Aparte Eletrônico 09

Aparte Eletrônico nº 09

Caro(a) Colega:

Em breve estaremos enviando ofício comunicando os resultados das reuniões que fizemos, em conjunto com o CAO Criminal, com as Direções do IML e IC, bem como a Secretaria de Segurança do Paraná.

Aproveitamos a oportunidade para anexar ao presente o brilhante trabalho da nossa Colega, Promotora de Justiça do Estado do Mato Grosso, Anne Karine Louzich Hugueney, que em razões de recurso (que omitimos a parte de análise de prova em face do arquivo ser muito extenso) trata com raro brilho o tema da quesitação da legítima defesa putativa, podendo o texto nos servir de reflexão a respeito do assunto e, eventualmente, gerar sugestões valiosas para partilharmos entre todos os colegas.

Um caloroso abraço,

CENTRO DE APOIO DAS PROMOTORIAS DO JÚRI

EDILBERTO DE CAMPOS TROVÃO PROCURADOR DE JUSTIÇA COORDENADOR
PAULO SERGIO MARKOWICZ DE LIMA PROMOTOR DE JUSTIÇA

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO
Recurso: Apelação
Processo n°: 003/2006
Origem: Comarca de Colider-MT (1ª Vara)
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO
Apelados: MOACIR MARTINS DA MOTA
RAZÕES DE APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DOUTO(A) PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA,
COLENDA CÂMARA CRIMINAL,
ÍNCLITOS JULGADORES.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, através da Promotora de Justiça em exercício na Comarca de Colider/MT, no uso de suas atribuições legais, vem perante Vossas Excelências apresentar as RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO interposto contra a r. sentença absolutória proferida no Processo n° 003/2006, que tramitou perante a 1ª Vara da Comarca de Colider-MT, com fundamento nas razões fáticas e jurídicas a seguir expostas:
O apelado XXXXXXX foi denunciado pela prática do delito tipificado no art. 121, §2º, incisos II e V, do Código Penal, porque, segundo narra a exordial:
(...)
Submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri de Colider/MT, por maioria de votos (4 x 3), os Senhores Jurados reconheceram que o recorrido agiu sob o manto da legítima defesa putativa.
Inconformado com a r. decisão colegiada e com o entendimento esposado pela douta Juíza que presidiu a sessão, recorre tempestivamente o Ministério Público, visando a renovação do julgamento popular, por entender que houve nulidade absoluta quando da elaboração e votação dos quesitos (art. 593, inciso III, alínea "a" ) e por ter a decisão do Conselho de Sentença contrariado, de forma manifesta, as provas dos autos (alínea "d").
É O RELATO DO ESSENCIAL.
I LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA QUESTIONÁRIO DEFICIENTE E OMISSO AUSÊNCIA DE QUESITOS OBRIGATÓRIOS
Como é cediço, prevê o ordenamento jurídico-penal determinadas situações em que a conduta do agente não é tida como criminosa, ou seja, algumas causas legais que afastam a ilicitude da conduta, fazendo que se torne permitida ou legítima. São elas denominadas de excludentes de ilicitude, justificantes ou descriminantes, estando previstas no art. 23 do Código Penal, a saber: a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito.
É possível, entretanto nos dizeres de Julio Fabbrini Mirabete "que o agente suponha que está agindo licitamente ao imaginar que se encontram presentes os requisitos de uma das causas descriminantes previstas em lei. Nesse caso, ocorre o que se denomina descriminante putativa, ou seja, um erro de tipo permissivo (...)" (NOTA:1 Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 5.ed., 2005, p. 211.)
Na lição do majestoso Rogério Grecco, "quando falamos em descriminantes putativas, estamos querendo dizer que o agente atuou supondo encontrar-se numa situação de legítima defesa, de estado de necessidade, de estrito cumprimento de dever legal ou de exercício regular de direito" (NOTA:2 Curso de Direito Penal : parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2002, p. 299.) (destacamos).
Como se infere, as descriminantes putativas resultam da conjugação das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal com a situação de "putatividade" a situação imaginária derivada de erro configurando, por seu turno, causa excludente de culpabilidade.
Veja-se a dicção do §1º art. 20 do CP, que retrata as chamadas descriminantes putativas:
"§1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo."
Na preleção da doutrina pátria, a legítima defesa putativa (ou imaginária) retrata o mais clássico exemplo das chamadas descriminantes putativas admitidas pelo estatuto repressivo.
Hermínio Alberto Marques Porto assevera que "a legítima defesa putativa é causa excludente da culpabilidade, dando referência ao art. 25 do CP e tendo amparo no erro de fato", aperfeiçoando-se na "conduta do agente quando, em conseqüência de erro plenamente justificado pelas circunstâncias, tenha por satisfeitas as notas da legítima defesa real" (NOTA:3 Júri : procedimentos e aspectos do julgamento, questionários. São Paulo: Saraiva, 11.ed., 2005, p.249/250. ) (grifamos).
Em arremate, com descortino ímpar, conclui o mesmo autor que a isenção de pena (art. 20, §1º do CP) somente "ocorre se a ação é considerada legítima porque satisfeitas, em paralelismo ao erro de fato, as notas integrantes da justificativa da legítima defesa real". (NOTA:4 Idem., p. 254.)
Partindo dessa premissa, temos que a legítima defesa putativa como erro sobre uma situação de fato que, se existisse, legitimaria a conduta defensiva do agente não se configura simplesmente quando alguém supõe achar-se diante de uma agressão "qualquer" a sua pessoa.
Mesmo sendo imaginária a situação de agressão só existindo na mente do agente para que a legítima defesa putativa se configure no caso concreto, necessário que estejam presentes os requisitos legais da legítima defesa real encartados no art. 25 do CP, in verbis:
"Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem."
Não basta, portanto, que o agente suponha existir uma agressão por parte da vítima. É imprescindível que esta "suposta" agressão seja injusta, atual ou iminente, tal como se exige para a configuração da legítima defesa real. A suposição de uma agressão futura, ou mesmo de uma agressão justa, por exemplo, não permite o reconhecimento da legítima defesa putativa.
Nesse compasso, a legítima defesa putativa somente se configurará quando o agente, erroneamente, imaginar estar sofrendo ou na iminência de sofrer uma injusta agressão. Noutro falar, quando alguém, por erro, se julgar em face de um ataque injusto, atual ou iminente (requisitos da legítima defesa real art. 25 do CP).
Segundo as precisas lições de Rogério Greco, fala-se em legítima defesa putativa quando "só o agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agredido injustamente" (NOTA:5 Op. cit., p. 336.) (grifamos).
Verificada a injustiça e atualidade ou iminência da "suposta" agressão, "também é indeclinável que o agente se contenha dentro dos limites da reação que será necessária contra a imaginária agressão" (JTACRIM 59/171).
Nesse pórtico, mesmo se tratando de erro de tipo permissivo causa excludente de culpabilidade "para que se configure a legítima defesa putativa, (...) é necessário que sejam respeitados [todos] os requisitos da legítima defesa" (NOTA:6 MIRABETE, Julio Fabbrini. op.cit., p. 258.) .
Feitas essas digressões, por necessárias, passemos a examinar a questão suscitada no presente apelo: a deficiência e omissão do questionário concernente à legítima defesa putativa.
