Diretos Humanos
“A importância dada aos direitos humanos no texto constitucional aumentou bastante. O que era um elenco restrito nas constituições anteriores tornou-se uma lista muito mais extensa.”
Foram muitos os avanços no texto constitucional no que diz respeito aos direitos humanos. Além de ter crescido a importância dada aos direitos fundamentais na Constituição de 1988, seu rol foi bastante ampliado. E o Ministério Público ganhou novo papel na defesa desses direitos e instrumentos processuais inovadores para os garantir. Quem comenta os avanços na área é o procurador de Justiça Marcos Bittencourt Fowler, subprocurador-geral de Justiça para Assuntos de Planejamento Institucional do Ministério Público do Paraná, que foi promotor de direitos constitucionais em Curitiba e coordenador, por quase 15 anos, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos.
Marcos Bittencourt Fowler
Procurador de Justiça, subprocurador-geral de Justiça para Assuntos de Planejamento Institucional do MPPR. Foi promotor de direitos constitucionais em Curitiba e coordenador, por quase 15 anos, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos.
Quais foram os principais avanços trazidos pela CF de 1988 na área dos direitos humanos?
Houve muitos avanços! Em primeiro lugar, cresceu enormemente a importância dada aos direitos humanos no texto constitucional. As constituições anteriores incluíam um capítulo final tratando dos direitos fundamentais. Já em 1988, reservou-se para o tema a abertura da Carta Republicana, elencando-os a partir do seu artigo 5o e dando-se grande realce a seu alcance e efetividade. Também houve uma significativa ampliação do rol de direitos fundamentais. O que era um elenco restrito nas constituições anteriores tornou-se uma lista muita mais extensa. Além disso, a Constituição de 1988 incorporou todos os tratados e convenções internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Houve ainda uma preocupação com a efetivação dos direitos. Foram criadas várias modalidades processuais para garantia desses direitos, como o mandado de injunção, o habeas data, o mandado de segurança coletivo e a ação por descumprimento de preceito fundamental.
Por fim, algo não menos importante: o texto constitucional deu aos direitos fundamentais o status de cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser alvo de reforma constitucional.
É preciso ressaltar, por fim, que continua crescente o reconhecimento de direitos no texto constitucional, como recentemente ocorreu em relação ao direito à segurança alimentar e à moradia adequada. Esse processo de expansão dos direitos fundamentais na Constituição nunca se pode considerar esgotado, prosseguindo em sua marcha histórica.
O que mudou na atuação do Ministério Público na área dos direitos humanos a partir da CF de 1988?
A atuação do Ministério Público mudou expressivamente com a atual Constituição. Até 1988, o MP mantinha preocupações muito voltadas para a repressão de crimes e para a intervenção como custos legis no cível. Como se operou uma enorme ampliação no rol de direitos fundamentais, o texto atual atribuiu ao MP a missão de proteção e garantia dos mesmos, levando-o ao envolvimento bem maior nessa área. Hoje, a atuação do MP é muito mais extensa e intensa na questão dos direitos humanos, notadamente dentro das áreas especializadas a eles destinadas.
A Constituição de 88 deu ao Ministério Público instrumentos que antes não existiam, como as modalidades processuais citadas anteriormente. Desde então, o MP é, por definição constitucional, o guardião da ordem democrática e o garantidor dos direitos coletivos e individuais indisponíveis.
Em que ainda é preciso avançar para a garantia dos direitos humanos, passados 30 anos de promulgação da CF?
Desde que os direitos humanos foram reconhecidos pelo ordenamento jurídico, o grande dilema é a sua efetivação. E isso porque a garantia dos direitos fundamentais, normalmente, reclama organização, estrutura e investimentos significativos do Estado, nem sempre presentes. Assim, por vezes, a valoração econômica suplanta a análise das necessidades apresentadas pelos seus titulares. É o caso, por exemplo, do direito à saúde: é frequente o cidadão recorrer ao sistema de Justiça para assegurar um atendimento, um procedimento cirúrgico ou o acesso a um medicamento, por esbarrar em questões orçamentárias. Faltam recursos e estrutura do Estado para a efetivação dos direitos no contexto da realidade brasileira.
Isso, entretanto, é algo que pode ser superado com o tempo. Constitucionalistas norte-americanos, cuja constituição tem 200 anos a mais que a brasileira atual, asseveram que as garantias constitucionais também lá não foram completamente implementadas. É trabalho de longo prazo, pelas alterações da sociedade e pela disponibilização gradativa dos recursos e das estruturas necessárias para a respectiva implementação.
Quais os principais desafios hoje nessa área?
O maior desafio atual são os ataques que os direitos fundamentais vêm sofrendo, frequentemente, de movimentos que querem sua redução. Hoje, há muitas propostas de diminuição de direitos, mas que esbarram na garantia das cláusulas pétreas. Apesar delas, há discussões atuais sobre isso. Por exemplo, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 241/55, conhecida como PEC do teto de gastos públicos, congelando gastos sociais por 20 anos, gerou intenso debate, pois viola as cláusulas pétreas ao estabelecer restrições econômico-financeiras ao processo de implementação dos direitos humanos.
Outras questões restritivas de direitos também estão em discussão, como a proposta de redução da maioridade penal e a instituição da pena de morte. Ainda que, teoricamente, esses temas não possam ser alterados por constituírem cláusulas pétreas, vêm sendo propostos por movimentos que persistem em promover a redução dos direitos fundamentais.