Repercussões jurídicas oriundas dos conceitos de “identidade de gênero” e “ideologia de gênero” e o papel do MP 25/01/2022 - 14:40

O Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, distinguiu as categorias gênero, sexo e orientação sexual, afirmando que qualquer pessoa merece igual respeito e consideração, não podendo se reduzir o debate sobre a consciência de gênero a meras teorias sociais como a suposta ideologia de gênero.

No âmbito jurídico, é seguro afirmar que o direito à autodeterminação do próprio gênero e à definição da orientação sexual decorrem não apenas da dignidade da pessoa humana, que constitui fundamento da República Federativa do Brasil, conforme artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e do objetivo fundamental da República previsto no artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, como também encontram respaldo no direito internacional dos direitos humanos.

Nesse sentido, vale mencionar a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, recentemente internalizada pelo Brasil com peso de emenda constitucional, que em seu artigo 1.3 conceitua intolerância como “um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade, características, convicções ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias. Pode manifestar-se como a marginalização e a exclusão de grupos em condições de vulnerabilidade da participação em qualquer esfera da vida pública ou privada ou como violência contra esses grupos.”

De acordo com o documento internacional intitulado Princípios de Yogyakarta “todas as pessoas têm o direito de desfrutar de todos os direitos humanos livres de discriminação” (princípio 2), bem como  possuem “o direito de constituir uma família, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero” (princípio 24). Nessa perspectiva, devem os Estados: “Assegurar que leis e políticas reconheçam a diversidade de formas de família, incluindo aquelas não definidas por descendência ou casamento e tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para garantir que nenhuma família possa ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer de seus membros, inclusive no que diz respeito à assistência social relacionada à família e outros benefícios públicos, emprego e imigração” (princípio 24, letra b).

Em relação especificamente à educação com perspectiva de gênero, é importante lembrar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recentemente, no seu Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, advertiu que se trata de “uma ferramenta essencial para combater a discriminação e a violência contra mulheres e pessoas com diversas orientações sexuais e identidades de gênero”, bem como se constitui um conceito que busca “tornar visível a posição de desigualdade e subordinação estrutural das mulheres aos homens devido ao seu gênero”¹.

A Comissão Interamericana, no mesmo documento, anotou expressamente que o Brasil tem a obrigação de adotar medidas específicas para modificar os padrões socioculturais de comportamentos heteronormativos, incluindo o desenho de programas educacionais formais e não formais para combater preconceitos, costumes e todos os tipos de práticas baseadas na premissa da inferioridade das mulheres ou de outros grupos historicamente discriminados por causa de sua diversidade sexual ou identidade de gênero.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), na mesma direção, na sua paradigmática Orientação Consultiva nº 24/2017, reconhece que as pessoas LGBTI+ geralmente sofrem de discriminação sob a forma de preconceito, estigma e exclusão social, que permeiam os espaços da educação, a pretexto de “proteção da cultura, religião e tradição". Logo, a juízo da Corte IDH, é obrigação dos Estados erradicar essas práticas, cultivando um sentido de empatia pela orientação sexual e a identidade de gênero como parte inerente de toda pessoa, convidando-nos “a reavaliar o conteúdo educativo e os livros didáticos, bem como desenvolver ferramentas e metodologias pedagógicas para promover uma mentalidade aberta e o respeito pela diversidade biológica dos seres humanos."

Cabe mencionar, ainda, as múltiplas decisões do STF sobre a inconstitucionalidade da vedação de políticas de ensino a respeito das categorias jurídicas do gênero e da orientação sexual. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu, no dia 08 de maio de 2020, no julgamento da ADPF 526, pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do § 5º, do art. 162, da Lei Orgânica do Município de Foz do Iguaçu, acrescido pela Emenda n. 47/2018. 

O dispositivo  vedava “em todas as dependências das instituições da rede municipal de ensino a adoção, divulgação, realização ou organização de políticas de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa, ou ainda atividades culturais” que tendessem  a aplicar a “ideologia de gênero”, o termo gênero ou orientação sexual. A relatora, ministra Cármen Lúcia, salientou que o município contrariou o princípio da isonomia (caput do art. 5º, da Constituição da República). O voto do Ministro Alexandre de Moraes sustentou que o exercício da jurisdição “baseia-se na necessidade de respeito absoluto à Constituição Federal, havendo, na evolução das democracias modernas, a imprescindível necessidade de proteger a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, em especial das minorias”.

