STF Afasta a Aplicação do Acordo de Não Persecução Penal aos Crimes Raciais. 07/02/2023 - 15:02
Em data de 06 de fevereiro de 2023, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 2225599, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por três votos a dois, afastou a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal também aos crimes raciais (tanto a injúria racial, disposta no art. 140, §3º do Código Penal, quanto os delitos previstos na Lei nº 7.716/89)
De se ressaltar os seguintes trechos do voto do E. Relator, Min. Edson Fachin: “(...) A construção e o efetivo alcance de uma sociedade fraternal, pluralista e sem preconceitos, tal como previsto no preâmbulo da Constituição Federal, perpassa, inequivocamente, pela ruptura com a práxis de uma sociedade calcada no constante exercício da dominação e do desrespeito à dignidade da pessoa humana. A promoção do bem de todos, aliás, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal de 1988. Assim, a delimitação do alcance material para a aplicação do acordo “despenalizador” e a inibição da persecutio criminis exige conformidade com o texto Constitucional e com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro internacionalmente, como limite necessário para a preservação do direito fundamental à não discriminação e à não submissão à tortura – seja ela psicológica ou física -, e ao tratamento desumano ou degradante, operada pelo conjunto de sentidos estereotipados que circula e que atribui não apenas às mulheres mas também às pessoas negras posição inferior, numa perversa hierarquia de humanidades (…) A ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância reafirma a decisão do Estado brasileiro de reprimir de forma mais severa o racismo , em consonância, aliás, com a nossa Constituição Federal, que inibiu a concessão de fiança e a aplicação do instituto da prescrição aos crimes motivados por discriminação racial. (…) Nesta ocasião, em que delimitamos o alcance material para a aplicação do acordo “despenalizador”, para fins de inibir a persecução penal, a interpretação conforme a Constituição constitui baliza e limite necessários para a preservação do direito fundamental à não discriminação racial, operada pelo conjunto de sentidos estereotipados que circula e atribui às pessoas negras posição inferior numa perversa hierarquia de humanidades. (...)A desconsiderar a necessária proteção dessa população inegavelmente vulnerável, referida política criminal “despenalizadora” finda por reverberar no reconhecimento de que o malferimento a determinados bens jurídicos, ainda que penalmente protegidos, não se constituem de status suficiente a conclamar maior rigor da repressão estatal – o que, como visto, é exatamente o oposto do que exige o texto constitucional e os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro internacionalmente. Ainda que, até o momento, sob o ponto de vista quantitativo, os crimes raciais sejam punidos com reprimenda que se adequa aos requisitos objetivos à apresentação de proposta de acordo de não persecução, os bens jurídicos protegidos, a dignidade e a cidadania racial não podem constar de objeto de qualquer negócio jurídico, sob pena de a pedagogia inserida na construção do processo de redução das desigualdades raciais perder seu norte substancial: o de aniquilar qualquer significação das pessoas negras como inferiores ou subalternas. “Despenalizar” atos discriminatórios raciais, nesta quadra da história, é contrariar o esforço - já insuficiente - para a construção da igualdade racial, levada a cabo na repressão de atos fundados em desprezíveis sentidos alimentados, diariamente, por comportamentos concretos e simbólicos reificadores de pessoas negras. (...)”(grifos nossos)
O entendimento exposado por ocasião do voto do Min. Edson Fachin no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 2225599 vai de encontro com o adotado por esse Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos que, por intermédio do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial, já no ano de 2021, expediu a Nota Técnica nº 01/2021, para fins de orientar os membros do Ministério Público do Estado do Paraná no sentido de deixar de aplicar o Acordo de Não Persecução Penal nos casos de discriminação racial da Lei nº 7.716/89 e de injúria racial do artigo 140, § 3º, do Código Penal, inclusive em relação aos casos de LGBTIfobia (racismo social).
Acesse a íntegra da decisão do relator:
https://docs.google.com/document/d/1FE8RW7a04UyR3128PG178KcdYedyHVR6N33N49nLKbE/edit
Acesse a Nota Técnica n° 01/2021:
https://docs.google.com/document/d/1ySMkSzottfbT9OehwBetsKZuWJX4ONBqitzdImABDSY/edit