Apresentação - Política Agrária e Fundiária
O Eixo Política Agrária do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos assumiu parte das funções do extinto Centro de Apoio para Questões da Terra Rural (art. 7º da Resolução nº 729/2008 do Ministério Público do Paraná). Para compreender a necessidade desta ação especializada é necessária uma breve reflexão histórico jurídica.
A propriedade rural no Brasil tem seus marcos na legislação de Capitanias Hereditárias, Sesmarias, Lei de Terras de 1850 e Estatuto da Terra. Esta história jurídica, não obstante intenções do legislador, levou à reificação da concentração fundiária. Corolário de tal fato, há tempos prevalece um clima de tensão no campo do Brasil e especialmente do Paraná. Brasil Pinheiro Machado, que foi Interventor Estadual (ocupando cargo de governador), Procurador-Geral de Justiça, Juiz do Tribunal de Constas do Paraná e Historiador (professor do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná), constatou que, entre 1940-1960, o Paraná vivenciou violentos conflitos de fundiários envolvendo centenas milhares de hectares de terra, sendo que a força policial na época estava “mobilizada exclusivamente a serviço das grandes questões de terra”1;. Estudos deste jurista-historiador sustentam que se envolveram nestas disputas milhares de “posseiros” ou “pequenos proprietários” opondo-se a “grileiros” e “grandes proprietários” que, em geral, utilizaram-se de “jagunços”, muitas vezes atuando de forma paralela ou complementar à “força policial”. Durante o período Ditatorial, as graves violações de direitos humanos decorrentes de conflitos agrários continuaram, conforme demonstram os relatórios temáticos do Campo e Povos Indígenas da Comissão Estadual da Verdade (que tiveram como relator o dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, ex-Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público e atual coordenador do CAOP Direitos Humanos;2; ). Novamente, em meados da década de noventa, os conflitos recrudesceram. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) o Paraná foi Estado de maior ocorrência de violência no campo no Brasil em 1998;3;. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH-OEA), as violações de direitos humanos nestes anos e outras ocorridas posteriormente foram praticadas ou contaram com a omissão do poder público, o que resultou em condenações do Paraná, pela Corte da CIDH;4;
A partir do ano 2000, dados demonstram que no Paraná, e no Brasil, os conflitos fundiários reduziram-se, não obstante, nos últimos anos aumentaram os casos de remoções forçadas, fato que desdobrou-se, em 2017 foi marcado pelo maior número de assassinatos em razão de conflitos fundiários desde 20035. Tais fatos colocam a prova o avanço das instituições democráticas não obstante a manutenção de uma das maiores concentrações fundiárias do mundo. Dados de 2015 produzidos pelo INCRA demonstram que “130 mil grandes imóveis rurais concentram 47,23% de toda a área cadastrada [como imóveis] e 3,75 milhões de minifúndios (propriedades mínimas de terra) equivalem, somados, a quase um quinto disso: 10,2%”. Tal dado torna-se mais revelador se adicionado o critério “produtividade” – nos termos definidos pelo INCRA em 1980. O Atlas da Terra Brasil, coordenado pela USP/CNPq, sustenta que “66 mil imóveis [classificados como “grandes propriedades privadas e públicas”] são improdutivos, não atendendo aos critérios de “função social da terra” somando 175,9 milhões de ha., devendo ser salientado que, na última década tal concentração aumentou;6. Esta realidade contraria dispositivos constitucionais e a legislação referente à função social da terra rural;7. Tendo em vista a atribuição constitucional do Ministério Público em fiscalizar a ação do Poder Público;8, determinou-se a presente atuação especializada.
Sendo assim, o Eixo Política Agrária se ocupa das questões relacionadas a promoção dos direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis da população rural, nos termos da Lei Orgânica do Ministério Público9, levanta e produz informações e conhecimentos necessários (produção de pareceres, informações técnicas, pesquisa jurídica e jurisprudencial) para os órgãos de execução do Ministério Público (PGJ, Conselho Superior, Procuradores e Promotores). Para atingir tais objetivos, o Eixo Política Agrária pauta-se no intercâmbio de saberes, formação ou consolidação de redes de atores que se dediquem ao estudo, à proteção ou promoção direitos citados. Busca-se, em consonância com princípios democráticos, exercer função mediadora, e assegurar a plena participação da sociedade civil (população em geral, associações representativas, movimentos sociais, entre outras) na formulação e acompanhamento de programas e projetos de desenvolvimento de políticas públicas.
Expostos os motivos, elencamos algumas atividades desenvolvidas pelo Eixo: I) Assegurar e promover oferta de equipamentos comunitários – energia elétrica, escolas itinerantes e transporte escolar em acampamentos de trabalhadores rurais e assentamentos da reforma agrária – atendendo necessidades específicas; II) Apoiar iniciativas de regularização fundiária destinada a população rural de baixa renda; III) Prevenção, mediação e resolução pacífica e justa de conflitos agrários, mantendo permanente diálogo com órgãos do Estado, da União, população em geral, organizações de direitos humanos, associações representativas, movimentos sociais, etc. – especialmente em casos de reintegração de posse com ou sem participação da força policial; IV) Acompanhamento e monitoramento de conflitos fundiários com ênfase em denúncias de ameaça integridade física e à vida e outras práticas criminosas. Este último tópico desdobra-se em A) Acompanhamento das deliberações da Comissão de Combate à Violência no Campo – com designação pela Procuradoria-Geral da Justiça do Procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto como representante do Ministério Público Estadual; e B) Monitorar o cumprimento das recomendações da Comissão e da Corte Interamericanas de Direitos Humanos em relação a condenações do Estado do Paraná.
