Caso Brítez Arce e Outros vs. Argentina: Corte IDH condena país por violência obstétrica 24/01/2023 - 17:26
Em 18 de janeiro de 2023, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu um comunicado no qual informava que, no caso Brítez Arce e outros Vs. Argentina, declarou o Estado argentino responsável pela violência obstétrica e pela morte de Cristina Brítez Arce, a qual estava grávida quando de seu falecimento.
O caso é sobre Cristina Brítez Arce, que era uma mulher de origem paraguaia, que possuía 38 anos e estava com mais de 40 semanas de gestação no momento de sua morte. A senhora Britez Arce também era mãe dos adolescentes Ezequiel Martín Avaro e Vanina Verónica Avaro, que possuíam 15 e 12 anos, respectivamente, na época. Durante a gravidez, ela procurou, por diversas vezes, atendimento no sistema de saúde argentino, por conta da existência de alguns fatores de risco gestacionais, como hipertensão arterial, todavia, não foi devidamente atendida como uma paciente de alto risco.
No dia 1° de junho de 1992, a senhora Brítez Arce foi ao Hospital Público Ramón Sardá por conta de dores lombares, febre e pouca perda de líquido pelos órgãos genitais, de modo que, após a realização de uma ecografia, foi indicado que o feto estava morto. Dessa forma, em seguida ela foi internada para que fosse feita a indução do parto. O trabalho de parto durou das 13:45h até às 17:15h, sendo que durante esse tempo, a senhora Cristina teve de aguardar por duas horas em uma cadeira. Após, conforme informações da certidão de óbito, às 18 horas do mesmo dia, Cristina Brítez Arce faleceu devido a uma parada cardiorrespiratória não traumática. Posteriormente, quanto à morte da senhora Brítez Arce, foram instaurados três processos penais e um civil, que foram todos julgados improcedentes, sendo apresentados, no âmbito desses, dez relatórios periciais.
Na sentença, de 16 de novembro de 2022, a Corte Interamericana reiterou que a violência obstétrica “abrange todas as situações de tratamento desrespeitoso, abusivo, negligente ou negação de tratamento, durante a gravidez e na fase anterior, e durante o parto ou puerpério, em centros de saúde públicos ou privados”. Por conta disso, entendeu que a Argentina seria responsável pelas violações dos direitos à vida, à integridade pessoal e à saúde (artigos 4.1, 5.1 e 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) em prejuízo da Sra Brítez Arce.
Isso, porque, dentre outros argumentos, a Corte IDH considerou que ela se encontrava em uma condição de especial vulnerabilidade, não apenas por estar grávida, mas também por apresentar diversos fatores de risco - como sua idade, histórico de hipertensão arterial e aumento significativo de peso durante a gestação - aos quais não se deram a devida atenção médica e que até por conta disso não foram informados à paciente. Dessa maneira, a Sra Cristina não obteve um tratamento médico adequado e especializado durante sua gestação e no momento do parto. Ademais, ela permaneceu três horas em trabalho de parto de um feto morto.
No que tange aos direitos à integridade pessoal, proteção à família, direitos da criança, garantias judiciais, e proteção judicial (artigos 5.1, 17.1 e 19 combinados com o artigo 1.1, todos da Convenção Americana) dos filhos da Sra. Brítez Arce, a Corte IDH considerou que também foram violados. Esse reconhecimento da Corte se deve ao fato de que as crianças padeceram de muito sofrimento e angústia por conta da morte da mãe, a qual era a principal responsável pelos cuidados prestados aos menores de idade. Outrossim, a morte da genitora das crianças alterou significativamente suas vidas e a construção de suas identidades, vez que constantemente mudavam de residência e que foram separados após o falecimento da mãe, passando a morar com familiares diversos e mantendo pouco contato um com o outro nos anos subsequentes.
Vale mencionar que o Estado argentino reconheceu sua responsabilidade internacional no referido caso, concordando expressamente com os fatos e violações de direitos humanos apresentados. Diante disso, a Corte IDH valorizou a iniciativa do Estado, bem como destacou a importância desse ato, contudo também ressaltou que a tutela internacional dos direitos humanos possui caráter de ordem pública e transcende a vontade das partes, de modo que mesmo com reconhecimento da responsabilidade, a sentença deveria ser proferida para verificar as reais circunstâncias do caso concreto e garantir a justa reparação das vítimas, prevenção de repetição de casos semelhantes e satisfação dos fins da jurisdição interamericana.
Nesse ponto, destaca-se também que a Corte IDH condenou a Argentina pela violação do artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em relação aos filhos da senhora Cristina Brítez Arce, Ezequiel Martín Avaro e Vanina Verónica Avaro, para os acontecimentos ocorridos a partir de 5 de julho de 1996, conforme declarado na parte de pontos resolutivos da sentença.
No tocante às reparações, a Corte estabeleceu que a sentença, por si só, já constituía uma forma de reparação, além de ordenar outras medidas como o pagamento de um valor em dinheiro aos filhos da senhora Brítez Arce para despesas com tratamento psicológico e/ou psiquiátrico; o pagamento de indenizações compensatórias por danos materiais e morais, além de custas e gastos; a publicação do resumo da sentença no Diário Oficial e em meio de comunicação de ampla circulação nacional, bem como a integridade da sentença nos sites das autoridades estaduais. Por fim, destaca-se que, visando a garantia de não-repetição, a Corte determinou a elaboração, por parte do Estado, de uma campanha de divulgação e conscientização sobre os direitos relacionados com a gravidez, atendimento de saúde humanizado, trabalho de parto, puerpério e situações que podem configurar casos de violência obstétrica.
Para maiores informações, acesse a sentença do caso: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_474_esp.pdf.
Comunicado da Corte Interamericana: dzhttps://www.corteidh.or.cr/docs/comunicados/cp_02_2023_port.pdf.
Resumo oficial da sentença: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/resumen_474_esp.pdf.