Em relação ao tema quesitação, o festejado penalista e processualista penal Guilherme de Souza Nucci, assim se manifesta:
"Conceito de quesito: trata-se de uma pergunta ou indagação, que demanda, como resposta, a emissão de uma opinião ou um juízo. (...) os jurados não são indagados sobre teses e sim sobre fatos, terminando por espelhar, de modo indireto, conseqüências jurídicas. (...) Não se indaga do Conselho de Sentença se o réu agiu em legítima defesa, por exemplo, mas se reagiu contra uma agressão injusta, desfechada de modo atual ou iminente (conforme o caso), voltada contra direito próprio ou de terceira pessoa, fazendo-o moderadamente e valendo-se dos meios necessários. É natural que as respostas dadas a tais quesitos levarão o juiz a concluir pela existência ou inexistência da excludente de ilicitude, não obstante sejam essas perguntas fatos e não teses." (NOTA:7 Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4.ed., 2005, p. 761.)
Exige a legislação processual correlata, ainda, que os quesitos sejam formulados "em proposições simples e bem distintas, de maneira que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza" (art. 484, VI, do CP).
Importante destacar que a nulidade decorrente da complexidade ou deficiência de quesito submetido ao Conselho de Sentença é absoluta e insanável, de modo que, constatada no caso sub judice, nulo é o julgamento, por infração ao art. 564, parágrafo único, c.c. art. 572 do CPP.
De modo idêntico, "caso o juiz presidente não elabore os quesitos obrigatórios para conduzir o julgamento na sala secreta, uma vez que os jurados decidem fatos e não matéria de direito, haverá nulidade absoluta" (NOTA:8 Idem., p. 864.) .
Outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado na súmula 156: "É absoluta a nulidade por falta de quesito obrigatório".
Nas precisas lições do professor Julio Fabbrini Mirabete, "quesito obrigatório é aquele exigido expressamente pela lei ou que, omitido, compromete o julgamento pelo júri, impedido se lhe afira o exato alcance e compreensão". (NOTA:9 Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 8.ed., 2001, 1.053. )
Destarte, tratando-se de matéria de ordem pública e sendo fundamental o perfeito conhecimento da convicção dos jurados para a efetivação da Justiça, mesmo que as partes silenciem quando indagadas sobre os quesitos, o julgamento poderá ser anulado se detectada complexidade, deficiência ou falta de quesito obrigatório a ser formulado e submetido ao Conselho de Sentença.
Pois bem. De todo o anteriormente exposto acerca da legítima defesa putativa notadamente quanto à necessidade de serem respeitados todos os requisitos da legítima defesa real para sua configuração forçoso concluir que a quesitação referente a essa descriminante putativa deverá guardar absoluta correspondência com a forma tradicional de indagação da excludente de ilicitude correlata (legítima defesa real).
Os autores, em sua maioria extremada, propõem modelos de quesitos atinentes à legítima defesa putativa com desdobramento das perguntas de modo similar à justificante real (legítima defesa real), em séries distintas, com indagações claras, simples e completas, objetivando a melhor compreensão e decisão dos jurados acerca de cada requisito legal da descriminante putativa, de sorte que as respostas dadas a tais quesitos levem o juiz a concluir pela existência ou inexistência da exculpante.
Recomendando a necessidade de desdobramento dos quesitos de forma semelhante ao questionário relativo à legítima defesa real, alinham-se doutrinadores de peso.
Na abalizada opinião de DAMÁSIO E. DE JESUS (NOTA:10 Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 19.ed., 2002, p. 374.) , os quesitos atinentes à legítima defesa putativa devem ser elaborados da seguinte forma: 1º) Materialidade e autoria; 2º) Letalidade; 3º) O réu cometeu o crime, supondo, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, que estava repelindo agressão à sua pessoa (ou de terceiro)? 4º) Essa suposta agressão era iminente? 5º) essa suposta agressão era injusta? 6º) Repelindo essa suposta agressão, usou o réu dos meios necessários? 7º) O réu fez uso moderado desses meios? 8º) O réu excedeu, culposamente, os limites da legítima defesa?.
Adverte o referido autor, ademais, que "na legítima defesa putativa, decidiu o TJSP que negado o quesito dos meios necessários é imprescindível a formulação de indagação sobre o excesso culposo (RJTJSP 100/466)". (NOTA:11 Idem., p. 374.)
HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO, em sua clássica obra "Júri, Procedimentos e Aspectos do Julgamento - Questionários", também externa o mesmo posicionamento.
Relevando que a legítima defesa putativa somente se configurará se "satisfeitas, em paralelismo ao erro de fato, as notas integrantes da justificativa da legítima defesa real", ensina o referido autor que:
"A primeira nota da legítima defesa real (defesa de ‘direito seu ou de outrem’ art. 25 do CP) e sua contemporaneidade com o erro do agente (‘erro plenamente justificado pelas circunstâncias’ art. 25, §1º, início, do mesmo estatuto) representam os pontos para a formação do 1º quesito na seriação que cuida da legítima defesa putativa ‘ O réu A, em conseqüência de erro plenamente justificado pelas circunstâncias (e resultante do fato de ... descrever, caso não implique tornar o quesito complexo), supôs achar-se em face de uma agressão contra sua pessoa) ou contra outra pessoa, que deve ser nominada; ou contra direito seu ou de outra pessoa que deve ser nominada?’
(...)
O segundo quesito, dada a atenção às notas da legítima defesa real, aborda o momento da suposta agressão. (...) 2º) ‘ Essa suposta agressão era iminente?’ 3º) ‘Essa suposta agressão era atual?’
(...)
Aceita, na votação da seriação uma das notas temporais (atualidade ou iminência), ou ambas, se cumuladas em único quesito, a votação prossegue para considerar a injustiça da suposta agressão. Afirmada esta (‘4º) Essa suposta agressão era injusta?’), a votação chega ao estudo da reação do agente, que será considerada em quesito único e englobador da necessidade e da moderação, ou em quesitos distintos. 5º) ‘ O réu usou dos meios necessários para repelir essa suposta agressão?’ 6º) ‘ O réu usou moderadamente dos meios para repelir essa suposta agressão?’ Ou em quesito único ‘ O réu usou moderadamente dos meios necessários para repelir essa suposta agressão’
(...)
A seriação de quesitos, encerrando a indagação da legítima defesa putativa, trata do excesso culposo (‘ Excedeu o réu, culposamente, os limites da legítima defesa putativa?’) e do erro de fato culposo (‘ O réu cometeu o crime por erro derivado de culpa’)" (NOTA:12 Op cit., p. 250/253.)
