Criminal
“O conjunto de atribuições e prerrogativas que o constituinte concedeu ao Ministério Público em 1988 permitiu que a instituição avançasse muito na área penal, especialmente no que diz respeito ao combate à corrupção e ao crime organizado, em suas relações com o poder político e econômico.”
A Constituição de 1988 também trouxe inovações na área criminal, permitindo, por exemplo, que o Ministério Público ampliasse sua atuação no combate à corrupção e ao crime organizado. O subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, Eliezer Gomes da Silva, explica quais as novidades apresentadas pela Constituição Cidadã e fala dos desafios que o Ministério Público deve enfrentar na área criminal.
Eliezer Gomes da Silva
Procurador de Justiça, é subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos. Mestre em Criminologia pela Universidade de Cambridge (Reino Unido) e doutor em Direito pela USP, já atuou Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público, no Tribunal do Júri, na Coordenadoria de Recursos Criminais, na 5ª Vara Criminal e Promotorias Cíveis e na Coordenadoria de Recursos Criminais.
Quais os principais avanços trazidos pela CF de 1988 para área penal?
Tradicionalmente, as constituições, no que se referem a crimes e penas, tratam fundamentalmente de assegurar direitos e garantias das pessoas que são objeto do sistema de justiça criminal, impondo proibições e limites éticos à atividade estatal (prestações negativas ou proibições de excesso) e, em pequena escala (porque são temas deixados normalmente para a legislação infraconstitucional), autorizações específicas para a atividade do Estado, inclusive eventuais limitações à atividade legislativa ou ao trabalho hermenêutico do Judiciário (específicas prestações positivas ou proibições de proteção deficiente).
No primeiro grupo de disposições normativas, talvez se possa destacar, como autêntica inovação da Constituição de 1988, a previsão expressa de inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, pois outras disposições importantes, como proibição de certas penas, irretroatividade da lei penal mais rigorosa, devido processo legal, proibição da tortura e de qualquer tratamento desumano ou degradante, contraditório e ampla defesa, respeito à integridade física e moral de presos, hipóteses de prisão processual etc. sempre fizeram parte, explícita ou implicitamente, dos fundamentos históricos do próprio constitucionalismo universal.
No segundo grupo de disposições normativas, ao menos em três aspectos o constituinte de 1988 verdadeiramente inovou: a) ao considerar inafiançáveis e imprescritíveis os crimes de racismo, tortura e tráfico de entorpecentes e os que o legislador viessem a definir como hediondos; b) ao impor um tratamento necessariamente severo, pelo legislador, ao abuso, à violência e à exploração sexual da criança e do adolescente; c) ao prever os Juizados Especiais Criminais para infrações de menor potencial ofensivo.
O que mudou na atuação do Ministério Público na área criminal a partir da CF de 1988?
Ao considerar o Ministério Público como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, com prerrogativas e garantias simétricas às concedidas à magistratura, assegurando-lhe atribuição exclusiva da função de promover a ação penal pública, além de uma série de importantes poderes de investigação, bem como a atribuição, ao MP, do exercício do controle externo da atividade policial, a Constituição de 1988 certamente alçou o Ministério público brasileiro ao patamar de instituição da república em status e atributos sem precedentes (no sentido positivo) em relação a outros regimes constitucionais em todo o mundo, passando inclusive a inspirar modelos constitucionais em muitos países.
Esse conjunto de atribuições e prerrogativas que o constituinte concedeu ao Ministério Público em 1988 permitiu que a instituição avançasse muito na área penal, especialmente no que diz respeito ao combate à corrupção e ao crime organizado, em suas relações com o poder político e econômico. Também em relação à defesa de bens jurídicos difusos e coletivos, como meio ambiente, consumidor, saúde pública etc. Isso permitiu que o MP se especializasse em diversas áreas e possibilitou a atuação em forças-tarefas interinstitucionais, gerando resultados positivos e maior visibilidade positiva dos membros do Ministério Público também na área criminal.
Em que ainda é preciso avançar na área do Direito Penal, passados 30 anos de promulgação da Constituição Federal? Quais os principais desafios?
O Ministério Público somente recentemente iniciou um trabalho mais sistemático em relação a seu papel na área de segurança pública e na formulação de políticas de natureza penal. Ainda não consolidou um controle externo com metodologia mais moderna, abrangente e eficaz e ainda precisa de um papel muito mais proativo na defesa da dignidade humana das pessoas submetidas a encarceramento provisório ou definitivo.