Aparte Eletrônico 20

Aparte eletrônico nº 20

 

 

Caro(a) Colega:

 

 

 

 

 

          Cumprimentando-o, nesta semana remetemos um artigo sobre ‘A Quesitação no Júri do Erro de Tipo Permissivo’, de autoria do Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso, Dr. João Batista de Almeida, que foi publicado na Revista Jurídica do Ministério Público, Publicação Semestral do Ministério Público de Mato Grosso, vol. 1 – nº 1 – julho/dezembro de 2006, Cuiabá, podendo o texto se prestar a uma reflexão e, eventualmente, gerar sugestões valiosas para partilharmos entre todos os colegas, pois a maioria dos doutrinadores leciona que os quesitos da legítima defesa putativa devem ser formulados com base nos da legítima defesa real.

 

 

 

 

 

            Um forte abraço, 

 

 

 

 

 

CENTRO DE APOIO DAS PROMOTORIAS DO JÚRI

 

 

 

 

 

EDILBERTO DE CAMPOS TROVÃO PROCURADOR DE JUSTIÇA COORDENADOR

 

 

PAULO SERGIO MARKOWICZ DE LIMA PROMOTOR DE JUSTIÇA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A quesitação no júri do

 

 

erro de tipo permissivo

 

 

 

 

João Batista de Almeida

 

 

Procurador de Justiça/MT

 

 

 

 

 

 

 

 

Súmario: 1. Natureza jurídica do erro de tipo permissivo. Erro sui generis . 2. Erro excludente da culpabilidade. 3. Sua quesitação no júri . Bilbliografia

 

 

 

 

Palavras-chaves: erro de tipo permissivo, legítima defesa putativa

 

 

 

 

 

 

1 . Natureza jurídica do erro de

 

 

tipo permissivo. Erro sui generis

 

 

 

 

 

 

Tema dos mais controvertidos tem sido a votação, no júri, das denominadas descriminantes putativas, também chamadas descriminantes putativas fáticas ou erro de tipo permissivo, previstas no art. 20, § 1o, do Código Penal, mormente quando concernente à legítima defesa putativa.

 

         Dispõe o § 1o do art. 20 do Código Penal: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.

 

 

         Trata, portanto, o referido dispositivo do erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação.

 

 

         Segundo o saudoso Francisco de Assis Toledo:

 

 

 

 

(...) a divergência irremovível entre a teoria estrita e a limitada (da culpabilidade) está no tratamento do erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, para a primeira erro de proibição, para a segunda uma espécie anômala de erro (erro de tipo permissivo), que produz os mesmo efeitos do erro sobre elemento do tipo, ensejando, portanto, o aparecimento da modalidade culposa.(1)

 

 

 

 

         A redação e a disposição topográfica desse parágrafo têm dado causa a grande polêmica doutrinária, tanto que alguns doutrinadores, como Luiz Flávio Gomes assim como Jescheck(2), afirmaram ser essa modalidade de erro sui generis, situado entre o erro de tipo e o erro de proibição indireto(3), ou como aduz Cezar Roberto Bittencourt, “uma terceira espécie de erro, um misto de erro de tipo e erro de proibição indireto”(4).

 

 

Destarte, como preleciona Paulo José da Costa Jr.,

 

 

 

 

          O erro sobre as descriminantes putativas não deveria ter sido previsto no § 1o do art. 20, como se se tratasse de uma subespécie de erro de tipo, quando na realidade não o é. Inadequada sua colocação topográfica, já que as descriminantes em foco configuram um tertium genus de erro, que se situa entre o de tipo e o de proibição (...) Como entidade independente de erro, deveria estar colocado num dispositivo autônomo. Jamais como parágrafo de norma que agasalha em sua cabeça o erro de tipo, por não ser uma espécie deste.(5)

 

 

 

 

 

 

2. Erro excludente da culpabilidade

 

 

 

 

 

 

            O erro de tipo permissivo, pelo fato de o erro recair sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, como, v.g., a legítima defesa putativa, tem sido, principalmente na quesitação do júri, confundido com a causa de justificação real, como se fosse, no exemplo dado, uma legítima defesa verdadeira.