Seguindo essa mesma orientação, após registrar amplamente a quaestio juris a respeito do tema e apontar o entendimento predominante na doutrina e jurisprudência brasileiras citando, inclusive, diversos estudiosos renomados (JOSÉ RUY BORGES PEREIRA, "Tribunal do Júri Crimes Dolosos Contra a Vida", 1993, Saraiva, pág. 257; MARCOS ELIAS DE FREITAS BARBOSA, "Regras e Quesitos do Júri ante o Código Penal de 1984", Revista Jurídica 185/124) o Procurador de Justiça JAQUES DE CAMARGO PENTEADO conclui:
"Os quesitos devem ser simples, claros e completos. Os questionários complexos podem ser anulados independentemente de prévia impugnação dos interessados. Grande parte da doutrina e jurisprudência considerável recomenda que os quesitos sobre a legítima defesa putativa sejam desdobrados. É conveniente empregar a fórmula razoável que não implique anulação, mesmo que plausível a tese contrária. Os quesitos sobre legítima defesa putativa devem ser desdobrados de forma similar às perguntas previstas para a legítima defesa real" (NOTA:13 Júri: Legítima Defesa Putativa e Questionário - RJ nº 206 - DEZ/1994, pág. 22, in Juris Síntese Millennium, nº 33)
Do mesmo modo, FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, com propriedade típica, asseverou que alguma "dificuldade tem surgido na redação dos quesitos. Sem razão, porém, visto [que], contendo a descriminante putativa o mesmo desenho visual da excludente de ilicitude suposta, os quesitos devem observar, em linhas gerais, as mesmas regras, sob pena de atribuir-se maior valor à fantasia do que à realidade". (NOTA:14 Citado por Jaques de Camargo Penteado (in Júri: Legítima Defesa Putativa e Questionário - RJ nº 206 - DEZ/1994, pág. 22, in Juris Síntese Millennium, nº 33))
Nessa mesma linha de entendimento, destacam-se os seguintes precedentes:
JÚRI HOMICÍDIO TENTADO - LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA - QUESTIONÁRIO - FALTA DE QUESITO OBRIGATÓRIO - NULIDADE DO JULGAMENTO. Afirmada pelos Jurados a indagação genérica sobre a ocorrência da legítima defesa putativa, obrigatória se mostra, ainda que negada a necessidade do meio empregado na repulsa da suposta agressão, a formulação dos quesitos relativos à moderação do uso desse meio e do elemento subjetivo do excesso. APELAÇÃO PROVIDA. (TJPR. Apel. 0161177-0. 2ª Câmara Criminal. Rel Des. Telmo Cherem; j. 16.12.2004)
"Apresentada a tese da legítima defesa putativa, ou qualquer outra que isente de pena, exclua o crime ou o desclassifique, deve o juiz desdobrar os quesitos apresentados em tantos quantos forem necessários à completa elucidação da tese em questão. A deficiência nessa formulação também conduz à nulidade do julgamento." (TJMG Ap. 76.955/4 1ª Câm. Rel. Edelberto Santiago j. 12.11.1996)
"(...) O protesto da Defesa no sentido de que as indagações a respeito dos requisitos da descriminante putativa deveriam ter sido englobadas em apenas dois quesitos, ensejou o esclarecimento da Dra. Juíza-Presidente de que proposições separadas "oferecem maior clareza a cada um deles (...)".
A fórmula empregada - desdobramento dos quesitos, tantos quantos necessários à completa elucidação da tese, de maneira semelhante às perguntas relativas à legítima defesa real -, mostra-se, de fato, recomendável, conforme tem considerado este Tribunal (v.g., acórdão nº 14.471, 2ª CCr., de minha relatoria), na esteira da orientação proclamada pelas mesmas CORTES SUPERIORES (v.g., RTJ 108/412 e RSTJ 22/393-4)" (TJPR trecho do voto condutor da lavra do Des. Telmo Cherem. Apelação 0313014-5; j. 23.02.2006)
"JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. VOTAÇÃO DE QUESITOS. DEFEITO. NULIDADE. Entendimento majoritário que, na legítima defesa putativa, deve o questionário se desdobrar nos moldes da legítima defesa real, sob pena de nulidade do julgamento. Tal entendimento deve ser adotado para evitar também a complexidade de quesito em ordem a causar manifestação enganosa da vontade dos jurados. Nulidade do julgamento. Apelação provida." (TJGO. Apel. Criminal 20304-3/213. 2ª Câmara Criminal. Rel Des. João Canedo Machado; j. 19.10.2000)
"JÚRI. HOMICIDIO EM CONCURSO MATERIAL. DESDOBRAMENTO SOLICITADO PELA DEFESA. ALEGAÇÃO DE NÃO ESTAR PREPARADA PARA A DEFESA. UNIDADE DE JULGAMENTO POR IMPOSIÇÃO LEGAL. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. FORMULAÇÃO DE APENAS DOIS QUESITOS. PERPLEXIDADE. NULIDADES RECONHECIDAS. 1 (...). 2 Alegada a tese da legítima defesa putativa, deve o juiz indagar ao Conselho de Sentença em tantos quesitos quantos necessários para configurar a legítima defesa real, sob pena de nulidade. PROVIDO POR UNANIMIDADE" (TJGO. Apel. Criminal 24596-7/213. 2ª Câmara Criminal. Rel Des. Jamil Pereira de MAcedo; j. 27.05.2004)
JÚRI VÍCIO NO QUESTIONÁRIO OCORRÊNCIA TESE DA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA QUESITO CONCERNENTE AO EMPREGO DOS MEIOS NECESSÁRIOS, AFIRMADO PELOS JURADOS QUESITO DA MODERAÇÃO PREJUDICADO PELO MAGISTRADO JULGAMENTO ANULADO RECURSO PROVIDO PARA ESSE FIM. Reclama a legítima defesa, real ou putativa, para sua configuração, a presença de toda uma série de requisitos (agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou de outrem, repelida através meios necessários moderadamente empregados), que, ausente qualquer um deles, inviabiliza a admissão da excludente de criminalidade. E, por isso, a falta de indagação aos jurados sobre um desses pressupostos, como aqui se deu a propósito da moderação, resulta em nulidade do julgamento, com precipitada admissão da absolvição que acabou erroneamente proclamada. (TJSP. Apelação Criminal n. 130.039-3 São Sebastião. Relator: Des. Canguçu de Almeida, j. 18.04.94)
Aliás, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, esteado na melhor doutrina e no posicionamento sedimentado nos Tribunais Superiores e nas demais Cortes de Justiça do país, firmou entendimento no mesmo sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL HOMICÍDIO QUALIFICADO - ABSOLVIÇÃO PELO JÚRI - LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA - NULIDADE DO JULGAMENTO DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - OCORRÊNCIA - QUESITOS MAL FORMULADOS QUE LEVAM OS JURADOS A ERRO - LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA TESE DIVORCIADA DAS PROVAS - RECURSO PROVIDO. Se os quesitos, ao indagar sobre legítima defesa putativa, são formulados com total ofensa às regras processuais, mostrando que o julgamento revela-se divorciado das provas dos autos, impõe-se a realização de novo júri. (TJMT. 2ª Câmara Criminal. Recurso de Apelação Criminal - Classe I - 14 - nº 4.111/01, de Chapada dos Guimarães. Rel. Des. Flávio José Bertin; j. 27.02.2002)
A propósito, veja-se parte do voto proferido pelo eminente Desembargador Manoel Ornellas de Almeida, por ocasião do julgamento acima referido, no qual se espelha o posicionamento assente no Tribunal de Justiça deste Estado:
"(...) Com efeito, observa-se que não foram feitos os quesitos referentes a tese da legítima defesa putativa. O juiz fez apenas duas indagações, interrompendo o julgamento sem indagar os jurados sobre os demais pressupostos da excludente.
É o que se vê dos autos, cuja anomalia evidentemente levaram os jurados a proferir julgamento contrário à prova dos autos.
