STF declara inconstitucional Lei de Rondônia que proibia a adoção da linguagem neutra 15/02/2023 - 14:39
No âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7019, de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucional a Lei nº 5.123/2021 que proibia o uso de linguagem neutra na grade curricular, bem como em materiais didáticos de instituições de ensino públicas ou privadas e em editais de concursos públicos, a pretexto de que criar “medidas protetivas ao direito dos estudantes do Estado de Rondônia ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino”.
Nessa ação, inicialmente o Ministro Edson Fachin, Relator dos autos, deferiu o pedido liminar de suspensão da lei sob o argumento de inconstitucionalidade formal, fundamentando que a União possui competência de legislar sobre as diretrizes e normas gerais de ensino, razão por que editou a Lei nº 9.394/1996. O Ministério da Educação, por sua vez, fixou os Parâmetros Curriculares Nacionais voltados à valorização das diferentes variedades do Português, aprovados pela União. O Ministro pontuou que tais parâmetros estabelecem “como objetivo para o ensino da língua portuguesa o conhecimento e a valorização das diferentes variedades do Português, a fim de combater o preconceito linguístico. Além disso, é também objetivo de todos os responsáveis pela educação promover o reconhecimento e a valorização da linguagem dos diversos grupos sociais, porque instrumento para a comunicação cotidiana. Sendo esses os parâmetros nacionais, é fácil reconhecer que a norma impugnada, ao proibir determinado uso da linguagem, atenta contra as normas editadas pela União, no legítimo exercício de sua competência privativa, já que, a pretexto de valorizar a norma culta, ela acaba por proibir uma forma de expressão”.
No julgamento definitivo do caso, em sessão virtual iniciada em 03 de fevereiro do ano corrente e finalizada no dia 10 de fevereiro, o Voto do Relator, acompanhado pelos demais Ministros, manteve a referida linha de entendimento, concluindo pela existência de vício formal que maculou a norma de inconstitucionalidade. Fixou, pois, a Suprema Corte a seguinte tese: “Norma estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União".
Nota do CAOPJDH sobre o tema: leis que reproduzam esse conteúdo incorrem em “discriminação indireta”, conceito consagrado com peso de emenda constitucional previsto no artigo 1.2 da Convenção Interamericana Contra o Racismo, que é a que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos. De acordo com o princípio da igualdade efetiva e da não discriminação, verifica-se impacto discriminatório dessas medidas, mesmo quando soam imparciais em sua formulação ou são medidas de alcance geral e não diferenciado. A CIDH segue nessa direção, identificando o potencial impacto discriminatório e desproporcional que a existência de normas, ações ou políticas aparentemente neutras pode ter sobre um grupo de pessoas.1
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1 CIDH. Justicia juvenil y derechos humanos en las Américas. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 78. 13 julio 2011, párr. 103; CIDH. Hacia la garantía efectiva de los derechos de niñas, niños y adolescentes: Sistemas Nacionales de Protección. OEA/Ser.L/V/II.166 Doc. 206/17. 30 noviembre 2017, párr. 300.