1MACHADO, Brasil Pinheiro et. al. “'Nota prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno”. Boletim do Departamento de História. Curitiba: UFPR, n.º 7, 1968. Como professor do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná orientou diversas dissertações sobre história agrária no Paraná e foi por vários anos diretor do Departamento de História.
2PARANÁ. Comissão Estadual da Verdade Teresa Urban. Graves Violações de Direitos Humanos contra Povos Indígenas e Graves Violações de Direitos Humanos no Campo, disponíveis em http://www.forumverdade.ufpr.br/blog/2014/12/09/acesse-aqui-o-relatorio-final-da-comissao-estadual-da-verdade-do-parana-teresa-urban/, acesso em 13/07/2016. Esta Comissão foi instituída por decreto da Assembleia Legislativa do Paraná o qual foi sancionado pelo Governador Carlos Alberto Richa na Lei 17362/2012, disponível em http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=82345. Para informações sintetizadas consultar “Comissão Estadual da Verdade do Paraná entrega Relatório final de trabalho ao Governador do Estado”, disponível em http://www.justica.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=1225, acessado em 29/08/2016.
3As violações ocorridas nesta década foram objeto de denúncias feitas contra o Estado do Paraná por entidades nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos – CPT, CNBB, Rede de Advogados Populares, Américas Watch, Mães da Praça de Maio. SALLES, Jefferson de Oliveira. “João José Zattar S.A.: disputas sociais, legitimidade, legalidade”. p. 295-238. In: PORTO, Liliana (org.), SALLES, Jefferson de Oliveira Salles (org.); MARQUES, Sônia Maria dos Santos (org.). “Memórias dos povos do campo no Paraná – centro sul”. Instituto de Terras Cartografia e Geociências/Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Curitiba, 2013. Disponível em http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/versaoweb.pdf., acessado em 12/08/2016.
4Referentes as mortes dos trabalhadores rurais Diniz Bento da Silva (ocorrida em 1993), Sebastião Camargo Filho e Sétimo Garibaldi (ambas em 2009). Além destes casos, condenação pela “interceptação e monitoramento ilegal das linhas telefônicas” de Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becker, Pedro Alves Cabral, Celso Aghinoni e Eduardo Aghinoni (em 1999), todos os seis membros das organizações Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (COANA) e Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais (ADECON). Os relatórios e as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos estão disponíveis em nosso site, acesso em 13/07/2016.
5Comissão Pastora da Terra: “Assassinatos no campo batem novo recorde e atingem maior número desde 2003”. Disponível em https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/4319-assassinatos-no-campo-batem-novo-recorde-e-atingem-maior-numero-desde-2003
6Jornal O Globo de em 09/01/15: “Concentração de terra cresce e latifúndios equivalem a quase três estados do Sergipe” (disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/concentracao-de-terra-cresce-latifundios-equivalem-quase-tres-estados-de-sergipe-15004053#ixzz4K8sMPtL9, acessado em 01/06/16.
7BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade.” Art. 5o, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [….] XXII - é garantido o direito de propriedade [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”. Estatuto da Terra (Lei 4504/964): Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. § 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem. Lei 8.629/1993, Regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos a Reforma Agrária: “Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. § 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de eficiência nas explorações especificadas nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta lei. § 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. § 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. § 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais. § 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel”.
8BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 129. “São funções institucionais do Ministério Público: […] II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
9PARANÁ. Lei Complementar Estadual nº 85/1999, arts. 8º: “São órgãos auxiliares do Ministério Público: […] III - os Centros de Apoio Operacional.” Art. 74: “Os Centros de Apoio Operacional, com âmbito estadual de atuação, são órgãos auxiliares da atividade funcional do Ministério Público.”. Art. 75: “Os Centros de Apoio Operacional poderão ser instituídos e extintos por ato do Procurador-Geral de Justiça, possuindo, dentro das respectivas áreas de atuação, as seguintes atribuições I - apresentar ao Procurador-Geral de Justiça propostas e sugestões para: a Art. 76: “O Procurador-Geral de Justiça designará membros do Ministério Público para atuar em cada Centro de Apoio Operacional, bem como o seu Coordenador, dentre Procuradores de Justiça. § 1º. Além da direção caberá ao Coordenador, por delegação do Procurador-Geral de Justiça: I - representar o Ministério Público nos órgãos afins perante os quais tenha assento, cabendo-lhe, especificamente, a representação da Instituição em segundo grau nas ações coletivas propostas pelas Promotorias Especiais de sua respectiva área; II - manter permanente contato e intercâmbio com entidades públicas ou privadas que, direta ou indiretamente, dediquem-se ao estudo ou à proteção dos bens, valores ou interesses que lhe incumbe defender. §2º. Para os efeitos das atribuições previstas no inciso I do parágrafo anterior, as intimações referentes aos processos respectivos deverão ser procedidas na pessoa do Procurador de Justiça designado, a quem estará afeta a atividade recursal. § 3º. Estagiários do Ministério Público poderão ser designados para atuar junto aos Centros de Apoio Operacional. Seção IV Do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional Art. 77. O Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional visa o aprimoramento cultural e profissional dos membros da Instituição, de seus auxiliares e funcionários, bem assim a melhor execução de seus serviços e racionalização do uso de seus recursos materiais, incumbindo-lhe: I - instituir: a Art.78: “A Procuradoria-Geral de Justiça poderá firmar convênios com entidades culturais ou de ensino jurídico para a realização das atividades referidas no artigo anterior”. Art. 79: “O Procurador-Geral de Justiça fixará a gratificação, por hora-aula ministrada, até o limite de cinco por cento do subsídio básico respectivo, aos membros do Ministério Público que integrarem os cursos instituídos”. Disponível em https://mppr.mp.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2023-01/lom_020212.pdf, acesso em 13/06/2016.