Observe a quesitação feita pelo magistrado (fls. 232/233); verbis:
"LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA - 3º - O réu LUCIANO SAAD ROCHA, em conseqüência de erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supôs que a vítima MANOEL NEZITO DE ALMEIDA, ao colocar a mão embaixo da roupa, iria sacar de uma arma, podendo sofrer uma agressão à sua pessoa ;
RESULTADO: sim 04 x 03 não.
4º - Se estivesse a situação descrita no quesito anterior, vale dizer, se a vítima tivesse efetivamente agredido, seria lícita a conduta do réu LUCIANO SAAD ROCHA?
RESULTADO: sim 04 x 03 não.
(...)
O texto mostra que não foram empregadas sequer as basilares lições doutrinárias sobre a questão técnica. Em relação a legítima defesa putativa o processualista Damásio de Jesus taxativamente ensina a elaboração dos quesitos em circunstâncias totalmente diferente da que adotou o magistrado. Eis o seu magistério exemplificativo na obra "Código de Processo Penal Anotado "in comentário ao art. 484, Saraiva, 10ª edição, pág. 484; verbis: "Modelos de Quesitos. Legítima defesa putativa por erro tipo (CP, art. 20,§ 1º).’ 1º)Materialidade e autoria. 2º) Letalidade. 3º)O réu cometeu o crime, supondo, por erro plenamente justificado pelas circunsntâncias, que estava repetindo agressão à sua pessoa (ou de terceiro)? 4º)Essa suposta agressão era iminente? 5º) Essa suposta agressão era injusta? 6º)Repelindo essa suposta agressão, usou o réu dos meios necessários? 7º) 0 réu fez uso moderado desses meios? 8º) O réu excedeu, culposamente, os limites da legítima defesa’ (Tourinho Filho, op. et loc. cit., p. 100-1). Na legítima defesa putativa, decidiu o TJSP que negado o quesito dos meios necessários é imprescindível a formulação de indagação sobre o excesso culposo (RJTJSP 100/466)"
Portanto, os jurados só poderiam julgar contra as provas dos autos em face da deficiente quesitação.(...)"
Em caso semelhante ao dos autos, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, julgando os Embargos Infringentes e de Nulidade n. 15.670/2002, assim decidiu:
RECURSO DE EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE OPOSTOS NOS AUTOS DE APELAÇÃO CRIMINAL HOMICÍDIO - TRIBUNAL POPULAR DO JÚRI - EXCLUDENTE DE ILICITUDE - LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA - QUESITAÇÃO - DEFICIÊNCIA DA QUESITAÇÃO - AUSÊNCIA DE QUESITOS REFERENTES À: INJUSTIÇA, ATUALIDADE OU IMINÊNCIA DA AGRESSÃO E DOS MEIOS NECESSÁRIOS À REPULSA, MODERAÇÃO NA UTILIZAÇÃO DESSES MEIOS E EXCESSO - NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA EX OFFICIO - QUESTÃO PRELIMINAR ACOLHIDA - SUJEIÇÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO PELA CORTE POPULAR - RECURSO IMPROVIDO. Tratando-se de nulidade absoluta consistente na deficiência de quesitação de que resultou vício insanável do julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, impõe-se seu reconhecimento ex officio, com sujeição do recorrente a novo julgamento ante a Corte Popular. (TJMT. Recurso de Embargos Infringentes e de Nulidade - Classe I - 16 - nº 15670/2002. CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS. Rel. Des. Shelma Lombardi de Kato; j. 27.09.2002)
Referente ao julgamento retro, merece destaque o elucidativo voto condutor da lavra da ínclita Desembargadora Shelma Lombardi de Kato:
"V O T O
(PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGAMENTO POR DEFICIÊNCIA DA QUESITAÇÃO)
A SRA. DESA. SHELMA LOMBARDI DE KATO
(RELATORA)
Egrégias Câmaras Reunidas:
Eminentes Pares:
(...)
PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGAMENTO POR DEFICIÊNCIA DE QUESITAÇÃO (reconhecida de ofício no RACr. 4.111/01)
Insurge-se o embargante contra a tese levantada pelos Eminentes Desembargadores Manoel Ornellas de Almeida e Donato Fortunato Ojeda, na qual o MM. Juiz Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Chapada dos Guimarães/MT, quando da aplicação da quesitação aos jurados, não efetuou corretamente os quesitos cabíveis no caso concreto, visto que, após o reconhecimento da legítima defesa putativa pelos nobres jurados, não os instou a responderem sobre os meios necessários, moderação e excesso.
(...)
Na espécie, entendo que o magistrado não só pode mas tem o dever de pronunciar-se sobre a nulidade absoluta ocorrida no processo que o viciou, embora não argüida pelas partes, para ensejar nova apreciação pelo colegiado leigo com vistas à justa e imparcial aplicação da legislação penal.
Com tal entendimento, passo a examinar os quesitos formulados pelo douto magistrado a quo, in verbis:
"1º. No dia 31 de Dezembro de 1992, por volta das 23 horas, em um bar, localizado no Distrito de Peresópolis, Município de Nova Brasilândia, LUCIANO SAAD ROCHA, produziu, com emprego de arma de fogo, tipo revólver, calibre 32, na pessoa da vítima MANOEL NEZITO DE ALMEIDA, as lesões descritas no laudo de fls. 10/11?
RESULTADO : sim 07 x 00 não
2º. Essas lesões foram a causa da morte da vítima MANOEL NEZITO DE ALMEIDA?
RESULTADO : sim 07 x 00 não
3º. O réu LUCIANO SAAD ROCHA, em conseqüência de erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supôs que a vítima MANOEL NEZITO DE ALMEIDA, ao colocar a mão embaixo da roupa, iria sacar de uma arma, podendo sofrer uma agressão à sua pessoa?
RESULTADO : sim 04 x 03 não
4º. Se existisse a situação descrita no quesito anterior, vale dizer, se a vítima tivesse efetivamente agredido, seria lícita a conduta do réu LUCIANO SAAD ROCHA?
RESULTADO : sim 04 x 03 não."
Vê-se, portanto, que o d. magistrado pôs fim à votação sem dar prosseguimento aos quesitos referentes aos meios necessários, moderação e excesso.
Em relação ao tema quesitação, o professor Júlio Fabrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado, 5ª edição, ano 1.997, Ed. Atlas, item 484.4, pág. 614, assim se manifesta:
"...quanto à legítima defesa, por exemplo, é necessário que se indague separadamente sobre a existência de agressão da vítima, sobre sua injustiça, sobre sua atualidade, sobre sua iminência, sobre o emprego dos meios necessários à repulsa, e sobre a moderação na utilização desses meios".
"...quanto às excludentes, contrariando-se orientação anterior, tem-se sustentado que devem ser formulados, após o reconhecimento do excesso, dois quesitos, um sobre o excesso culposo, outro sobre excesso doloso. Na esteira desse entendimento, pela Lei nº 9.113, de 16-10-95, deu-se nova redação ao inc. III do art. 484, determinando-se a inclusão obrigatória de quesitos relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude."
