Saneamento Básico - Apresentação
Conceito
Em todo o território brasileiro, a Política de Saneamento Básico é regulada pela Lei n. 11.445/2007, a qual define, em seu art. 3º, o saneamento como o conjunto dos serviços, infra-estruturas e instalações destrinchadas em quatro dimensões:
Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias à coleta, ao transporte, ao tratamento e à disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até sua destinação final para produção de água de reúso ou seu lançamento de forma adequada no meio ambiente; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana; e (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas instalações operacionais de drenagem de águas pluviais, transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes;
De acordo com as normativas internacionais e orientações da Organização das Nações Unidas, os Estados têm a obrigação de garantir o acesso à água potável e ao saneamento básico. Não necessariamente a prestação destes serviços deve ser feita de forma gratuita, porém, o valor cobrado por ele deve ser acessível, permitindo a realização dos direitos humanos em jogo, podendo diferenciar-se conforma o poder aquisitivo dos usuários.
É indisputada função do Estado a garantia de saneamento básico aos cidadãos, sendo a progressiva universalização do acesso um dos seus princípios basilares, que coíbe a omissão ou a mora injustificada do Poder Público, neste setor.
Cumpre ressaltar, também, que as políticas de saneamento devem ser compreendidas conjuntamente e articuladas às outras políticas setoriais, como de desenvolvimento urbano, provisão habitacional, gestão de recursos hídricos, proteção ambiental, saúde, combate à pobreza, dentre outras.
Competências
A Constituição Federal, em seu artigo 23, inciso IX, determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a melhoria das condições de saneamento básico.
Por sua vez, a Lei n. 11.445/2007 disciplina, de maneira mais específica, a competência de cada ente federativo no planejamento e na prestação dos serviços de saneamento.
No tocante ao papel dos Municípios, cabe a estes a elaboração e aprovação da Política Municipal de Saneamento Básico, através da qual será definido o marco regulatório, o modelo jurídico-institucional e a distribuição das funções de gestão dos serviços públicos de saneamento, preferencialmente pela via do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB).
Os Municípios também deverão constituir a entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços públicos de saneamento básico ou definir a qual órgão existente será delegada essa função. Nela está implicada a responsabilidade pela verificação do cumprimento dos planos de saneamento por parte dos prestadores de serviços, na forma das disposições legais, regulamentares e contratuais.
Em contextos metropolitanos, todavia, muitos Municípios não são autossuficientes na captação e abastecimento de água, têm suas redes de distribuição interligadas com outros municípios ou seus sistemas de esgotamento compartilhados. Com efeito, os impactos do manejo de resíduos sólidos, bem como do tratamento e destinação de efluentes geram impactos e ônus ambientais que são suportados conjuntamente pela comunidade dos diversos municípios conurbados, podendo ser mitigados ou administrados com maior eficiência, integralidade, equidade e sustentabilidade.
Em sede da
, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a questão, determinando que o saneamento é competência de interesse regional caracterizada pela somatória de interesses locais dos municípios que integram a região metropolitana, conciliados com o interesse dos governos estaduais. Assim, somente por meio do acordo e da negociação entre os mencionados atores torna-se possível a implementação de políticas que homenageiam a repartição de competências e o equilíbrio federativo. Portanto, destaca-se a importância, aqui, da gestão compartilhada (cooperada, consorciada, conveniada, etc.), cujo fomento caberia aos estados, vez que, muito embora não seja ente político autônomo, as Regiões Metropolitanas são instâncias de planejamento e unidades administrativas vinculadas a uma escala supramunicipal de governança.No Estado do Paraná, especificamente, relatórios recentes do Tribunal de Contas do Estado apontam uma série de deficiências neste nível de prestação do serviço. Ainda, verifica-se, frequentemente, a inexistência de órgãos integrantes do poder executivo que se dediquem à temática, restringindo, assim, essa função às companhias estaduais.
Não se pode olvidar, outrossim, que a Constituição do Estado do Paraná dedicou dois artigos expressamente à temática, instaurando deveres adicionais:
Art. 210. O Estado, juntamente com os municípios, instituirá, com a participação popular, programa de saneamento urbano e rural, com o objetivo de promover a defesa preventiva da saúde pública, respeitada a capacidade de suporte do meio ambiente aos impactos causados.
Parágrafo único. O programa será regulamentado mediante lei e orientado no sentido de garantir à população:
I - abastecimento domiciliar prioritário de água tratada;
II - coleta, tratamento e disposição final de esgotos sanitários e resíduos sólidos;
III - drenagem e canalização de águas pluviais;
IV - proteção de mananciais potáveis;
Art. 211. É de competência comum do Estado e dos Municípios implantar o programa de saneamento, cujas premissas básicas serão respeitadas quando da elaboração dos planos diretores municipais.
Já o artigo 52 da mesma Lei prevê a competência da União para a elaboração do constantemente avaliado. Além disso, o ente poderá estabelecer programas de incentivo, nos casos de interesse social, e fixará os parâmetros técnicos de potabilidade da água (art. 43, par. único).
, editado no final do ano de 2013, sob a coordenação do Ministério das Cidade e
Prestação do serviço, concessões e consórcios públicos
Frise-se que a própria Lei nº 11.445 dispõe sobre os requisitos de validade dos contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento:
Art. 11. São condições de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico:
[...]
III - a existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretrizes desta Lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização;
[...]
§ 1o Os planos de investimentos e os projetos relativos ao contrato deverão ser compatíveis com o respectivo plano de saneamento básico.