 

 

         Desse modo, consoante o magistério do saudoso Aníbal Bruno, no erro sobre causas putativas de justificação;

 

 

 

 

          O agente crê encontrar-se em situação que se realmente existisse excluiria o ilícito do seu ato, isto é, em situação que constitui causa de exclusão de antijuridicidade. (...) São as chamadas causas putativas de justificação. Estas na realidade nada têm a ver com as verdadeiras descriminantes. Nestas há uma situação de fato, objetiva, que autoriza o agente a agir como o faz, excluindo, assim a ilicitude da sua ação. Na chamada legítima defesa putativa ou estado de necessidade putativo, por exemplo, a situação justificante existe apenas na representação errônea do agente, não têm nenhuma realidade no mundo exterior. É uma miragem que se forma no seu espírito e o leva a agir em desencontro com a realidade. E daí resulta que na verdadeira justificativa deixa de haver crime (...) Na eximente putativa, há um fato punível, mas por ele não pesa responsabilidade sobre o agente, por ausência de culpabilidade, excluída por erro essencial que o faz crer na licitude do seu comportamento (...) A situação putativa de descriminante não exclui a ilicitude do fato, mas apenas o elemento subjetivo da culpabilidade em que supunha essa situação.(6)

 

 

 

 

 

 

Idêntico posicionamento é adotado por João Mestieri,

 

 

 

 

(...) Assim, o agente com a falsa representação de estar sendo ameaçado reage e mata alguém. Não podemos falar  in casu em legítima defesa verdadeira, mas sim, em putativa (...) Por não se tratar, em verdade, de uma situação de legítima defesa, não verá o agente excluída a ilicitude do seu comportamento, mas não incidirá sobre ele o juízo de culpabilidade. Contudo, se houve culpa no revidar a “agressão” (...) responderá o agente por delito por ação culposa...(7)

 

 

 

 

         É esse o entendimento que o sempre lembrado José Frederico Marques também adotava “As eximentes putativas excluem apenas a culpabilidade. Elas nada têm em comum com as justificativas reais, onde o que se exclui é a antijuridicidade do fato típico”.(8)

 

 

         O festejado mestre Alcides Munhoz Netto, acerca do tema, ministrava:

 

 

 

 

Há, entretanto, outra espécie de erro, penalmente relevante, que não se enquadra nem na categoria de erro de tipo, nem na de erro de proibição.Trata-se do erro sobre a exigiblidade de comportamento diverso, isto é, da falsa suposição de não exigibilidade de conduta adequada à norma. Por má percepção dos fatos, o autor acredita encontrar-se em situação que, se real, embora não tornasse lícito o seu procedimento, isenta-lo-ia de pena. É o que sucederia com uma putativa coação moral irresistível (v.g. toma a sério uma ameaça jocosa e pratica o crime para evitar o mal prometido). Não falta em tal hipótese, a representação da tipicidade: quem furta sob suposta coação moral irresistível, sabe que está a subtrair coisa alheia, pois opta pela prática de crime, para evitar o mal grave que imagina seriamente prometido. Também não está ausente a representação da antijuridicidade: o autor sabe que o fato supostamente imposto é ilícito, mas julga que não tem outra alternativa senão cometê-lo (...) A impossibilidade de situar a falsa suposição de não exigibilidade  de comportamento adequado à norma entre os erros de tipo ou entre os erros de proibição, leva à conseqüência de que existe uma terceira modalidade de erro: o erro de exigibilidade.Tal erro não incide sobre as características típicas ou sobre a ilicitude do comportamento; recai, sim, sobre um dos componentes da culpabilidade, isto é, sobre a exigibilidade de conduta adequada à norma, pressuposto do juízo de censura pessoal.(9)

 

 

 

 

Daí, o que se extrai é que, nas discriminantes putativas fáticas, ou, mais precisamente, no erro de tipo permissivo, por se tratar de erro sui generis, no qual se insere a estrutura do erro de tipo, e nas conseqüências o erro de proibição indireto(10), incide a exclusão de um dos elementos da culpabilidade (a consciência potencial da ilicitude(11) ou a exigência de conduta conforme ao Direito(12)), isentando o agente de pena, muito embora presentes a ilicitude da conduta e a tipicidade do fato.

