Aparte Eletrônico 07
Aparte Eletrônico nº 07
Caro(a) Colega:
Já recebemos algumas respostas ao Ofício que mandamos em conjunto com o CAOPCriminal, a respeito das perícias, pelo que agradecemos. Os colegas que ainda quiserem mandar material e sugestões, poderão fazê-lo até o dia 17 deste mês, pois a reunião com as Direções do IC e IML ocorrerá na semana de 20 a 24 de novembro.
Aproveitamos a oportunidade para relembrar a importância de uma peroração bem feita ao final de cada Júri. A carga emocional deve ser intensa para conclamar os jurados para a importância de uma decisão justa e para quebrar a odiosa banalização da perda da vida humana. É o momento do "sursum corda" (corações ao alto).
Segue, abaixo, a inigualável peroração feita pelo Dr. Munir Gazal, no caso Taciane (constante do Livro Coletânea de Temas ao Promotor de Justiça do Júri, que todos temos), bem como a valiosa contribuição do nosso nobre colega MARCELO CLETO MELUZO, hoje no CAOP das Fundações, que nos remeteu peroração feita em caso de repercussão que atuou.
Um caloroso abraço,
CENTRO DE APOIO DAS PROMOTORIAS DO JÚRI
EDILBERTO DE CAMPOS TROVÃO PROCURADOR DE JUSTIÇA COORDENADOR
PAULO SERGIO MARKOWICZ DE LIMA PROMOTOR DE JUSTIÇA
Peroração Dr. Munir Gazal
UM EXEMPLO DE PERORAÇÃO
(elaborada e utilizada pelo Promotor Munir Gazal
por ocasião do julgamento do comovente "Caso Taciane")
O CASO CONCRETO
Numa manhã de agosto do ano de 1984, o casal TÍCIO e FÚLVIA, juntamente com sua filhinha Taciane, de pouco mais de 3 anos de idade, saíram de seu apartamento no centro de Curitiba para tratarem de assunto relativo à herança e venda de um imóvel. No caminho ao escritório do advogado da família, TÍCIO ingeriu todo o conteúdo de uma garrafa de vinho que comprara num mercado por ali existente.
Como tivessem caminhado muito, Taciane, cansada, e por não poder acompanhar os passos dos pais, pediu para ir ao colo. Recebeu do pai, como resposta, uma garrafada na cabeça. Mais adiante, notando que perdera seu relógio, TÍCIO passou a culpar a criança pela perda do objeto, prometendo castigá-la tão logo chegassem em casa.
Já no apartamento, quase meio-dia, sem permitir a intervenção da esposa FÚLVIA, cumpriu a sua promessa. Com a mão espalmada, passou a aplicar "rasteiras" em Taciane, fazendo com que a indefesa vítima se estatelasse por várias vezes no assoalho.
Não adiantaram as suas súplicas: "pára papai, socorro mamãe". E com a menina caída, calcou o peso dos seus 90 quilos em cima da sua barriga, produzindo-lhe inúmeros ferimentos, quais sejam, luxação da coluna cervical, edema, escoriações, equimoses e hematoma nas regiões frontal do crânio, bilateralmente, faces direita e esquerda do rosto, mentoniana, lábios, pavilhão auricular direito, torácica bilateralmente, abdominal bilateralmente, inguinal bilateralmente, dorsal bilateralmente, em ambas as nádegas, em ambas as coxas e ambos os joelhos. Houve rotura do fígado, lacerações no baço em ambos os rins, hematoma extenso em ambas as regiões perineais, extenso hematoma no couro cabeludo na região frontal à direita, luxação total da 1ª vértebra cervical e edema da medula espinhal a nível cervical.
Ao perceber que a filha estava morrendo, levou-a ao quarto onde estava a mãe, que chegou a tentar, inutilmente, uma respiração boca a boca.
Com Taciane morta, combinaram então que ocultariam o cadáver, jogando-o no mar, escolhendo para isso a cidade de Antonina. A roupa da criança foi trocada e FÚLVIA, para guardar como recordação, cortou uma mecha dos seus cabelos (a mecha esta apreendida no processo). A seguir, colocaram o corpo numa bolsa de viagem, rumando num táxi até a referida cidade (Antonina-Pr). Lá, após hospedarem-se num hotel, deixaram a bolsa fúnebre no quarto, indo almoçar.
Por volta das 20 horas, dirigiram-se ao Mercado onde, do trapiche da Praça da Feira Mar, TÍCIO jogou a sacola com o corpo da sua filha ao mar, não sem antes terem colocado no interior da improvisada urna algumas pedras para facilitar a imersão. A seguir, foram jantar.