§ 2o Nos casos de serviços prestados mediante contratos de concessão ou de programa, as normas previstas no inciso III do caput deste artigo deverão prever:
I - a autorização para a contratação dos serviços, indicando os respectivos prazos e a área a ser atendida;
II - a inclusão, no contrato, das metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, de redução progressiva e controle de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, em conformidade com os serviços a serem prestados e com o respectivo plano de saneamento básico;
III - as prioridades de ação, compatíveis com as metas estabelecidas;
IV - as condições de sustentabilidade e equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços, em regime de eficiência, incluindo:
a) o sistema de cobrança e a composição de taxas e tarifas;
b) a sistemática de reajustes e de revisões de taxas e tarifas;
c) a política de subsídios;
V - mecanismos de controle social nas atividades de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços;
VI - as hipóteses de intervenção e de retomada dos serviços.
Obviamente, estes comandos devem ser lidos de maneira sistemática com a disciplina da Lei n. 8.987/1995 e da Lei n. 11.107/2005, as quais dispõem, respectivamente, sobre normas gerais de concessão pública e de contratação de consórcios públicos entre entes da Federação para a realização de interesses comuns. Também, neste mister, há de se atentar para os princípios e regras contidos no art. 210-A da Constituição Estadual:
Art. 210-A. A água é um bem essencial à vida. O acesso à água potável e ao saneamento constitui um direito humano fundamental.
§ 1º. Nas políticas estaduais de recursos hídricos e de saneamento serão observados os seguintes fundamentos e diretrizes:
(...)
VI - na prestação dos serviços de água potável e saneamento, a prevalência de razões de ordem social frente às de ordem econômica.
(...)
§ 3º. Os serviços públicos de saneamento e de abastecimento de água serão prestados por pessoas jurídicas de direito público ou por sociedade de economia mista sob controle acionário e administrativo, do Poder Público Estadual ou Municipal.
Observa-se que a prestação dos serviços de saneamento por Companhias Estaduais de Saneamento Básico é a forma mais adotada pelos estados. Atualmente, no Paraná, 345 dos 399 municípios do Estado têm seus serviços de saneamento básico prestados pela SANEPAR. Destes, 64% são contemplados com sistema de esgotamento sanitário. Naqueles cuja população excede 50 mil habitantes, a cobertura atinge 77,6%, enquanto a média nacional é de 55,5%, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Na esfera do saneamento, a formação de consórcios demonstra-se como uma alternativa à concessão dos serviços às Companhias Estaduais, e também à prestação direta pelos municípios, que implica em ampla gama de funções e tarefas que exigem notório saber técnico e investimentos.
Os consórcios são parcerias entre dois ou mais entes da federação para a realização de objetivos comuns, e, quanto ao saneamento básico, as finalidades mais comuns são a gestão conjunta de abastecimento de água e esgotamento sanitário, além de destinação final de resíduos sólidos. Vêm se uma alternativa exitosa, conforme levantamentos e pesquisas realizados.
Os consórcios públicos podem, desta forma, apontar para uma atualização do pacto federativo brasileiro, materializando novos arranjos institucionais, reunindo municípios com interesses e necessidades comuns, a ainda, quando conveniente, agregando a participação do governo estadual. e/ou suas companhias e sociedades de economia mista. Recomendável que sua estrutura organizacional comporte câmaras técnicas, que podem abrir espaço ao efetivo controle social e à participação popular.
Plano Municipal de Saneamento
Para articular, planejar e viabilizar todo essa gama de funções, os planos municipais de saneamento básico deverão ser elaborados e revistos periodicamente, em prazo não superior a 4 (quatro) anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual e, de acordo com os incisos do art. 19 da Lei nº 11.445, deverão contemplar, obrigatoriamente, em seu bojo:
I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas;
II - objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais;
III - programas, projetos e aç ões necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;
IV - ações para emergências e contingências;
V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas.
O conteúdo do PMSB deve abranger, no mínimo, as questões fulcrais relacionadas a todas as áreas do saneamento básico, sendo sua elaboração atribuição dos técnicos municipais, com participação da sociedade, e deverá ser aprovado em audiência pública. Recomenda-se, para tanto, observância ao roteiro de orientações do Ministério das Cidades.
Como nas demais políticas urbanas, a participação e o controle social são aspectos fundamentais, devendo-se assegurar a promoção de seminários, oficinas e audiências públicas, que congreguem representantes dos diversos segmentos da população.
Tamanha é a envergadura da participação e do controle social que o Decreto nº 7.217, o qual regulamenta a Lei nº 11.445, define que a partir do fil de 2014, a institucionalização das instâncias e mecanismos de gestão democrática torna-se condição indispensável para o acesso a recursos orçamentários da União quando destinados a serviços de saneamento básico:
Art. 34. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá ser instituído mediante adoção, entre outros, dos seguintes mecanismos:
[...]
IV - participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação
[...]
§ 6º Após 31 de dezembro de 2014, será vedado o acesso aos recursos federais ou aos geridos ou administrados por órgão ou entidade da União, quando destinados a serviços de saneamento básico, àqueles titulares de serviços públicos de saneamento básico que não instituírem, por meio de legislação específica, o controle social realizado por órgão colegiado, nos termos do inciso IV do caput.
Aprovado pela Câmara Municipal, o PMSB consubstancia documento de vinculante e de referência a fornecer os parâmetros para a contratação e fiscalização da prestação (direta, como delegada) do serviço público de saneamento básico, especialmente quanto à política tarifária e as metas de expansão da cobertura em todas as quatro dimensões desta política setorial.
Por sua complexidade, devem a formulação e a implementação dos Planos de Saneamento ser acompanhadas pelo Ministério Público, como zelador do regime democrático, do devido processo legal e da consistência técnica que motivará as decisões públicas. Tal atribuição acha-se abarcada no leque da Resolução PGJ n. 2.480/2012, de incumbência originária das Promotorias de Justiça de Direitos Humanos (antigas Promotorias de Justiça de Direitos e Garantias Constitucionais).