Consulta: Acolhimento - Adolescente prestes a completar 18 anos - Maioridade
Pergunta:
Com relação a um adolescente acolhido, sem qualquer referência familiar, que está prestes a completar 18 (dezoito) anos, e apresenta problemas de conduta, com dificuldade nos estudos e para permanecer no emprego:
- O que fazer quando ele completar 18 (dezoito) anos?
- Deverá permanecer acolhido?
Resposta:
Começo lembrando da notícia publicada em um de nossos Boletins Prioridade, relativa à aprovação da Súmula nº 358, do STJ, que impede o cancelamento automático da pensão alimentícia ao filho que completa 18 anos.
Diz a referida notícia:
Nos termos da referida Súmula, o cancelamento da pensão alimentícia, em qualquer caso, depende de decisão judicial, devendo ser garantido o direito do filho de se manifestar sobre a possibilidade de prover o próprio sustento. O entendimento decorre da constatação de que o dever de prestar alimentos, entre ascendentes e descendentes, decorre não apenas do poder familiar cujo exercício cessa aos 18 anos de idade, podendo ser deferido para filhos maiores, que ainda sejam dependentes de seus pais, notadamente em razão dos estudos, com base nos arts.1694, 1695 e 1696, do Código Civil. Para os ministros, é ao alimentante que se exige a iniciativa para provar as condições ou capacidade para demandar a cessação do encargo. Seria contrário aos princípios que valorizam os interesses dos filhos inverter o ônus da prova. Há o entendimento de que o dever de alimentar não cessa nunca, apenas se transforma com o tempo. O novo Código Civil reduziu a capacidade civil para 18 anos. O sustento da prole pelo pai ou pela mãe pode se extinguir com o atingimento desta idade, mas deve ser garantido ao filho o direito ao contraditório. O fim dos depósitos ou o desconto em folha podem ser apurados em pedido dirigido ao juiz nos próprios autos em que fixada a obrigação, ou em processo autônomo de revisão ou cancelamento, sempre com contraditório.
O texto da nova súmula é este:
"O CANCELAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA DE FILHO QUE ATINGIU A MAIORIDADE ESTÁ SUJEITO À DECISÃO JUDICIAL, MEDIANTE CONTRADITÓRIO, AINDA QUE NOS PRÓPRIOS AUTOS."
(Referência: CPC, art 47, Resp. 442.502/SP, Resp. 4.347/CE, RHC 16.005/SC, Resp. 608371/MG, AgRg. no Ag. 655.104/SP, HC 55.065/SP, Resp. 347.010/SP, Resp. 682.889/DF, RHC 19.389/PR, Resp. 688902/DF - Fonte: STJ).
(Ver Súmula 358 - Anotada)
Na ocasião, também destacamos que a aprovação da Súmula abriria espaço para que tal solução fosse estendida a jovens que estão sob a responsabilidade do Estado (lato sensu) em entidades de acolhimento institucional (e é importante não perder de vista que, mesmo acolhido em entidade particular, a responsabilidade pela plena efetivação de direitos e o bem estar do adolescente é também do Poder Público, por força, inclusive, do art. 100, par. único, inciso III, da Lei nº 8.069/90), que também não podem ser pura e simplesmente "abandonados à própria sorte" após completarem 18 anos, sem reais condições de conquistarem sua independência, em violação, inclusive, ao disposto nos arts. 92, inciso VIII e 94, incisos X e XVIII c/c 94, §1°, da Lei n° 8.069/90.
Sobre a matéria, inclusive, dei a entrevista abaixo transcrita, que também contém elementos que podem lhe auxiliar:
A orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que juízes estendam o pagamento de pensão a filhos maiores de 18 anos poderá ser ampliada aos jovens que vivem em abrigos. Atualmente, quando os adolescentes completam a maioridade deixam os abrigos sem nenhum amparo do Estado (no sentido lato). A súmula 358 do STJ pode trazer um novo paradigma para estes casos. O raciocínio é do promotor da infância e juventude de Curitiba Murillo Digiácomo. "quando o jovem se encontra abrigado, a responsabilidade por sua manutenção, educação e qualificação profissional é do Poder Público. Assim, não é correto nem justo que o Poder Público abandone esse jovem, que ficou sob sua responsabilidade não raro desde a infância, pelo simples fato de ter ele completado 18 anos de idade, especialmente quando não lhe foram dadas reais condições para sua efetiva "emancipação", a exemplo do que ocorre na relação entre pai e filho". A súmula poderá ser o início de uma solução para o destino das 3.800 crianças e adolescentes que vivem em abrigos no Paraná.
O promotor afirma que o Estado já falhou diversas vezes com o adolescente antes. "O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que o abrigamento é provisório. O jovem tem direito à convivência familiar. Isso lhe é negado, com a permanência no abrigo", diz. "Então o poder público deve garantir meios para que ele construa um futuro digno", explica. O promotor também lembra que não há no ECA qualquer dispositivo mencionando que o desligamento é automático, sendo mais do que razoável estender o atendimento a jovens adultos, por determinado período, até que estes obtenham colocação no mercado de trabalho e possam se manter por conta própria. Agir do contrário seria uma enorme irresponsabilidade não apenas para com eles, mas para com a própria sociedade, pois sem meios adequados de subsistência e sem o devido amparo por parte daqueles que, até então, eram seus responsáveis legais, estes jovens serão presa fácil da criminalidade, e todos nós sairemos prejudicados.