O corpo, na manhã do dia seguinte, foi resgatado em busca aquática levada a efeito pelo Grupamento de Incêndio de Paranaguá. TÍCIO foi condenado à pena de 31 anos de reclusão e FÚLVIA a 2 anos e 8 meses (apenas por ocultação de cadáver, crime em que foi denunciada e pronunciada). Esta decisão transitou em julgado.
A PERORAÇÃO
"Teve a existência das rosas.
Ainda na manhã da vida, por entre os folguedos naturais da sua idade, a morte traidora fez abater sobre ela a sua foice funérea, que em menos de três minutos, num sinistro apartamento da rua Dr. Muricy, sufocou num túmulo um tesouro de graças e formosuras.
Talvez assim devesse ser, porque o mundo não tinha mansão para albergar um coração como o daquela criança. Subiu ao Empíreo e lá está dormindo o sono eterno no esplendor da glória celeste, único retiro apropriado à candura de sua alma.
Em 28 de abril de 1981 nascia Taciane. Era mais um destes anjos enviados pelo Onipotente para trazer a este vale de lágrimas as alegrias de um paraíso. Em 28 de agosto de 1984, exatamente 3 anos e 4 meses depois, sua alma foi arrancada do corpo por este desgraçado que aqui julgamos justamente aquele a quem incumbia o dever legal, social e humano de assistí-la, de amá-la, de protegê-la.
Por que o réu fez isso? Taciane cansara de tanto andar, acompanhando os passos largos dos brutos, e pediu colo. O assassino converteu aquele pedido em tragédia.
Findou-se tudo. A negra realidade da morte incumbiu-se de desfazer a ilusão e a esperança que se encarnava naquela criança estremecida que, depois da sessão de torturas, voltou a voar para as sidéreas regiões.
Descansa em paz, Taciane, durma o seu último sono. Deus a recebeu na Santa Glória. Agora você não mais será proibida de experimentar o deslumbramento a que toda criança tem direito. Você vê agora daí, que as estrelas brilham com um fulgor de iluminação em palácio encantado e nunca lhe deixaram ver isso. Verá que as árvores confabulam entre si, mexendo as frondes, uma para o lado das outras, ora sossegadas e boas, ora inquietas e sinistras. E que os pirilampos dançam com graciosos meneios de diabinhos gentis. E verá também que as flores riem nas noites.
E Taciane, ninguém assustará mais você. Se andando por aí com os anjos que lhe acompanham, por acaso você se cansar cansar de brincar e de sorrir, por exemplo -, não tema. Eles tomarão ternamente nos braços e você descansará. E ao Pai que está aí nos céus, você jamais precisará suplicar em tom de horror: "pára papai, pára papai". Porque Ele, que sempre foi o seu único e verdadeiro Pai, já decretou que ninguém, nunca mais, vai machucar você outra vez.
"Requiescat in pax"
Peroração Dr. Marcelo Augusto Merluso Cleto
Caros Colegas: Era o segundo semestre de 1997 em Cascavel. Naquele tempo,
um rumoroso crime causou comoção naquela comarca. Tícius assassinou a jovem
Mariangela, de apenas 15 anos de idade, com requintes de selvageria, em cima
duma mesa, num barracão. Aceitei voluntariamente fazer aquele Júri como representante
do Ministério Público, e o Juiz Presidente chegou a determinar detectores de
metal nas portas do plenário tal a comoção gerada pelo crime. Fiz a acusação,
no estilo "Dr. Osmann Santa Cruz Arruda", então Promotor de Justiça Titular
da Vara do Tribunal do Júri da Capital, e nosso Professor no Júri simulado da
Faculdade de Direito da UFPR (1989). Tícius foi condenado a 19 anos de prisão
por seis votos a um pelo Conselho de Sentença, e com autorização da família
da vítima, a peroração foi uma prece em forma de versos, de minha autoria, nos
seguintes termos:
MARIANGELA
Não longe daqui
Lateja uma alma penada
O corpo no cemitério
E aquela revoltada
Na flor de seus quinze anos
Sem chance de defesa
Foi morta sob tortura
Em cima duma mesa
A única obrigação
Deste Promotor
É com os familiares
Nesta sua dor
Descanse em Paz Mariangela
Com o Pai Celestial
Deixe a justiça dos homens
Julgar o seu chacal
Abrace a brandura do Cosmos
Com o anjo Gabriel
Deixe a acusação
Fazer o seu papel
Confie Mariangela
No Corpo de Jurados
Gente da tua terra
Juízes não togados
Não permita Deus vingança
A família revoltada
Deixe o veredicto
Acalmar a enlutada.
Um fraternal abraço,
Marcello Augusto Cleto Melluso
Coordenador CAOP Fundações e Terceiro Setor