Em 29 de junho de 2020, o STF também reconheceu,  na ADPF 460, por unanimidade, a inconstitucionalidade do parágrafo único, do artigo 2º, da Lei nº 6.496/2015, do Município de Cascavel/PR,  que vedava a adoção de políticas de ensino que tendessem à aplicação da “ideologia de gênero”, utilizando o termo gênero ou orientação sexual.

Em outro julgamento, especificamente no âmbito da ADPF 457,  o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a Lei nº 1.516/2015, do município de Nova Gama - Goiás. O relator, Ministro Alexandre de Moraes, argumentou que a referida lei ofendeu a competência privativa da União de legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e violou os artigos 3º, IV, 5º, IX e 206, II e III da Constituição Federal.” Ainda, no voto, o relator afirmou o dever do Estado e das instituições de “proteger a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, em especial das minorias”, descumpridos por projetos e leis relacionadas à denominada “Escola Sem Partido”, por caminharem em sentido contrário aos princípios da igualdade e da promoção do bem de todos e todas. Tais iniciativas normativas enfraquecem “ainda mais a fronteira entre heteronormatividade e homofobia” e aderem “à imposição do silêncio, da censura e, de modo mais abrangente, do obscurantismo como estratégias discursivas dominantes”, assinalou o Ministro Alexandre de Moraes.

No julgamento da ADPF 600, o Ministro Roberto Barroso reconheceu a inconstitucionalidade da Emenda à Lei Orgânica nº 55, de 14 de setembro de 2018, de Londrina, que incluiu o artigo 165-A, na referida Lei Fundamental do município. A mencionada norma vedava a “adoção, divulgação, realização ou organização de políticas de ensino, currículo, escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa, ou ainda atividades culturais que tendessem a aplicar a ideologia de gênero e/ou conceitos de gênero estipulado pelos Princípios de Yogyakarta”. 

O relator da ação asseverou que proibir no ensino a utilização de determinada expressão ou de se tratar de gênero viola expressamente o princípio da proteção integral devidamente assegurado pela Constituição Federal “às crianças e aos jovens”. Alegou que é na escola que se aprende a respeitar todos os seres humanos e  afirmou que “educar jovens sobre gênero integra tal regime especial de proteção porque é fundamental para permitir que se desenvolvam plenamente como seres humanos. Tratar de tais temas não implica pretender influenciar os alunos. [...] “Significa ajudá-los a compreender a sexualidade, as distintas identidades e protegê-los contra a discrminação e a violência”.

No mesmo sentido as decisões proferidas pela Suprema Corte no julgamento das ADIs 5537, 5580 e 6038 e ADPFs 461, 465 e 467, que reconheceram a inconstitucionalidade de leis que visavam à implementação da proposta referente à “Escola sem Partido”. De acordo com o Ministro Roberto Barroso, “não tratar de gênero e de orientação sexual no âmbito do ensino não suprime o gênero e a orientação sexual da experiência humana”. [...] “Apenas contribui para a desinformação das crianças e dos jovens a respeito de tais temas e para a perpetuação de estigmas e do sofrimento que deles decorre”.

No âmbito do Estado do Paraná, a proteção jurídica à orientação sexual e à identidade e expressão de gênero também têm sido reconhecida de modo contundente pelo nosso Tribunal de Justiça, entendendo que a ação estatal destinada a diminuir o âmbito de defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ viola o princípio constitucional da proibição de retrocesso. 

A ADI nº 0037272-46.2019.8.16.0000 resultou na declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 4.701/2019, de Foz do Iguaçu, que revogava a Lei nº 2.718/2002 do município. Esta última estabelecia penalidades administrativas contra a prática de discriminação em razão de orientação sexual. A decisão levou em consideração diversas regras da Constituição da República, entre elas as do artigo 3º, inciso IV, artigo 5º, inciso XLI e  artigo 227, caput. 

A Constituição Estadual também foi utilizada como parâmetro normativo, mais precisamente o disposto no artigo 1°, incisos I, II e III, que impõe aos “aos poderes constituídos a prevenção e a repressão de todas e quaisquer formas de discriminação, dentre as quais, sem sombra de dúvidas, inserem-se as baseadas na orientação sexual das pessoas ou em sua identidade de gênero”. No voto do Relator, Des. Fernando Prazeres, apontou-se que “em verdade, ao contrário do que afirmado na justificativa da revogação, o texto constitucional é explícito em atribuir à lei, e não exclusivamente à lei penal, o dever inarredável de punir a discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais”. Foi destacado também na decisão que a revogação da Lei nº 2718/2002 importou em indevido retrocesso social, violando “os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana; o dever constitucional de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e o mandamento constitucional sancionatório segundo o qual a lei deve punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. 