O STJ, a respeito do caso sub examine, assim decidiu: "Alegada a legítima defesa, ainda quando os jurados respondem negativamente ao quesito sobre o uso dos meios necessários, é obrigatória sob pena de nulidade do julgamento, a formulação dos quesitos sobre a moderação e o elemento subjetivo do excesso. Precedentes." (RT 721/538)
O STJ assentou a seguinte jurisprudência a casos análogos:
"CRIMINAL - RECURSO ESPECIAL - JÚRI LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO - RECONHECIMENTO DA IMODERAÇÃO NO USO DOS RECURSOS NECESSÁRIOS PARA REPELIR A AGRESSÃO NÃO APRESENTAÇÃO DE QUESITO OBRIGATÓRIO A RESPEITO DO EXCESSO PUNÍVEL - NULIDADE ABSOLUTA - PRECEDENTES RECURSO PROVIDO.
I - Reconhecida a falta de moderação nos recursos utilizados para repelir a agressão, obrigatória é a apresentação, ao Conselho de Sentença, dos quesitos referentes ao excesso punível. Precedentes do STF e STJ.
II - A não apresentação, ao Conselho de Sentença, de quesito obrigatório, configura nulidade absoluta.
III - Recurso provido para cassar o acórdão impugnado e anular o julgamento, a fim de determinar que seja o recorrido submetido a novoTribunal do Júri.
DECISÃO UNÂNIME." (RESP 212943/RS, DJ 03-6-2002, pág. 235, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma)
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"HABEAS CORPUS - TRIBUNAL DO JÚRI LEGÍTIMA DEFESA - OMISSÃO DE QUESITO OBRIGATÓRIO - HC PROVIDO.
Alegada a legítima defesa, ainda quando os jurados respondam negativamente ao quesito sobre o uso dos meios necessários, é obrigatória, sob pena de nulidade do julgamento, a formulação dos quesitos sobre a moderação e o elemento subjetivo do excesso. Precedentes. Habeas Corpus provido.
DECISÃO UNÂNIME." (RHC 4592/MT, DJ 07-8-1995, Pág. 23053; RT 721/538; Relator Ministro Assis Toledo, Quinta Turma)
Além disso, temos como requisitos para a caracterização da legítima defesa os seguintes: a) reação a uma agressão atual ou iminente e injusta; b) a defesa de um direito próprio ou alheio; c) a moderação na repulsa no emprego dos meios necessários a esta e; d) o elemento subjetivo.
Como é sabido, integram a legítima defesa os requisitos pertinentes à repulsa da agressão, à injustiça desta, à atualidade ou à iminência da injusta agressão, à necessidade dos meios empregados e à moderação no uso desses meios. Ao admitir que tenha o réu praticado o fato para repelir agressão à sua pessoa, por quatro votos, o Conselho de Sentença estaria começando a aceitar a tese da defesa, cuja votação deveria ter prosseguido para que os Srs. jurados fossem perquiridos sobre os demais requisitos da tese sustentada. Ao deixar de questionar sobre a injustiça da agressão, a atualidade ou a iminência da injusta agressão, à necessariedade dos meios empregados e à moderação no uso desses meios, o MM. Juiz Presidente concorreu, indubitavelmente, para nulificar o julgamento.
A legítima defesa só será configurada se o agente repelir injusta agressão, atual ou iminente, moderadamente, com emprego dos meios necessários, a direito seu ou de outrem. Cada uma dessas circunstâncias tem, obrigatoriamente, que ser indagada dos senhores jurados. Uma que falte anula o julgamento, nos termos da súmula 156 do STF, por tratar-se de nulidade absoluta. Vejamos o que dispõe a referida Súmula, in verbis: "É absoluta a nulidade do julgamento pelo Júri por falta de quesito obrigatório". Quesito obrigatório é aquele exigido expressamente em lei ou que, omitido, compromete o julgamento pelo Júri, impedindo se lhe afira o exato alcance da compreensão. Nesse prisma, deveria ter o magistrado a quo procedido à quesitação atinente à injustiça, sobre a atualidade, iminência, os meios necessários à repulsa e, sobre a moderação da utilização desses meios, tudo com vistas à apuração se in casu houve excesso ou não por parte do embargante, seja ele culposo ou doloso, mas que certamente teria que ser apreciado pelos jurados à época do julgamento.
Júlio Fabrini Mirabete (Processo Penal, 3ª edição, fls. 510), ainda sobre o tema consigna que:
"nos termos da súmula 156, é absoluta a nulidade do julgamento pelo Júri por falta de quesito obrigatório, como os que se referem à classificação do crime e à existência de circunstância atenuante."
(...)
Portanto, é nulo o julgamento em que o recorrente foi absolvido. Não pela absolvição em si, mas pelo desprezo da formalidade obrigatória referente à quesitação, quando se trata de excludente de ilicitude. Isso porque poderiam os jurados ao serem indagados sobre a injusta agressão, atualidade ou iminência, moderação e o emprego dos meios necessários à repulsa, condenar o recorrente ao excesso seja ele doloso ou culposo.
Isso posto, acolho a preliminar suscitada pelos eminentes desembargadores julgadores do Recurso de Apelação Criminal nº 4.111/01, que reconheceram de ofício a nulidade absoluta do julgamento por deficiência/falta de quesitação, motivo pelo qual nego provimento aos embargos infringentes para confirmar a decisão invectivada no que tange à quesitação e submeter o recorrente a novo julgamento pelo egrégio Tribunal Popular do Júri na Comarca de Chapada dos Guimarães/MT.
É como voto."
Confirmando o entendimento acima esposado, peço vênia para trazer à baila o posicionamento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de ser necessário o desdobramento do questionário atinente à legítima defesa putativa, sob pena de nulidade absoluta do julgamento por ausência de quesitos obrigatórios:
HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO. ACOLHIMENTO DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PELO TRIBUNAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE QUESITO OBRIGATÓRIO. NULIDADE ABSOLUTA. MATÉRIA NÃO SUJEITA À PRECLUSÃO. SÚMULA 156 DO STF. PRECEDENTES DO STJ.
1. Não há nulidade quando o advogado do réu, regularmente intimado para apresentar contra-razões ao apelo ministerial, deixa transcorrer in albis o respectivo prazo, não apresentado a referida peça processual. Precedentes do STF e do STJ.
2. No caso em tela, muito embora o Ministério Público somente tenha argüido o vício de quesitação em sede recursal, constata-se que não se trata de mera irregularidade ou mesmo defeito na formulação de quesito hipóteses que se sujeitam à preclusão quando não argüidas opportuno tempore mas de efetiva inexistência de quesitos obrigatórios, sem os quais resta irremediável e absolutamente nula a decisão. Inteligência da Súmula n.º 156 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STJ.
3. Ordem denegada. (HC 36.048-MG/2005)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de junho de 2005 (Data do Julgamento)
VOTO
EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
A insurgência também não merece acolhida no que diz respeito à pretensão de anular o acórdão, por alegada ocorrência de preclusão, tendo em vista que o Ministério Público somente argüiu a falha de quesitação em sede recursal.
Segundo consta do voto condutor do aresto vergastado, a nulidade em questão teria ocorrido da seguinte forma:
"Realmente, ao que se observa às fls. 285/289, o questionário, formulado pelo douto magistrado, é deficiente, o que acarreta a nulidade do julgamento, nos termos do artigo 564, parágrafo único, do CPP.