Vale dizer que semelhante entendimento agora encontra respaldo também no art. 227, caput, da Constituição Federal (que foi alterado recentemente para estender ao "jovem" o direito à "proteção integral e prioritária" por parte do Estado - lato sensu -, a exemplo do que já previa em relação a crianças e adolescentes), assim como na Lei nº 12.852/2013 (o "Estatuto da Juventude"), que também assegura aos "jovens" (pessoas com idade entre 15 e 29 anos) a efetivação de seus direitos por meio de políticas públicas específicas, inclusive no sentido de sua educação, profissionalização, trabalho e renda.
Assim sendo, penso que é o caso de chamar o Poder Público à responsabilidade, de modo que seja efetuado o "diagnóstico" da situação atual do adolescente da forma mais completa e criteriosa possível e se inicie, desde logo (se é que já não iniciou), um planejamento de ações (a ser incluído em seu "Plano Individual de Acolhimento", que deve ser elaborado na forma do disposto no art. 101, §§4º, 5º e 6º, da Lei nº 8.069/90), destinadas a assegurar que o mesmo tenha continuidade no atendimento que vem sendo prestado mesmo após atingir os 18 (dezoito) anos de idade, devendo ficar claro, desde logo, que não é o caso de, pura e simplesmente, "expulsá-lo" da entidade de acolhimento quando o mesmo atingir a maioridade.
O processo de "transição" para algum outro modelo de atendimento que venha a ser estabelecido (com sua hospedagem numa "república", concessão de um "aluguel social" ou algo semelhante, além do fornecimento de todo suporte - até mesmo financeiro - que o mesmo necessitar), aliás, deve ser planejado em conjunto com o próprio adolescente (cf. art. 100, par. único, inciso XII, da Lei nº 8.069/90), devendo o mesmo receber a orientação e o apoio devidos (arts. 100, par. único, inciso XI e 101, inciso II, da Lei nº 8.069/90), inclusive de modo a diminuir sua presumível "ansiedade" decorrente da proximidade da data de seu aniversário, devendo ficar claro que ele não será "abandonado" após completar 18 (dezoito) anos, mas terá que assumir as responsabilidades inerentes à sua condição de "adulto".
Trata-se, na verdade, de um "processo emancipatório", que deveria ter sido iniciado há muito tempo, e que, de uma forma ou de outra, deverá ser conduzido com cautela e responsabilidade, de modo que o jovem possa conquistar sua "autonomia de vida" de forma saudável.
Enquanto não concluído tal processo, o Estado (lato sensu), que assumiu a responsabilidade pela sua "guarda" e educação (e não teve a "competência" de promover sua reintegração familiar ou colocação em família substituta), não poderá deixar de prestar-lhe a orientação, o apoio e mesmo eventual tratamento de que necessite, da mesma forma que um pai não poderia abandonar seu filho que ainda necessite de cuidados.
E vale lembrar: nem o Ministério Público, nem o Poder Judiciário, são os "gestores", não cabendo a nós dizer o que deve ser feito, sem prejuízo de encaminhar sugestões e de COBRAR, se necessário pela via judicial, que o hoje adolescente - e amanhã jovem - receba o "atendimento" a que tem DIREITO (da forma mais abrangente e qualificada possível, de acordo com as normas técnicas e jurídicas aplicáveis, numa perspectiva eminentemente resolutiva), que o Poder Público tem o DEVER - legal e constitucional - de prestar.
Sobre a matéria, vale a leitura de um artigo que escrevi recentemente, que embora fale mais especificamente de crianças e adolescentes, também vale para maiores de 18 (dezoito) anos (especialmente os "jovens" que, como dito, também são contemplados pelo contido no art. 227, da Constituição Federal).
Murillo José Digiácomo
Curitiba, 04 de dezembro de 2013
Posição Oficial do CAOPCAE/MPPR
A posição oficial deste Centro de Apoio é a de que o adolescente completando 18 anos e não havendo uma instituição específica, nos moldes de uma república ou uma entidade de acolhimento voltada para jovens, o acolhido (agora jovem) deverá permanecer na mesma instituição de acolhimento até que se consiga auxiliá-lo a viver de forma autônoma - sem a necessidade do acolhimento.
Há, inclusive, precedentes jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que estendem este acolhimento até os 21 anos, justamente e da mesma forma em que é permitida a extensão das medidas socioeducativas, em casos excepcionais, até que o adolescente complete 21 anos. Assim, da mesma forma, estende-se a medida protetiva até os 21 anos nas situações em que o adolescente não conseguiu estabelecer a sua plena autonomia e independência até os 18 anos.
E, conforme o texto acima, é obrigação do Estado ampliar esta proteção, tendo em vista que o mesmo falhou em proporcionar esta autonomia ao adolescente. Havendo, também, a previsão de criação de instituições próprias para acolhimento de jovens - ditas repúblicas, mas na falta delas não se pode simplesmente deixar o adolescente ao léu pelo simples fato de ter completado a maioridade - quando torna-se obrigatória a manutenção da medida protetiva até os 21 anos.
Recomendamos, ainda e para maiores informações, a leitura do
, elaborado em conjunto pelo CONANDA e CNAS - em 2009. No documento, a partir da página 92, estão contemplados parâmetros para a organização de Repúblicas, destinadas ao atendimento de jovens que atingem a maioridade em serviços de acolhimento para crianças e adolescentes e que, após os 18 anos, precisam de apoio durante um período de transição.Equipe do CAOPCAE/MPPR
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