E quando o dependente não quer se tratar?

 

"A pessoa é quem precisa querer parar". Mesmo com a grande quantidade de informações disponíveis sobre o assunto dependência, pouco se tem falado sobre uma questão fundamental: como persuadir um dependente a aceitar ajuda?

A interpretação literal desta premissa gera enorme desesperança e sentimento de impotência às famílias de dependentes de drogas, influenciando-os para que cheguem ao tratamento já com quadros negativos, gravíssimos ou irreversíveis. Assim, uma grande parcela fica entregue ao curso autodestrutivo desta doença, imaginando que nada se possa fazer.

A motivação para mudar é necessária, mas convém examinar esse aspecto com um cuidado maior, pois corre-se o risco de ser conduzido por grande mal-entendido. É fato que, para um tratamento ser bem sucedido, é imprescindível a adesão do paciente. No entanto, o problema com o qual nos defrontamos é que nem sempre o principal interessado quer ajuda. É raro um dependente procurar algum recurso espontaneamente.

Usualmente o indivíduo deseja modificar algo quando percebe que está se prejudicando ou mesmo quando está descontente. Mas raramente ele consegue experimentar este processo. Uma das características mais marcantes da dependência química é a perda da condição de perceber o que está acontecendo. O sujeito diminui a intensidade dos problemas, transfere a responsabilidade para os outros, faz promessas que não pode cumprir. O resultado é sempre o mesmo: as perdas continuam e cada vez mais intensas.

Portanto, compreendemos que, mesmo com as informações disponíveis sobre os riscos causados pelo uso de drogas ou os conselhos de familiares e amigos, os tratamentos podem ter pouca repercussão sobre o comportamento do dependente.

Surgem então questionamentos dignos de nota: o fato de um indivíduo não aceitar submeter-se a um tratamento mesmo apresentando dificuldades evidentes significa que devemos desistir de tratá-lo?

Será justo permitir que o dependente químico portador de uma doença que está fora de seu controle fique à mercê de um processo tão autodestrutivo? O número crescente de indivíduos com este tipo de dificuldade nos motiva cada vez mais a buscar novas alternativas de abordagem. Pessoas são diferentes e beneficiam-se de diferentes abordagens. E para tal, é fundamental o auxílio e a interferência de profissionais especializados para pensar junto com a família sobre o problema e discutir as estratégias mais adequadas de intervenção para aquela pessoa.

A mudança do comportamento dependente é uma caminhada carregada de conflitos, sendo essencial a utilização de todas as condições disponíveis para auxiliar o sujeito a se engajar num processo de recuperação. Nossa experiência tem demonstrado que internar um dependente de drogas contra sua vontade pode salvar-lhe a vida. A maioria dos pacientes internados compulsoriamente acaba aderindo ao tratamento e evoluindo satisfatoriamente. A decisão, contudo, deve ser tomada com a ajuda de profissionais experientes.

Muitas vezes o dependente não quer ser ajudado porque está "cego e prisioneiro" deste modo de funcionar. Mas existem saídas. A recuperação é possível. O engajamento e não acomodação dos familiares, a identificação preventiva, a busca de auxílio especializado e o acompanhamento de longo prazo são aliados da caminhada bem sucedida.

Dra. Carmen Soto de Bakker Silveira

(Publicado em 07/04/2016)

 

Sobre a autora:

Dra. Carmen Soto de Bakker Silveira
Psicoterapeuta na Clínica Quinta do Sol e coordenadora do Programa de Tratamento. Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / PUC/PR - CRP08/02307. Especialista em Psicologia Clínica. Filiada à ABEAD – Associação Brasileira e Estudos em Álcool e Drogas. Membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, instituição filiada à IPA (Associação Psicanalítica Internacional - fundada por Sigmund Freud). Membro da Federação Brasileira de Psicanálise - Febrapsi.

 

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