Ao enfraquecer a tutela da dignidade da população LGTBI+,  o referido conjunto normativo (a Lei nº 4.701/2019) desrespeitou a dimensão da proibição de proteção insuficiente e do princípio da proporcionalidade. Com base em tais argumentos, e também no fato de que, ao menos até 2012, apenas 79 cidades possuiam normativas de enfrentamento à discriminação motivada por identidade de gênero e orientação sexual, os Desembargadores da Órgão Especial do TJPR, por unanimidade de votos, julgaram procedente a ação,  restabelecendo a vigência da Lei nº 2.718/2002 e do Decreto nº 26522/2018 que a regulamentou,  em decorrência do efeito respristinatório.

Recentemente, o artigo 26, da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional - Lei nº 9394/2006, foi alterado para que passasse a contemplar como um dos conteúdos para currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, dentro da seara de direitos humanos, a prevenção de todas as formas de violência contra as mulheres, conforme redação conferida pela Lei nº 14.164, de 2021. Aliás, “o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher”, já constituía, desde 2006, uma das diretrizes orientadoras da política pública de proteção dos direitos da mulher, nos termos do artigo 8º, incisos VIII e IX, da Lei 11.340/2006 - Lei Maria da Penha.

Afora esse conjunto normativo, também é importante lembrar que o Estatuto da Juventude, Lei nº 12852/2013, determina, em seu artigo. 18, inciso VI, a inclusão nos “conteúdos curriculares, de temas relacionados à sexualidade, respeitando a diversidade de valores e crenças”.

Nesse contexto, assentada está a ilicitude de qualquer iniciativa no sentido de proibir agentes públicos de reconhecer e proteger os direitos inerentes a todas as pessoas em função da orientação sexual, bem como da identidade e expressão de gênero, pois, como já amplamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, 

“Vedar a adoção de políticas de ensino que tratem de gênero ou que utilizem tal expressão significa impedir que as escolas abordem essa temática, que esclareçam tais diferenças e que orientem seus alunos a respeito do assunto, ainda que a diversidade de identidades de gênero seja um fato da vida, um dado presente na sociedade que integram e com o qual terão, portanto, de lidar. [ADPF 600, rel. min. Roberto Barroso, dec. monocrática, j. 12-12-2019, DJE de 17-12-2019.]”.

No tocante à liberdade de expressão, direito de estatura constitucional a ser garantido a todas as pessoas, inclusive e em especial a docentes, oportuno traçar os seguintes apontamentos.

A liberdade de pensamento é consagrada na Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso IV, que assim dispõe: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O inciso IX, do mesmo artigo, preconiza que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Já o inciso XIV do dispositivo citado prevê que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. 

Finalmente, o artigo 220, também da Constituição Federal, consagra que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, ressaltando-se na redação de seu §2º, que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Estritamente sobre a educação, prevê a Constituição Federal, em seu artigo 206, que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:  I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;  II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”.

Já a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei nº 9394/2996), em seu artigo 3º, incisos I, II e III, reproduz o conteúdo dos incisos citados do artigo 206, da Constituição da República, além de destacar a importância dos princípios de “respeito à liberdade e apreço à tolerância” (inciso IV, artigo 3º), bem como de “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (inciso XI, artigo 3º), para o efetivo desenvolvimento do educando.

Nessa perspectiva, por meio da Nota Técnica nº 30, de 23 de novembro de 2018, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público do Estados e da União (CNPG) apontou a inconstitucionalidade de propostas legislativas conhecidas como "Escola Livre”, por confrontar os princípios da liberdade de pensamento e do ensino, do pluralismo de ideias, além da gestão democrática do ensino público.

Importante registrar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ao analisar a situação do Brasil, concluiu que o Projeto de Lei nº. 7180/2014, que visa a implementar o programa “Escola sem partido”, possui um grande potencial de violar o artigo 13.2, do Protocolo de San Salvador, que apresenta o seguinte conteúdo :

“Os Estados Partes neste Protocolo convêm em que a educação deverá orientar‑se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz.  Convêm, também, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz”.

Nesse sentido, a CIDH recomendou que o Estado brasileiro discuta as mudanças na educação com os pais das crianças e adolescentes, bem como com os educadores, buscando “capacitar todas as pessoas a participarem efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, alcançar uma subsistência digna, promover compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover atividades em favor da manutenção da paz”. Demonstrou, também, preocupação com a garantia da educação em direitos humanos em contexto de perseguição e monitoramento social a partir dos preceitos defendidos pelos projetos da “Escola sem Partido”. A compreensão de tais indicações é fundamental para o fortalecimento, pois, da democracia e mesmo do respeito à dignidade da pessoa humana..