Como é cediço, a tese de legítima defesa putativa deve ser desdobrada em vários quesitos, inquirindo-se aos jurados, primeiramente, acerca da ocorrência ou não da suposta agressão, prosseguindo-se com os demais componentes (iminência e injustiça da agressão e uso moderado de meios necessários à repulsa). [...]
Trata-se, ademais, de questão de ordem pública - equívoco no questionário, impediente de manifestação dos jurados sobre questão fática cuja análise lhe competia, pelo que nulo o julgamento atacado.
Por outro lado, insta salientar que, com a resposta positiva ao errôneo terceiro quesito (que, aliás, situou-se, também de forma equivocada, dentro da letalidade), não há que se falar em deslocamento da competência para o juiz singular, conforme entendeu o douto Presidente do Júri. Tal hipótese somente ocorreria acaso reconhecido pelo Conselho de Sentença o excesso culposo (que, como visto, nem chegou a ser questionado aos jurados)." (fls. 56/58)
Cinge-se a controvérsia, portanto, em verificar se a inexistência de desdobramento do quesito concernente à legítima defesa in casu, putativa constitui nulidade absoluta ou relativa, a fim de que se decida acerca da incidência ou não da preclusão.
No caso em tela, constata-se que não se trata de mera irregularidade ou mesmo defeito na formulação de quesito hipóteses que se sujeitam à preclusão quando não argüidas opportuno tempore mas de efetiva inexistência de quesitos obrigatórios, sem os quais resta irremediável e absolutamente nula a decisão.
Nesse sentido:
"CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO. RECONHECIMENTO DA IMODERAÇÃO NO USO DOS RECURSOS NECESSÁRIOS PARA REPELIR A AGRESSÃO. NÃO APRESENTAÇÃO DE QUESITO OBRIGATÓRIO A RESPEITO DO EXCESSO PUNÍVEL. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. Reconhecida a falta de moderação nos recursos utilizados para repelir a agressão, obrigatória é a apresentação, ao Conselho de Sentença, dos quesitos referentes ao excesso punível. Precedentes do STF e do STJ.
II. A não apresentação, ao Conselho de Sentença, de quesito obrigatório, configura nulidade absoluta.
III. Recurso provido para cassar o acórdão impugnado e anular o julgamento, a fim de determinar que seja o recorrido submetido a novo Tribunal do Júri." (REsp 212.943/RS, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 03/06/2002.)
"HABEAS-CORPUS. TRIBUNAL DO JURI. LEGITIMA DEFESA. OMISSÃO DE QUESITO OBRIGATÓRIO. ALEGADA A LEGITIMA DEFESA, AINDA QUANDO OS JURADOS RESPONDAM NEGATIVAMENTE AO QUESITO SOBRE O USO DOS MEIOS NECESSÁRIOS, E OBRIGATÓRIA, SOB PENA DE NULIDADE DO JULGAMENTO, A FORMULAÇÃO DOS QUESITOS SOBRE A MODERAÇÃO E O ELEMENTO SUBJETIVO DO EXCESSO. PRECEDENTES. RECURSO DE HABEAS CORPUS PROVIDO." (RHC 4592/MT, 5ª Turma, Rel. Min. ASSIS TOLEDO, DJ de 07/08/1995.)
"RHC - ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DO TRIBUNAL DO JURI - OMISSÃO DE QUESITOS OBRIGATÓRIOS - CABIMENTO DO REMÉDIO HERÓICO. - PACIFICA A JURISPRUDÊNCIA DA EXCELSA SUPREMA CORTE EM SE CONHECER DE PEDIDO DE HABEAS CORPUS QUANDO FUNDADO EM NULIDADE DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JURI PELA FALTA DOS QUESITOS SOBRE O EXCESSO DOS MEIOS UTILIZADOS, AINDA QUE OS JURADOS TENHAM NEGADO A ALEGAÇÃO DE LEGITIMA DEFESA. - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO COM A BAIXA DOS AUTOS PARA QUE O TRIBUNAL A QUO APRECIE TAL MATERIA A QUAL, CONTRARIAMENTE AO DECIDIDO, NÃO EXIGE ACURADO EXAME DA PROVA. - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (RHC 3451/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. CID FLAQUER SCARTEZZINI, DJ de 25/04/1994.)
Dessa forma, uma vez reconhecida a obrigatoriedade de quesitação quanto aos desdobramentos da legítima defesa, sua ausência, a teor do disposto no verbete sumular n.º 156 do Supremo Tribunal Federal, constitui nulidade absoluta, a qual, como é consabido, não se convalida com o tempo, vale dizer, não está sujeita à preclusão, in verbis: "É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório."
O fato de cuidar-se de legítima defesa putativa, por óbvio, em nada altera a necessidade da aludida quesitação, como se verifica do seguinte precedente:
"RESP - PROCESSUAL PENAL - JURI - QUESTIONÁRIO - LEGITIMA DEFESA - O QUESTIONÁRIO, NO TRIBUNAL DO JURI, DEVE DESDOBRAR OS INSTITUTOS POSTOS PELO MINISTÉRIO PUBLICO E DEFESA, EM SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E CIRCUNSTANCIAIS. A REPULSA, NA LEGITIMA DEFESA, REAL, OU PUTATIVA DEVE AMOLDAR-SE A DOIS REQUISITOS: O MEIO DE AGIR E A INTENSIDADE DA RESPOSTA. TANTO EM UM, COMO EM OUTRO, O ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA PODE EVIDENCIAR VONTADE DIRIGIDA PARA O EXCESSO (MEIO DE AGIR), COMO PARA A INTENSIDADE (MODO DE AGIR), OU, UM, OU AMBOS UTILIZADOS POR FORÇA DE CIRCUNSTANCIAS EM QUE O COMPORTAMENTO SE DESENVOLVE. ASSIM, CONDUTA DOLOSA, OU CONDUTA CULPOSA. SOMENTE OS JURADOS PODEM DAR A RESPOSTA. CUMPRE PROSSEGUIR A VOTAÇÃO PARA DEFINIR SE O EXCESSO (TANTO QUANTO AO MEIO, COMO AO MODO DE AGIR) FOI DOLOSO, OU CULPOSO." (REsp 51.215/PR, 6ª Turma, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ de 24/10/1994.)
Ante o exposto, DENEGO a ordem.
É como voto."
Volvendo olhares ao caso sub judice, observemos os quesitos elaborados pela douta Magistrada a quo:
"3) O réu Moacir Martins da Mota, em conseqüência de erro plenamente justificado pela circunstância de estarem discutindo, supôs achar-se em face de uma agressão à sua pessoa?
(04)SIM (03)NÃO
3) Se existisse a agressão à sua pessoa, seria lícito o procedimento do réu Moacir Martins da Mota?
(04)SIM (03)NÃO"
No momento oportuno após a leitura do questionário esta Promotora de Justiça protestou pelo desdobramento da quesitação atinente à legítima defesa putativa, a fim de que fosse indagado aos senhores Jurados sobre todos os requisitos legais da mesma, de modo a permitir que os Juízes de fato aferissem cada pressuposto da descriminante putativa alegada pela defesa, quais sejam, a injustiça da "suposta" agressão, atualidade ou iminência da "suposta" agressão, a necessariedade dos meios empregados e a moderação no uso desses meios.
