Importante precedente LGBTI+ - Justiça condena União por danos morais decorrentes de desrespeito à identidade de Gênero de militar trans 31/01/2022 - 10:18
A 1ª Vara Federal da Comarca de Corumbá (TRF3) emitiu interessantíssimo precedente no dia 24 de janeiro de 2022, reagindo a pedido de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, em decorrência da imposição discriminatória direcionada a militar transgênera, obrigando-a a seguir "padrões masculinos” de apresentação física.
A decisão destacou o direito à igualdade (Art. 5º, caput, da Constituição Federal) e o mandamento proibitivo de discriminação, ancorado na Constituição Federal ( art. 3º, IV) e em tratados internacionais, tais como: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todos as formas de Discriminação Racial, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989 e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.
Este CAOPJDH lembra, ainda, que as Convenções Interamericanas Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância e Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância dispõem normas em sentido antidiscriminatório similar.
Destacou o Juiz que o “Direito da Antidiscriminação não pode ser pensado apenas como um mecanismo de garantia do princípio da igualdade de um ponto de vista formal ou material. Como explica Adilson José Moreira, estas categorias tradicionais do discurso jurídico não dão mais conta de enfrentar as desigualdades estruturais que fundamentam os processos de exclusão na sociedade brasileira, em especial grupos vulneráveis. Neste sentido, qualquer ideal antidiscriminação deve ir além da mera proibição de atos arbitrários, devendo ser concebido como "um projeto social que pretende expandir a prática democrática por meio da promoção de medidas inclusivas e da construção de uma cultura social baseada no reconhecimento de todos como atores que podem atuar de forma competente no espaço público (Tratado de Direito Antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 41)”.
Ainda, citou os Princípios de Yogyakarta (Yogyakarta, 2006), o direito ao respeito à identidade de gênero e à retificação do prenome e do gênero no registro civil, sem necessidade de prévia cirurgia de redesignação sexual, nos termos do julgamento da ADI 4275/STF e RE 670.422, bem como a Opinião Consultiva 24/2017, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Nessa perspectiva, apontou o juízo que os “direitos fundamentais, em especial a dignidade da pessoa humana, são indissociáveis da identificação de gênero. Se o indivíduo for tolhido, em qualquer das esferas sociais que participa (família, trabalho, religião), de portar-se de acordo com seu senso corporal, não estará exercendo sua humanidade na totalidade, tampouco lhes serão plenos os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, caso tenha que optar, por exemplo, entre sua identificação de gênero e o trabalho”.
A sentença destacou que é irrelevante se ocorreu alteração no nome civil ou não para a observância da identidade de gênero, especialmente considerando que o Decreto nº 8.727/16 já reconheceu o direito ao uso do nome social e respeito à identidade de gênero no âmbito da administração pública federal.
Diante disso, reconheceu a ocorrência de danos morais, concretizada devido ao impedimento de se apresentar publicamente conforme a sua identidade de gênero. Condenou-se a União ao pagamento de R$ 80.000,00 por danos morais, além de determinar à Marinha que autorize o uso de uniformes e cabelos nos moldes femininos, bem como o uso do nome social em documentos administrativos e de identificação pessoal.
Segue a íntegra do precedente referido:
https://drive.google.com/file/d/1jDq6GpZ_tllWuVBVKx9Eq2iaJZcA8FZj/view?usp=sharing