No âmbito interno, o Supremo Tribunal Federal reputou inconstitucional a vedação à discussão sobre questões de gênero no âmbito escolar. Asseverando de modo expresso o dever estatal de promover políticas públicas de igualdade e não discriminação, a Corte Constitucional estabeleceu que

“a ausência de debate sobre questões envolvendo sexo e gênero não equivale à suposta neutralidade sobre o assunto. Na verdade, reflete uma posição política e ideológica bem delimitada, que opta por reforçar os preconceitos e a discriminação existentes na sociedade. Ademais, não há estudos científicos ou dados estatísticos que sustentem a posição que a discussão sobre essas questões estimule ou promova a adoção de comportamentos denominados “erráticos” ou “desviantes”, de acordo com uma pauta de valores tradicionais. (...) Por outro lado, as normas legais que estabelecem a discussão sobre questões de gênero e sexualidade nas escolas estimulam os valores do pluralismo, da tolerância, compreensão e empatia, contribuindo para que atos de violência e discriminação contra minorias sejam superados.” ([ADPF 467, voto do rel. min. Gilmar Mendes, j. 29-5-2020, P, DJE de 7-7-2020.] = ADPF 526, rel. min. Cármen Lúcia, j. 11-5-2020, P, DJE de 3-6-2020).

Logo, levando-se em conta especialmente que o sistema educacional é espaço de preparo para o exercício da cidadania, não há como impedir que professores tratem destes assuntos em sala de aula, sobretudo por meio de lei, pois tal conduta violaria a liberdade de expressão protegida em documentos internacionais de direitos humanos e na Constituição Federal, caracterizando odiosa censura prévia e desqualificando o necessário debate sobre tema da realidade, pertinente à consciência de gênero, em razão de mera teoria social sem respaldo técnico: a assim chamada ideologia de gênero. 

No mais, é inegável a atribuição do Ministério Público de fiscalizar e promover respeito à ordem jurídica e ao regime democrático frente a tentativas de vedação, no sistema educacional, da adoção de políticas pedagógicas sobre tais temáticas. 

Por meio de Ofício Circular n. 98/2019, emitido por este CAOPJDH,  restou destacada a importância das unidades do Ministério Público, respeitada a independência funcional, adotarem medidas administrativas ou judiciais quanto a essas práticas ilícitas, como, por exemplo, a formulação de recomendação às instituições públicas de ensino básico e superior no sentido de que se abstenham de qualquer sanção arbitrária que importe violação aos princípios constitucionais da educação, repelindo formas de assédios moral em face de  professores, estudantes, servidores, familiares ou demais responsáveis.

Importante registrar que, a grosso modo, a atuação do Ministério Público pode se desenvolver em dois campos: o criminal e o cível. Na esfera penal, ressalte-se que, em junho de 2019, as condutas LGBTIfóbicas foram reconhecidas como criminosas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos termos da Lei 7.716/1989 (em especial, no seu art. 20), a partir do conceito de “racismo social”. Isso se explica com base em interpretação de que o racismo não se limita a aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, sendo produto de uma construção histórica e cultural pautada no objetivo de justificar a desigualdade, inclusive contra pessoas com diversas identidades de gênero e orientações sexuais. 

Já na seara cível, o Ministério Público pode celebrar termos de ajustamento de conduta com os responsáveis pela veiculação de informações contra leis existentes e projetos de lei com conteúdo pró-comunidade LBGTI+, expedir recomendações administrativas aos órgão públicos responsáveis pela fiscalização urbanística para que removam o conteúdo ilícito² e ajuizar ações civis públicas para impedir a ocorrência de danos decorrentes dos citados ilícitos ou para removê-los, bem como para buscar a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados à honra e à dignidade de grupos raciais, nos termos da Lei de Ação Civil Pública, em especial no seu artigo 1º, inciso VII. 

Ante o exposto, o direito à autodeterminação do próprio gênero e à definição da orientação sexual, bem como o direito à liberdade de expressão e de ensino da mesma maneira que são constitucional e convencionalmente assegurados, devendo ser observados e respeitados, não apenas pelas instituições de ensino, mas também por todos os segmentos da sociedade.


¹Situacao-dos-direitos-humanos-no-Brasil-Relatorio-da-Comissao-Interamericana-Institucionalidade-democratica-e-de-direitos-humanos.html

²Conforme previsão expressa do artigo art. 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 8.625/1993.