Na ocasião, assim decidiu a M.M. Juíza Presidenta:
"Vistos etc. A irresignação do Ministério Público quanto à formulação dos quesitos relativos à legítima defesa putativa não se me afigura de todo desarrazoada, contudo, entendo que a esta altura do julgamento, mudar a redação dos quesitos com conseqüentes desdobramentos poderia causar inegável cerceamento de defesa, uma vez que antes mesmo da defesa iniciar sua explanação em Plenário, ficou ajustado por esta Magistrada, pela Promotora de Justiça e pela Defesa que os quesitos seriam formulados conforme leciona Adriano Marrey em sua obra Teoria e Prática do Júri, 7ª edição revista, atualizada e ampliada, na p. 521 da mencionada obra. Assim, havendo todos por bem formular os quesitos defensivos desta forma, toda a explanação da defesa foi feita de forma a não se preocupar demasiadamente com a atualidade ou eminência, justiça ou injustiça da agressão, necessidade e moderação no uso dos meios, eventual excesso doloso ou culposo, razão pela qual o posterior desdobramento acarretaria prejuízo manifesto ao réu. Consigne-se também que na mesma oportunidade o nobre defensor concordou com que, fosse suprimido o quesito relativo ao erro derivado de culpa. Assim, mantenho a quesitação na forma posta inicialmente." (fls. 821/822)
Explica-se: após a sustentação do libelo em plenário pelo Ministério Público, a douta Magistrada a quo apresentou às partes a quesitação sintética atinente à legítima defesa putativa invocada pela defesa, oportunidade em que esta Promotora de Justiça discordou absolutamente da forma proposta, contrapondo-se à opinião do ilustre advogado do réu, o qual insistia na manutenção do questionário apresentado pela douta Julgadora.
Depois de longo embate jurídico travado na ocasião acerca do questionário atinente à legítima defesa putativa, evitando delongar a exaustiva discussão sobre o tema e visando dar prosseguimento à sessão de julgamento que aguardava o seu curso, esta Promotora de Justiça deixou ao arbítrio da ilustre Magistrada elaborar o questionário conforme seu convencimento, ressalvando, contudo, que discordava da formulação sintética proposta.
Destarte, nos termos do art. 479 do CPP, depois de lidos e explicados os quesitos, indagado o Ministério Público acerca de eventual requerimento ou reclamação a fazer, protestou-se oportunamente (NOTA:15 "O momento para questionar a formulação, a ordem, o modo e o conteúdo das indagações redigidas pelo Juiz Presidente é logo após a sua leitura e explicação em plenário."(NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4.ed., 2005, p. 757.)) pelo desdobramento da quesitação concernente à legítima defesa putativa, o que fora devidamente registrado em ata (fls. 820/821).
Consigne-se que, ainda que não tivesse havido qualquer protesto por ocasião da leitura dos quesitos, o vício incrustado na elaboração do questionário pela M.M. Juíza Presidenta configura nulidade absoluta conforme largamente demonstrado alhures que pode ser suscitada e reconhecida a qualquer momento, mesmo que não argüida por qualquer das partes.
Não se pode negar, por seu turno, que a quesitação apresentada pela douta Magistrada a quo fora elaborada a partir do modelo proposto pelo eminente jurista ADRIANO MARREY, em sua obra "Teoria e Prática do Júri".
Todavia, como visto anteriormente, a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante (inclusive do STJ e STF) têm rechaçando de modo categórico essa forma de quesitação empregada, haja vista que não permite aos Jurados decidirem sobre os requisitos legais da legítima defesa putativa.
Nos termos do questionário elaborado pela Magistrada, indaga-se ao Conselho de Sentença, apenas, se o réu, por erro plenamente justificado (...), supôs achar-se em face de uma agressão à sua pessoa.
Não se questiona aos senhores Jurados se essa "suposta" agressão era injusta e atual ou iminente.
Como dito no início, para que a legítima defesa putativa se configure no caso concreto, não basta que o agente suponha existir uma agressão por parte da vítima. É imprescindível que esta "suposta" agressão seja injusta, atual ou iminente, tal como se exige para a configuração da legítima defesa real.
A suposição de uma agressão futura, ou mesmo de uma agressão justa, por exemplo, não permite o reconhecimento da legítima defesa putativa.
A propósito, veja-se a situação retratada no voto do Desembargador Dimas Fonseca (TJRO), proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 99.002704-0, aos 09.06.2000:
"(...) Os quesitos referentes à descriminante putativa foram redigidos da seguinte forma:
4º) O réu ADÃO FERREIRA cometeu o crime supondo, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, que estava repelindo agressão à sua pessoa?
SIM(5) NÃO(2).
5º) Essa suposta agressão era atual ou iminente?
SIM(6) NÃO(1).
6º) Essa suposta agressão era injusta?
SIM(3) NÃO(4).
7º), 8º), 9º) e 10º) Prejudicados.
Vê-se, portanto, que os quesitos foram redigidos de forma razoavelmente clara. Aliás, a forma como foram redigidos os quesitos é semelhante à sugerida pelo professor Hermínio Alberto Marques Porto, em sua obra: Júri, 8ª ed., pp. 232/233.
Em verdade, ao negarem o quesito referente à injustiça da suposta agressão contra o apelante, os jurados afastaram a configuração da tese defensiva, que pretendia ver reconhecida a descriminante putativa da legítima defesa.
Os jurados reconheceram que o apelante praticou o crime supondo, por erro justificado, que seria agredido pela vítima; essa suposta agressão era atual ou iminente, mas não era injusta. Daí a razão de os demais quesitos serem considerados prejudicados, porquanto só a injustiça da suposta agressão tornaria legítima a reação do apelante.
A propósito, nesse sentido já decidiu o pretório Excelso, verbis:
Júri. Legítima defesa putativa. Necessidade do desdobramento dos quesitos, à semelhança do que se dá na legítima defesa real. No caso, negado o quesito da injustiça da agressão, deixou de se configurar a excludente da legítima defesa (STF, HC 58.377-6/DF, Rel. Min. Djaci Falcão, RT 553/465)."
Dando continuidade ao raciocínio, tomando por base o modelo adotado pela M.M. Juíza, após ser questionado ao Conselho de Sentença se réu, por erro plenamente justificado (...), supôs achar-se em face de uma agressão à sua pessoa, em seguida pergunta-se aos senhores Jurados: se existisse a agressão à sua pessoa, seria lícito o procedimento do réu?
Pois bem. Sem ao menos indagar aos senhores Jurados se essa "suposta" agressão seria injusta e atual ou iminente (requisitos legais da legítima defesa putativa), pergunta-se aos mesmos se seria lícito o procedimento do réu caso existisse a agressão "imaginária".
Como é cediço, em sede de legítima defesa putativa, apenas se consideraria lícito o procedimento do agente que 1º) se julgasse, por erro, em face de uma agressão injusta, atual ou iminente e 2º) empregasse reação usando moderadamente dos meios necessários.