 

 

 

 

Assim sendo, como acentua Cezar Bitencourt, “A conclusão inarredável a que se chega a essa altura é que o erro de tipo permissivo não exclui o dolo do tipo, que permanece íntegro. Apenas afasta a culpabilidade dolosa, se for evitável, e igualmente a culposa, se for inevitável”(13). De igual forma, conclui Luiz Flávio Gomes:

 

 

 

 

         O erro de tipo permissivo, segundo a moderna visão da culpabilidade (...) se invencível, destarte, exclui a culpabilidade dolosa, não o dolo, não restando nenhuma responsabilidade penal para o agente; se vencível o erro, o agente responde pela culpabilidade negligente (= pela pena do crime culposo, se previsto em lei), não pela pena do crime doloso, com a possibilidade de redução.(14)

 

 

 

 

 

 

3. Sua quesitação no júri

 

 

 

 

 

 

            Do exposto, conclui-se que, na quesitação no júri do erro de tipo permissivo, em especial no caso de alegada legítima defesa putativa, não há por que formular-se  os quesitos desta com formulações idêntica dos quesitos da legítima defesa real, conforme a previsão do art. 25 do Código Penal. Deve-se ater à decomposição do § 1o do art. 20, do CP, qual seja, a identificação do erro que levou o agente à suposição da situação fática de que haveria agressão à pessoa (ou de terceiro); a plausibilidade da conduta do agente, no sentido de que, se existisse a agressão à sua pessoa (ou de terceiro), seria permitida a sua conduta daquela forma e, por derradeiro, a averiguação da inevitabilidade ou evitabilidade da conduta diante da situação fática apresentada.

 

 

         Destarte, entendemos que a fórmula de quesitação que melhor atende à regra do § 1o do art. 20, do CP, é seguinte:

 

 

 

 

1o)O réu...., no dia..., por volta de... horas, no local..., produziu com.... (especificar o instrumento), na pessoa de...., as lesões descritas no laudo de exame  de corpo de delito de fls.?

 

 

          2o)Essas lesões...(quesito relativo à letalidade ou à tentativa, conforme o caso)?

 

 

3o)O réu..., em conseqüência de erro, pela circunstância de... (descrever a circunstância fática da qual resultou o erro), supôs achar-se diante de uma agressão à sua pessoa?

 

 

4o)Se existisse a agressão à sua pessoa, seria permitida a conduta do réu?

 

 

5o)O erro do réu era plenamente justificado (inevitável) pela circunstância descrita no terceiro quesito?

 

 

 

 

Deixamos, portanto, de usar o questionário até há pouco tempo por nós utilizado, e recomendado por alguns autores, na seguinte forma:

 

 

 

 

1o) quesito da autoria e da materialidade;

 

 

2o) quesito da letalidade ou da tentativa, conforme o caso.

 

 

3o) O réu..., em conseqüência de erro plenamente justificado pela circunstância de... (descrever a circunstância fática de que resultou o erro), supôs achar-se em face de uma à sua pessoa (ou agressão à terceira pessoa)?

 

 

4o) Se existisse a agressão à sua pessoa (ou à terceira pessoa), seria lícita a conduta do réu?

 

 

5o) O erro do réu derivou de culpa?

 

 

 

 

E, isso, em razão de, se respondido afirmativamente que o erro do réu era plenamente justificado pela circunstância fática, ficam excluídas as culpabilidades dolosa e culposa, e o réu estará absolvido; caso respondido negativamente, exclui-se a culpabilidade dolosa, mas pune-se pela culpabilidade culposa, como crime culposo, operando-se a desclassificação do crime; logo, tornam-se prejudicados os demais quesitos sobre a tese, sem que se pudesse indagar sobre a permissividade da conduta, caso existisse a agressão à pessoa do réu.

 

 

Como já aduzido, no sentido de que no erro de tipo permissivo exclui-se a culpabilidade e não a ilicitude, preferimos usar, no 4o quesito do exemplo dado, a expressão “permitida” ao invés de “lícita”, por entendê-la mais consentânea com o erro de tipo permissivo.

