que cargos mais altos então não chegaria se fosse pelo menos bacharel, assim como eu?...
Foi ai que Mariz atalhou o orador para dizer alto:
– Se fosse bacharel, doutor, não chegaria nem mesmo a promotor de Jurucutu!, concluiu com um sorriso complacente.
Enfim:
E, por quê?...
E, por falar em aparte, conta-se que o famoso promotor Quesnay de Baurepaire, da França, quando se sentia ameaçado por algum aparte inconveniente ou de maior dificuldade, costumava se servir do expediente de indagar do opositor: “E, por quê?...” E se este tentava ainda se explicar, repetia: “E, por quê?...” E assim levava até o fim, quando seu adversário se irritasse com sua falta de compreensão ou percebesse sua impertinência, ocasião em que Beaurepaire se voltava aos jurados e dizia: “Vejam senhores, que a defesa não tem razão, pois sua irritação bem o demonstra”.