Do contrário, desaparece a figura da legítima defesa putativa, conforme se infere do seguinte aresto:
PENAL. JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. RECONHECIMENTO. ABSOLVIÇÃO. MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA. APELO PROVIDO. A LEGíTIMA DEFESA PUTATIVA caracteriza-se pelo revide a uma agressão imaginária, injusta e iminente. Tal revide, contudo, deve ser idêntico ao da LEGíTIMA DEFESA real, através de meios necessários e de seu uso moderado. (...). (TJMG. Terceira Câmara Criminal. Rel. Des. Roney de Oliveira. Apelação Criminal n. 000.212.286-9/00. Data do Julgamento 05.06.2001)
Nesse compasso, exigindo-se para a configuração da legitima defesa putativa que a "suposta" agressão da vítima seja injusta, atual ou iminente (tal como na legítima defesa real) e que a repulsa do agente amolde-se aos requisitos do meio necessário e do uso moderado desses meios, impõe-se o desdobramento dos quesitos atinentes à referida descriminante putativa, a fim de que o Conselho de Sentença defina se a "suposta" agressão (ou agressão "imaginária") era revestida dos caracteres de iminência (ou atualidade) e injustiça, bem como se necessária e moderada a resposta.
Anote-se, ainda, que somente com o desdobramento da quesitação possibilitar-se-ia que os senhores Jurados fossem indagados acerca de eventual excesso incorrido pelo agente (doloso ou culposo) o que seria absolutamente impossível adotando-se o modelo de questionário elaborado pela M.M. Juíza a quo.
De mais a mais, proposições separadas e desdobradas oferecem maior clareza acerca de cada uma delas, ao passo que englobar os requisitos da descriminante putativa em apenas dois quesitos, de forma sintética e sem qualquer alusão aos seus requisitos legais, prejudica sobremaneira a compreensão dos jurados.
Aliás, não é por outra razão que a doutrina vem tecendo severas críticas ao modelo de quesitação utilizado pela douta Magistrada no caso versando, senão vejamos:
"Discutindo o assunto, ANTONIO VISCONTI sustentou que "sem embargo do respeito justamente tributado aos eminentes autores de já clássica monografia sobre o julgamento popular, que tanto honraram o Judiciário de São Paulo, juristas ADRIANO MARREY, SILVA FRANCO e outros, que o novo tratamento dado ao chamado erro de direito, na velha doutrina penal, na vigente lei criminal pátria, não tenha a repercussão pretendida no campo das chamadas descriminantes putativas. A formulação tradicional de quesitos, se alegada legítima defesa putativa, que somente se distingue da real porque a agressão atual ou iminente a direito do invocante é suposta por este, sem real existência, melhor especifica as diversas questões a deslindar, melhor distribuídos aspectos fáticos e jurídicos pelos vários quesitos e assim facilitando o entendimento por juízes leigos. A verdade é que o surgimento da possibilidade de defesas fundadas em erro de proibição, em face dos maiores efeitos favoráveis ao agente, hoje reconhecidos pela lei penal brasileira, não deve nem precisa levar à derrogação das formas tradicionais de indagação das justificativas putativas. Se alguma forma de exculpação de conduta típica for apresentada ao Júri, aproveitando novas brechas decorrentes da legislação recentemente posta em vigor, vier a ser alegada, quesitos a ela adequados deverão ser formulados''.
Continuando, com lógica impecável, disserta: "Pergunto-me se desapareceu a necessidade de a agressão suposta a direito do agente se revestir dos requisitos da atualidade ou iminência, injustiça e se a repulsa se desliga de exigências de necessidade e moderação. Deixou de existir a possibilidade de excesso doloso ou culposo no exercício da legítima defesa putativa? Se não - e penso que não -, como chegar a eles na formulação preconizada pelos e. ADRIANO MARREY, SILVA FRANCO, e outros? Esta forma de indagação, após questionar existência de lesão ou ameaça desta a direito do agente, na suposição deste, cambulha diversos aspectos relevantes ao reconhecimento, ou não, da legítima defesa putativa, num só quesito, que não explicita possibilidade de identificação de excesso doloso ou culposo e que apenas reserva um quesito para a plausibilidade da suposição do agente. E com o alto inconveniente de submeter a leigos um conceito eivado de complexidade, como é o da licitude de uma conduta humana'' (Justitia, 55/176)." (NOTA:16 in Júri: Legítima Defesa Putativa e Questionário - RJ nº 206 - DEZ/1994, pág. 22, in Juris Síntese Millennium, nº 33 )
In casu, não bastasse a deficiência e omissão latente no questionário, atentemo-nos para as razões consignadas em ata pela M.M. Juíza Presidenta, para a manutenção dos quesitos formulados: "(...) a esta altura do julgamento, mudar a redação dos quesitos com conseqüentes desdobramentos poderia causar inegável cerceamento de defesa [haja vista que] toda a explanação da defesa foi feita de forma a não se preocupar demasiadamente com a atualidade ou eminência, justiça ou injustiça da agressão, necessidade e moderação no uso dos meios, eventual excesso doloso ou culposo, razão pela qual o posterior desdobramento acarretaria prejuízo manifesto ao réu".
Ora, se estes são os requisitos legais exigidos para que se configure a legítima defesa putativa (tese da defesa), nem de longe se justifica omitir a indagação de cada um deles aos senhores Jurados sob o argumento de que toda a explanação da defesa foi feita de forma a não se preocupar demasiadamente com os mencionados requisitos.
Consessa vênia, ousamos afirmar que se a defesa invoca uma descriminante putativa sem se preocupar em esclarecer aos Juízes leigos a ocorrência de todos os seus requisitos legais, ou o douto advogado pouco conhece o direito e seus institutos jurídicos o que não acreditamos nem remotamente ou busca dificultar a compreensão dos Juízes leigos, levando-os a julgarem contra a prova dos autos.
Ademais, se, por um lado como decidido pela M.M. Juíza Presidenta "mudar a redação dos quesitos com conseqüentes desdobramentos poderia causar inegável cerceamento de defesa" e "prejuízo manifesto ao réu", tendo em conta que toda a explanação da defesa foi feita de forma a não se preocupar com os requisitos legais da tese defensiva alegada, de outra banda, pode-se afirmar, seguramente, que o questionário elaborado e mantido pela douta Juíza, não apenas "poderia" como efetivamente causou enorme prejuízo para a acusação que já havia sustentado o libelo-crime acusatório, procurando apontar e explicar cada um dos requisitos legais exigidos para a configuração da legítima defesa putativa (injustiça, atualidade ou iminência da "suposta" agressão, bem como necessariedade dos meios e moderação na repulsa), os quais não foram sequer quesitados e indagados ao Conselho de Sentença.
Portanto valendo-me das palavras do eminente Des. Manoel Ornellas retro transcritas "os jurados só poderiam julgar contra as provas dos autos em face da deficiente quesitação".
Diante de todo o exposto, impõe-se o reconhecimento da nulidade absoluta do julgamento popular, por vício insanável decorrente da falta de quesitos obrigatórios e/ou deficiência na quesitação atinente à tese da legítima defesa putativa.
(...)
II DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS
(...)
III - PEDIDO
Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO seja conhecido o vertente recurso de apelação, por ser próprio e tempestivo, devendo, no mérito, ser dado provimento ao mesmo, anulando-se o julgamento levado a efeito pelo E. Tribunal do Júri, para que seja o Recorrido submetido a novo julgamento popular.
Colider, 24 de novembro de 2006.
Anne Karine Louzich Hugueney
Promotora de Justiça