 

 

Como o erro de tipo permissivo não exclui a ilicitude e, sim, a culpabilidade e não a ilicitude, preferimos usar, no 4o quesito de exemplo dado, a expressão “permitida” ao invés de “lícita”, por entendê-la mais consentânea com o erro de tipo permissivo.

 

 

Como o erro de tipo permissivo não exclui a ilicitude e, sim, a culpabilidade dolosa ou a culpabilidade culposa, é inaplicável o disposto na parte final do inciso III do art. 484 do CPP e no parágrafo único do art. 23 do CP, quanto aos excesso doloso e culposo.

 

 

Por oportuno, entendemos inviável a quesitação no sentido de que o erro do réu derivou de culpa. A uma, porque a competência do júri é para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, conforme determina o art. 5o. XXXVIII, d, da Carta Magna; a duas, porque o conceito de culpa para os jurados é representado lato sensu, profano, leigo, englobante da conduta, o que gera contradições em suas respostas.

 

 

Daí por que, ao indagar-se, no 5o quesito, acerca da inevitabilidade do erro, tem-se que, se respondido que o erro era inevitável, exclui-se a culpabilidade dolosa e a culpabilidade culposa, em respondendo negativamente, ou seja, que o erro era evitável, permanece a culpabilidade culposa, aplicando-se a pena do crime culposo.

 

 

 

 

Notas:

 

 

1 - TOLEDO, Francisco de Assis. Ilicitude penal e causas de sua exclusão, 1984, p. 32.

 

 

2 - JESCHECK, Tratado de Derecho Penal, v. 1, 1981,  p. 624, apud COSTA JR, Paulo José. Comentários ao Código Penal, 2002, p. 94.

 

 

3 - GOMES, Luiz Flávio. Erro de Tipo e Erro de Proibição, 2001, p. 1999.

 

 

4 - BITTENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e Erro de Proibição, 2001, p.199.

 

 

5 - COSTA JR, Paulo José, op. cit., 2002, 94.

 

 

6 - BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral, 1967, p. 121 e 122.

 

 

7 - MUNHOZ NETTO, Alcides. A Ignorância da Antijuridicidade em Matéria Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 12 e 13.

 

 

8 - MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 1997,  vol.II, p. 326.

 

 

9 - MUNHOZ NETTO, Alcides. A Ignorância da Antijuridicidade em Matéria Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p.12 e 13.

 

 

10 - JESCHECK, op.cit.p.624, apud COSTA JR, Paulo José.op.cit.,p. 94.

 

 

11 - “É o elemento intelectual da reprovabilidade, (...) esse conhecimento potencial não se refere ás leis penais, basta que o agente saiba ou tenha podido saber que o seu comportamento contraria ao ordenamento jurídico.” PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro – parte geral, 2006, v.1, p. 425.

 

 

12 - “Trata-se do elemento volitivo da reprovabilidade (...). Para que a ação do agente seja reprovável, é indispensável que se lhe possa exigir comportamento diverso do que teve.” PRADO, Luiz Régis. op.cit., p. 426. MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 1997,  vol.II, p. 326.

 

 

12 - MUNHOZ NETTO, Alcides. A Ignorância da Antijuridicidade em Matéria Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p.12 e 13.

 

 

12 - JESCHECK, op.cit.p.624, apud COSTA JR, Paulo José.op.cit.,p. 94.

 

 

12 - “É o elemento intelectual da reprovabilidade, (...) esse conhecimento potencial não se refere ás leis penais, basta que o agente saiba ou tenha podido saber que o seu comportamento contraria ao ordenamento jurídico.” PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro – parte geral, 2006, v.1, p. 425.

 

 

12 - “Trata-se do elemento volitivo da reprovabilidade (...). Para que a ação do agente seja reprovável, é indispensável que se lhe possa exigir comportamento diverso do que teve.” PRADO, Luiz Régis. op.cit., p. 426.

 

 

13 - BITENCOURT, Cezar Roberto, op.cit, p. 102.

 

 

14 - GOMES, Luis Flávio. op. cit., p.199.

 

 

 

 

(ALMEIDA, J. B. de. Revista Jurídica do Ministério Público de Mato Grosso, v. I, no 1, julho/dezembro de 2006, págs 101/106, Entrelinhas: Mato Grosso, 2006)