Toque de Recolher: Manifesto contrário do CEDCA/PR
O Conselho Estadual dos Direitos da Criança e da Criança e do Adolescente do Paraná (Cedca-PR) elaborou nesta quinta-feira (16), durante reunião plenária em Curitiba, um manifesto contra o toque de recolher destinado a restringir a circulação de crianças e adolescentes no período noturno. A medida, adotada por algumas cidades brasileiras sob a alegação de reduzir a violência urbana, já começou a ser discutida e implantada em algumas cidades paranaenses.
No documento, o Cedca-PR justifica que as portarias com a determinação do toque de recolher não possuem fundamento legal e afrontam a Constituição Federal no que se refere ao direito de ir e vir. Além disso, a medida contraria também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não objetos de intervenção do Estado. "O toque de recolher é totalmente contrário à sociedade que buscamos para os nossos filhos. As ruas e as praças têm de ser devolvidas às crianças e jovens para se tornarem espaços de convivência", afirma Thelma Alves de Oliveira, presidente do Cedca-PR e secretária de Estado da Criança e da Juventude.
Thelma lembra que a motivação para estas iniciativas podem ser legítimas quando intenção é proteger crianças e jovens, mas seus efeitos podem prejudicar a todos, já que atinge a sociedade em geral, indiscriminadamente. "É preciso tratar cada caso, independentemente. O artigo 149 do ECA veda o tratamento de forma geral justamente para evitar este tipo de situação", analisa.
Entre os apontamentos apresentados pelo Cedca-PR está a transferência do foco da fiscalização. Em vez de restringir a liberdade de crianças e adolescentes, o correto seria fiscalizar e multar os estabelecimentos comerciais que descumprem o Estatuto ao vender bebidas alcoólicas para menores de 18 anos ou permitem sua permanência, entre outras irregularidades.
Thelma enfatiza que iniciativas como o toque de recolher reduzem a autoridade da família no exercício do direito e do dever de educar seus filhos. "São os pais que tem que estabelecer os horários limites para as atividades dos filhos. Ao transferir este tipo de responsabilidade para o Estado, as famílias saem enfraquecidas porque perdem a referência de valores éticos, morais e de socialização", complementa a presidente do Cedca-PR.
O Cedca-PR é um órgão de natureza estatal especial, com instância pública essencialmente colegiada. É composto por 24 conselheiros distribuídos de forma paritária entre representantes governamentais e não-governamentais. O Conselho se reúne mensalmente para formular, deliberar e controlar ações referentes à criança e ao adolescente em reuniões abertas à comunidade.
[Fonte: CEDCA/PR - Notícia 21/07/2009]
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Conselho Estadual dos Direitos
da Criança e do Adolescente - Cedca/PR
MANIFESTO CONTRA TOQUE DE RECOLHER
O CEDCA, Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, reunido em plenária dia 17 de julho de 2009, na sede da Secretaria de Estado da Criança e da Juventude - SECJ, no uso de suas atribuições definidas na lei 9.579 de 1991 e suas alterações,
ASSUME POSICIONAMENTO CONTRÁRIO ÀS PORTARIAS DO "TOQUE DE RECOLHER", PELAS RAZÕES QUE SE SEGUEM:
- Tais portarias não possuem fundamento legal e afrontam a Constituição Federal (artigos 5 e 227), no que se refere ao direito de ir e vir; o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no que se refere ao tratamento da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos e não objetos de intervenção; fere também o princípio de garantia de direitos na medida em que cerceia a todos independente da situação, bem como o direito fundamental da convivência familiar e comunitária.
- Extrapolam a competência da autoridade judicial, (ECA, artigos 145 a 149) uma vez que o § 2º do artigo 149 veda expressamente as determinações de caráter geral.
- Desorientam o sistema de garantia de direitos das crianças e dos adolescentes na medida em que desconsideram os esforços das políticas públicas protetivas tanto municipais quanto estaduais de caráter inclusivo, socioeducativo, formativos e emancipadores, tais como os programas de ampliação do tempo escolar, contra-turnos, programas esportivos e de lazer, de expressão cultural, de convivência comunitária, centros e praças da juventude e tantas outras iniciativas com o intuito de garantir espaço apropriado para o convívio social saudável e protegido dos jovens.
- Reduz a autoridade da família no exercício do direito e do dever de educar seus filhos estabelecendo limites para atividades, horários, companhias, tarefas de rotinas entre outras que buscam prepará-los para uma vida autônoma e responsável. Quanto mais o Estado ocupa o lugar da família mais esta se enfraquece como referência de valores éticos, morais e de socialização.
- Desloca o foco da fiscalização e penalização dos estabelecimentos comerciais para os sujeitos crianças e adolescentes. Por certo que estabelecimentos que vendem bebida alcoólica para menores de dezoito anos e permitem o acesso e permanência destes em casas noturnas deveriam ter fiscalização permanente e aplicação de multas cabíveis conforme a legislação e não as crianças e adolescentes como sendo eles os transgressores. O adulto que expõe, corrompe ou coloca em risco crianças e adolescentes deve responder perante a lei.
- Reforça um modelo de sociabilidade de segregação e isolamento social. Os territórios urbanos estão pensados e produzidos de forma a separar e proteger a juventude de famílias ricas em condomínios fechados e shoppings enquanto para os filhos das camadas populares sobram os espaços públicos como praças e as ruas, os quais sofrerão a ação repressora do chamado toque de recolher, numa ação de intervenção extrema revivendo "as carrocinhas humanas", tão utilizadas nos movimentos higienistas, que retiram do cenário urbano aquilo que não deve ser encarado pela sociedade. É preciso que se retire a criminalidade das ruas e as devolvam às nossas crianças e adolescentes que precisam se encontrar, brincar, se divertir com saúde e aprender a conviver convivendo. Sejamos mais generosos e protetores. Precisamos garantir o estado democrático e criar um projeto de sociedade do respeito e do cuidado para com nossas crianças e adolescentes.
CONCLUE:
Em que pese as motivações das portarias do "toque de recolher" possam ser legítimas quanto à necessidade de reduzir riscos às nossas crianças e adolescentes, a solução apresentada age no sentido contrário ao da proteção; promove a discriminação; fere os direitos democráticos; fragiliza o poder das famílias; imprime o clima de pânico; criminaliza indiscriminadamente a sociabilidade da juventude; reforça o comportamento da segregação e isolamento social; dentre outros efeitos prejudiciais a sociabilidade saudável da juventude, e por tudo isso devem ser revogadas e substituídas por mecanismos de cuidado e respeito para com as crianças e adolescentes em articulação com todas instâncias do Sistema de Garantia de Direitos - SDG, de cada município.
Curitiba, 16 de Julho de 2009.
Thelma Alves de Oliveira Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente |
Luciano Rosa Vice-Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente |
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» CEDCA/PR - Conselho Estadual dos Direitos da Criança e da Criança e do Adolescente do Paraná